CANÇÕES / Outubro 2012
"N2U"
James Ferraro
· POR Bruno Silva · 30 Out 2012 · 17:16 ·


Apesar do entusiasmo inicial demasiado exacerbado na minha crítica, devo ter sido das poucas pessoas a gostar genuinamente de Inhale C-4 $$$$$. Objecto fiel à sua condição de mixtape em que o Ferraro aplicava todo o seu fascínio pelo Rap e R&B ao conceptualismo digital de Far Side Virtual, com óptimos resultados. Já este ano e enquanto Bodyguard, aprofundou em Silica Gel essas ideias para pior, com aproximações muito perigosas ao Drake e uma complacência generalizada que mais parecia uma limpeza pública do disco rígido. Tendo em conta o primeiro single de avanço para Sushi - a ser lançado em Novembro pela Hippos in Tanks -, Ferraro deixa de lado as conotações difusas com o Trap Rap e recua até ao momento em que o termo IDM ainda podia ser algo divertido, acabando por soar a Mouse on Mars. Conceptualmente, insere-se perfeitamente na sua obsessão pelo digital, mas para além do seu apelo lúdico não existe nada de memorável em "N2U". Se o nome indicia algumas conotações com a rave, a faixa em si é um knock off anónimo ao duo de Colónia, habitando uma dimensão benigna que nunca chega a ser contagiante e que em nada se distingue de centenas de produtores. O que, por muito que eu goste dos Mouse on Mars e ache que eles deviam ser relembrados com mais frequência, é muito, muito pouco para alguém como o James Ferraro.

"Like the dancefloor"
A-Trak & Zinc feat. Natalie Storm
· POR Ana Patrícia Silva · 29 Out 2012 · 23:04 ·


Na sua primeira encarnação, “Stingray” de A-Trak e DJ Zinc trazia memórias do big beat e um tribalismo soturno talhado para estourar colunas. Surge agora sob um novo título e preenchido com a voz da dominatrix do dancehall jamaicano Natalie Storm, que agarra e aviva o instrumental de forma destemida. A tensão crescente infestada com sirenes e graves cáusticos encontra nela uma aliada potente. É das mais refrescantes vozes saídas de uma linhagem de mestras do dancehall como Lady Saw ou Ce’Cile, com uma língua javarda, própria de uma sexualidade sadia, tão ávida a entrar por ritmos próximos do reggae como do electro. Traz vocalizações que cospem fogo, um flow impecável e uma voz no binómio docinha/feroz que confere novo sabor ao instrumental. Nem o refrão exaustivamente repetido lhe retira valor, é um tema que remexe nas fronteiras electro-tropicais, erguendo pontes entre heranças britânicas e jamaicanas. E o vídeo – uma glutonia de glúteos bamboleantes filmados no caos do Carnaval de Notting Hill – está à altura.
 
"The Boys"
Nicki Minaj ft. Cassie
· POR Bruno Silva · 25 Out 2012 · 16:56 ·


Apesar de terem escalado os topes, tanto "Pound the Alarm" como "Starships" são duas canções horríveis que correspondem à metade de Pink Friday: Roman Reloaded que não tem o mínimo de interesse. É algo triste ver a Minaj a deixar transparecer com muito maior frequência as aproximações à eurodance - agora chamam-lhe EDM - por pressões mercantilistas, quando existe uma meia dúzia de canções bem mais entusiasmantes escondidas pelos cantos do álbum. A verdade é que a muito superior "Stupid Hoe" não reunia argumentos para singrar nesse campo, e na impossibilidade de um novo empurrão viral pelas adoráveis Sophia Grace e Rosie, esses melindres sempre lhe vão garantindo algum espaço de manobra para a esquizofrenia entre a diva pop plastificada dos êxitos e a rapper bizarra de algo como "Come on a Cone" ou "Gun Shot".

"The Boys" está do lado certo da barricada e entra directamente para a lista das melhores malhas da Minaj. Tem também a presença da Cassie, o que é sempre de louvar, e poderá servir para esta última enquanto alavanca mediática para que o segundo álbum aconteça mesmo - "King of Hearts" deixou a impressão de que tal poderia mesmo acontecer, mas entre tantos avanços e recuos já não vale a pena especular. Conseguindo equilibrar a elasticidade do flow da Minaj nos píncaros da excentricidade com a sensibilidade pop que se perdia em aventuras anteriores sem qualquer fricção, consta que "The Boys" teve origem num suposto segundo single da Cassie para King of Hearts chamado "Money on Love".

Interligando várias partes distintas numa mesma narrativa - uma chapada aos douchebags que acreditam conseguir comprar o amor - "The Boys" vai escalando através da propulsão rítmica e do shout-out infalível de "The boys always spending all their money on love" antes da chegada do breakdown onde a Cassie revela toda aquela candura resignada que faz dela a melhor anomalia no R&B dos últimos anos: "You get high, fuck a bunch a girls and then cry on top of the world / I hope you have to tell me a lie / I'll buy / Don't lose it tonight". Por todo o lado irrompem sons de sintetizador. Há espaço para uma guitarra acústica. Tudo é efervescente.

O vídeo, continua a linhagem camp de vídeos anteriores da Minaj, pejado de cores berrantes e momentos tão idiotas ou a resvalar para o softcore que só podem ter surgido com plena consciência disso mesmo - a fotografia aponta nesse sentido. Mais do que adequado, mesmo que não seja necessário. "The Boys" vai estar incluído no relançamento de Pink Friday: Roman Reloaded com o subtítulo de The Re-Up a sair em Novembro. A confirmar-se a tendência de Pink Friday de que as faixas bónus são melhores que muitas das escalonadas para o alinhamento principal, pode-se esperar um anexo de luxo a um disco desequilibrado.

"My Cabana"
Ty Dolla $ign
· POR Bruno Silva · 04 Out 2012 · 18:24 ·


Antes de mais, existe aquele "hoooooooooes" estranhamente pesaroso, como um choro algo desesperado pela incapacidade dessas mesmas de qualquer tipo de satisfação pessoal. E bastava essa linha para fazer de "My Cabana" a summer jam improvável que tem faltado ao R Kelly nos últimos tempos. Antes da chegada desse momento épico, temos um refrão onde o Ty Dolla $ign indaga sobre quantas raparigas consegue levar para a cabana, e demais palavreado misógino em contexto veraneante. Nada surpreendente vindo de alguém que em "Toot It & Boot It" abriu o precedente para letras onde peidos e sexo coabitam de forma natural. Passe-se além dessas conotações óbvia pela indiferença, e "My Cabana" foi aquela malha que faltou num verão em que os bangers de rap pareciam chegar todos vindos do epicentro de violência que tem afectado Chicago. O instrumental levanta toda uma brisa de sintetizadores mais do que adequados a paraísos estivais, com o rapper californiano a espalhar pérolas como as acima citadas num registo entre o canto e o rap mais do que certeiro no seu modo casual. A juntar ao factor bizarro da canção, há o vídeo onde ele aparece completamente dormente, naquilo que será muito provavelmente o efeito soporífero de aquilo que alguém como o Weeknd apelida de festa - porque não há hoes?. Um jogo de complacência feito de contrastes inusitados, naquela que é uma candidata inesperada para as melhores canções de 2012.

"Losing you"
Solange
· POR Bruno Silva · 03 Out 2012 · 16:09 ·


Desde sempre o elo mais excêntrico da família Knowles, a Solange sempre aparentou estar muito pouco preocupada em seguir na sombra da irmã Beyoncé, traçando um caminho bem singular, imune a quaisquer pressões de sangue que se pudessem intrometer. Pode-se pensar nela como o elemento indie da família, que por entre versões de Dirty Projectors e malhas que samplavam Boards of Canada, nunca chegou a ser aquela indie darling que isso poderia implicar – acabando, ao mesmo tempo, por se alienar de quaisquer pretensões mainstream em grande escala. Até porque, e apesar dessas conotações, sempre persistiu um lado bem classicista em canções como “Sandcastle Disco” que nunca enjeitariam àqueles para quem o R&B pouco vai além do futurismo de alguém como a Kelis circa Kaleidoscope. Tendo em conta o fracasso comercial de Sol-Angel and the Hadley St. Dreams o aparecimento de “Losing You” poderia ser algo surpreendente, não fosse o caso do R&B estar a viver uma fase de crescente independência das grandes editoras – pense-se em casos recentes como o Miguel ou a Dawn Richard -, permitindo aos artistas irem criando o seu próprio buzz sem grandes pressões externas, em contracorrente com um género que já teve melhor vida nos topes. Produzida pelo Dev Hynes de “Everything is Embarassing” e ex-Test Icicles, “Losing You” traz alguns flashbacks dos anos 80, sem fazer disso uma arma de arremesso. A entrada da voz sobre aquele sintetizador planante tem qualquer coisa do breakdown da “Like a Prayer” da Madonna, mas na generalidade persiste o aroma vagamente tropical de uma batida que não segue a via do postal turístico, nem da aculturação brute force. É uma canção linear, sem desvios nem surpresas, mas que se sustenta imaculada nessa mesma condição. É algo para rodar muitas vezes e que com audições repetidas poderá vir a perder esse encanto. Mas por ora, deixa no ar a ideia de que o anunciado álbum da Solange em colaboração com o Hynes pode ser melhor do que a sugestão óbvia. E é óbvio que se torna difícil não gostar desta canção – e da Solange – com um vídeo onde ela não tem quaisquer receios em parecer ridícula a dançar. Adorável, em todos os sentidos.

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