CANÇÕES
"Molienda"
Malphino
· POR Rafael Santos · 14 Mai 2018 · 17:14 ·

Malphino é uma ilha imaginária. Mas para eles é tudo real. Pelo que se divertem a produzir, deliram a criar, e se libertam a oferecer, com profundo conhecimento pelo que fazem, geografia colombiana estudada, cumbia no coração, estrategicamente socorrendo-se da música electrónica para alguns acabamentos – estratégia cumbia/ electrónica parecida à acção dos Ondatropica –, os Malphino, colectivo instalado na real ilha do Reino Unido, com leveza exótica, menos obsessivos que Will "Quantic" Holland, são um dos projectos mais espirituosos, castiços e escaldantes de 2018.
O álbum de estreia, Visit Malphino, já por aí anda... O cartão de visita chama-se "Molienda", uma luminosa pérola, perfumada, festiva e viciante. Bem vindos à ilha; a nova república, que até apreciamos se for a das bananas!
"I Like It"
Cardi B
· POR Paulo Cecílio · 19 Abr 2018 · 16:47 ·

Se o rei João II tivesse dado o seu aval para que Cristóvão Colombo partisse à descoberta e conquista das Américas, como seria, hoje em dia, a música que de lá sai? Menos jovial, certamente - afinal de contas, somos (orgulhosos) portadores dessa doença chamada saudade.
Se calhar não haveria rancheras, o blues não seria mais que um fadinho morto e a música country assemelhar-se-ia às canções de Trás-os-Montes. Cardi B falaria não com um sotaque e slang espanhol e esta mesma "I Like It" não conteria aquele sample delicioso de um boogaloo porto-riquenho com décadas (sendo que Porto Rico seria uma espécie de Madeira, mas ainda mais distante).
Num disco igual a tantos outros discos pop - um par de canções boas e o resto um lixo - é "I Like It", os versos sobre traseiros colombianos e a mensagem de viva la raza o que mais se destacam. Malhona, caramba.
"Narcos"
Migos
· POR Paulo Cecílio · 13 Abr 2018 · 00:01 ·

Há muitas falhas que poderemos apontar aos Migos. Nomeadamente, o facto de serem donos de um dos flows mais irritantes da última década do hip-hop. Then again, a culpa não é deles, e sim do trap, um dos géneros mais irritantes yada yada.
Mas mesmo com essas falhas, porque raio continuam eles a crescer exponencialmente de dia para dia, de disco para disco, de conta no Spotify para conta no Spotify? Provavelmente porque os instrumentais os salvam - um trap que consegue não ser aborrecido, que soa diferente dos demais, que parece apostado em fazer de facto canções e não algo que se ouça e se deite fora numa festa cheia de putos bêbados.
É isso "Narcos", tema tornado grandioso pela inclusão daquela guitarrinha melancólica e latina, inspirado, claro está, tanto pela série como pelos traficantes que deram origem à série. E, tal como na série, ouvimos os discos dos Migos e só nos dá vontade de dizer gringos hijos de puta, com a adenda logo a seguir: como é que algo tão mau soa tão bem?
"Black Hole"
The Legendary Tigerman
· POR Paulo Cecílio · 12 Abr 2018 · 23:54 ·

Um gajo ouve a malta dizer que o rock está morto e nem parece que o Tigerman lançou um disco novo este ano. Ah, espera: lançou mesmo. Misfit não tem colhido grandes críticas por parte das gentes interessadas (a mais acerba foi, como é seu apanágio, a d'O Gato Mariano), e talvez seja esse um sintoma de cansaço (o disco foi anunciado e apresentado o ano passado, houve snippets no Spotify, etc. etc.), mas a verdade é que, quer isso doa a alguns ou não, é provavelmente o melhor álbum do Homem-Tigre desde Masquerade, de 2006 (ainda hoje a sua obra-prima, e até vou meter mais uns parêntesis (Femina era aborrecidíssimo e True apenas ligeiramente melhor)).
Para isso em muito contribui esta mesma "Black Hole", uma rockalhada à antiga que parece estar constantemente no fio da navalha, um blues de libertação agonizante em que o Homem (não-Tigre, Homem de Humanidade) parece estar num diálogo aceso com o seu Criador, em busca de um qualquer sentido que nos valha pachorra para sobreviver mais um dia que seja neste planeta infecto.
Sabemos ao que vamos quando o volume é máximo logo ao primeiro segundo, só amenizando ligeiramente apenas para poder regressar em força logo a seguir. É enormíssima, pois claro. O rock o quê? Sabem lá vocês do que falam.
"Dub De Uma Nota Só"
Inês Duarte
· POR Paulo Cecílio · 01 Ago 2017 · 22:35 ·

© Luisa Ferreira
Há já algum tempo que a Arctic Dub, editora baseada no Porto, se tem dedicado a partilhar - como o próprio nome indica - diversas explorações dub nas suas mais diversas formas, criadas por vários artistas. Em Maio, editaram a sua terceira compilação, apropriadamente intitulada Arctic Dub V3, que reúne nomes como Naus (e a óptima "Saturnia"), The Positronics, Dave Wesley e Echonaut.
No entanto, pertence a Inês Duarte, produtora e DJ lisboeta, o ponto mais alto desta mesma compilação: "Dub De Uma Nota Só" poderia remeter para o samba ou para a bossa nova, acima de tudo pelo título, mas ao invés aposta no tradicional (e sempre bom) 4/4 polvilhado com melodias a roçar o house antes de explodir de magia a meio, traçando um daqueles cenários que tanto nos agradam na música electrónica - o de um carro percorrendo uma cidade imersa na sua própria noite, à procura de sinais de vida ou, pelo menos, de gente acordada. E, estima-se, também resulta na perfeição em pistas de dança de leste a oeste.
"Shape Of You"
Ed Sheeran
· POR Paulo Cecílio · 23 Jun 2017 · 12:11 ·

Há alguns anos, sob o olhar atento de um verdejante Rock In Rio, Ed Sheeran desceu ao planeta Portugal armado com as canções de x, álbum que foi responsável pela sua transformação numa estrela pop à escala mundial. Qualquer pessoa que tenha lá estado, de mente aberta e um pouco de conhecimento musical, sabe que o concerto de Sheeran foi uma das maiores poças de vómito que o grande Deus bulímico despejou sobre a nação - levando-nos a pensar, mas do que uma vez, se os ingleses e seu humor refinado não estariam certos em relação aos ruivos enquanto embaixadores de todo o mal na terra. Fast-forward: Ed Sheeran continua ruivo, continua a dar concertos e a fazer música de merda. Excepção feita a "Shape Of You". Nem mesmo o indiezeco mais empedernido será capaz de acreditar que daquela cabeça e rosto esmurráveis tenha saído uma canção tão boa, mas o facto é que aconteceu; "Shape Of You" é ao mesmo tempo delicada e dançável, dá ao mesmo tempo vontade de beber e de foder, convida-nos para uma temporada nas Baamas e outra nas discotecas mais badaladas de Nova Iorque, quiçá para dar dois beijinhos a Rihanna - para quem a canção foi originalmente criada, o que teria feito sentido, não só porque a letra é sexopop directo mas também pela sua ginga caribenha. Agora que a EDM já morreu (felizmente), os êxitos do hip-hop se tornam cada vez mais cliché (morre, Drake, morre), e uma onda latina ameaça cobrir o planeta com litros e litros de azeite não-virgem, "Shape Of You" soa a um delicioso contrabalançar do universo. A algo sobretudo diferente. E o vídeo também é hilariante. É já a segunda canção mais ouvida do Spotify; devia ser a mais ouvida do universo.
"Céu Azul"
Lucía Vives
· POR Paulo Cecílio · 03 Abr 2017 · 15:01 ·

© Diogo Rodrigues
A "cena" musical portuguesa, nos dias que correm, parece consistir em três simples pedras da calçada: damos um pontapé numa e de lá sai uma banda de stoner, damos um pontapé noutra e sai uma de rock psicadélico, e a pedra final fica reservada para dezenas e dezenas de cantautores com gosto pela nossa própria língua. Na maior parte das vezes, a pedra chutada deixa que a barata saia do solo. Mas, noutras, e cada vez mais raras, é um fio de ouro ou uma moeda de prata aquilo que se esconde sob o calcário. Assim é com Lucía Vives e com a Xita Records à qual pertence, colectivo de miúdos que, inspirados pela Fetra, tem feito coisas realmente extraordinárias.
Lucía e não Lúcia, que também pertence às maravilhosas Ninaz, "estreou-se" recentemente a solo com um EP em modo grind: três canções apenas, e em apenas cinco minutos, mas que deixam antever um mar de possibilidades pop, tal é a força dos arranjos. Destas, destaca-se "Céu Azul", ditame pegajoso e delicioso sobre o romance, sobre a juventude, sobre Lisboa, sobre aquilo que de melhor há numa tarde de verão: uma imensidão de azul sobre as nossas cabeças. É grande, claro, é radiofónica, obviamente, e será grande, certamente.
"Fuglekongen"
Bjørn Torske
· POR Rafael Santos · 24 Out 2016 · 12:17 ·
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Bjørn Torske não é leal a ninguém. Nem tal deseja! E seguidores não lhe faltam. Ele faz o que quer. Modas? Foda-se! Nada com ele. Amiúde contraria quem acha que ele é capaz da excelente excelência. Ambiguidade: ele tem uma grandeza que, nem quem gosta mesmo dele, é capaz da absoluta certeza. Há coisas amalucadas; diarreias; produções enviusadas – de certeza saídas directamente do manicómio de Ryan Murphy – que criam algumas instintivas resistências.
Bjørn Torske é o gajo mais sério que há… que é indomável. Estrelinha-de-poupa: penacho pequeno, penas douradas. “Fuglekongen” é a estrelinha: é de uma ave que falamos neste momento, ou do que ele quer falar, ou musicar, ou atrofiar simplesmente. Porque Bjørn quer tanto ritmo neste tema novo para levantar voo, desconhece-se. “Fuglekongen” é ele a ser bicho bravo, que observa, excitado. E reporta, sem querer saber de quem perde tempo a idolatrizá-lo, ou a tentar. Basicamente, este gajo é difícil de perceber! Mas é excitante. Por isso, acabamos sempre por voltar a ele.
"Link Up"
NxWorries
· POR Rafael Santos · 18 Out 2016 · 23:12 ·
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NxWorries é Anderson.Paak e Knxlwledge. O primeiro é um desconhecido – escreve e vai martelando beats –; o segundo, produtor, já tem no currículo uma colaboração de peso – ele deu uma ajudinha a Kendrick Lamar na feitura do enorme To Pimp a Butterfly. Os dois, NxWorries, acabaram de lançar o disco debutante, editado pela prestigiada Stones Throw: e Yes Lawd é merecedor de atenção; no mesmo pacote, embrulhadinho, sobeja ironia, sedução r&b, provocação hip-hop. “Link Up” foi a primeira amostra da colaboração deste duo – o vídeo já data de Março.
Como Yes Lawd acabou de aterrar, é (absolutamente) forçoso o link para uma das grandes malhas de 2016 que continua a ser ignorada – e que tem a peculiaridade de sacar descaradamente uma fracção de “Onda” feita em 1977 pelo brasileiro Genival Cassiano dos Santos, para a história conhecido só por Cassiano. “Onda” parece forçada a "hold up"; tudo uma questão de enquadramento; não é essa a verdadeira do história do sampling?
"Foolish Kids"
XamVolo
· POR Rafael Santos · 18 Out 2016 · 23:07 ·

Com 22 anos já foi capaz de algumas sérias reflexões artísticas. Este é um dos apercebimentos pessoais: A few years ago when I just started out, I held the mindset that the less of a ‘life’ you had, the more work you could put in to achieve what you desired. I still feel there’s some truth to that, but I now realise that having that ‘life’ is important because avoiding life experiences will eventually leave you with nothing to say . Chirality é o trabalho de estreia do londrino XamVolo.
É um EP de quatro canções em timbre soul assentes numa lenta estrutura hip-hop algo quebradiça, e é uma eloquente exposição, trabalhada e retrabalhada até atingir aquele ponto de melaço. Há muita dedicação, mas também há vida. A distinguir-se, uma perola da soul: “Foolish Kids” – canção surpresa em 2016, de uma competência inesperada, repleta de opções dignas de quem anda nisto de produzir música há anos.
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