CANÇÕES / Abril 2018
"I Like It"
Cardi B
· POR Paulo Cecílio · 19 Abr 2018 · 16:47 ·


Se o rei João II tivesse dado o seu aval para que Cristóvão Colombo partisse à descoberta e conquista das Américas, como seria, hoje em dia, a música que de lá sai? Menos jovial, certamente - afinal de contas, somos (orgulhosos) portadores dessa doença chamada saudade.

Se calhar não haveria rancheras, o blues não seria mais que um fadinho morto e a música country assemelhar-se-ia às canções de Trás-os-Montes. Cardi B falaria não com um sotaque e slang espanhol e esta mesma "I Like It" não conteria aquele sample delicioso de um boogaloo porto-riquenho com décadas (sendo que Porto Rico seria uma espécie de Madeira, mas ainda mais distante).

Num disco igual a tantos outros discos pop - um par de canções boas e o resto um lixo - é "I Like It", os versos sobre traseiros colombianos e a mensagem de viva la raza o que mais se destacam. Malhona, caramba.

"Narcos"
Migos
· POR Paulo Cecílio · 13 Abr 2018 · 00:01 ·


Há muitas falhas que poderemos apontar aos Migos. Nomeadamente, o facto de serem donos de um dos flows mais irritantes da última década do hip-hop. Then again, a culpa não é deles, e sim do trap, um dos géneros mais irritantes yada yada.

Mas mesmo com essas falhas, porque raio continuam eles a crescer exponencialmente de dia para dia, de disco para disco, de conta no Spotify para conta no Spotify? Provavelmente porque os instrumentais os salvam - um trap que consegue não ser aborrecido, que soa diferente dos demais, que parece apostado em fazer de facto canções e não algo que se ouça e se deite fora numa festa cheia de putos bêbados.

É isso "Narcos", tema tornado grandioso pela inclusão daquela guitarrinha melancólica e latina, inspirado, claro está, tanto pela série como pelos traficantes que deram origem à série. E, tal como na série, ouvimos os discos dos Migos e só nos dá vontade de dizer gringos hijos de puta, com a adenda logo a seguir: como é que algo tão mau soa tão bem?

"Black Hole"
The Legendary Tigerman
· POR Paulo Cecílio · 12 Abr 2018 · 23:54 ·


Um gajo ouve a malta dizer que o rock está morto e nem parece que o Tigerman lançou um disco novo este ano. Ah, espera: lançou mesmo. Misfit não tem colhido grandes críticas por parte das gentes interessadas (a mais acerba foi, como é seu apanágio, a d'O Gato Mariano), e talvez seja esse um sintoma de cansaço (o disco foi anunciado e apresentado o ano passado, houve snippets no Spotify, etc. etc.), mas a verdade é que, quer isso doa a alguns ou não, é provavelmente o melhor álbum do Homem-Tigre desde Masquerade, de 2006 (ainda hoje a sua obra-prima, e até vou meter mais uns parêntesis (Femina era aborrecidíssimo e True apenas ligeiramente melhor)).

Para isso em muito contribui esta mesma "Black Hole", uma rockalhada à antiga que parece estar constantemente no fio da navalha, um blues de libertação agonizante em que o Homem (não-Tigre, Homem de Humanidade) parece estar num diálogo aceso com o seu Criador, em busca de um qualquer sentido que nos valha pachorra para sobreviver mais um dia que seja neste planeta infecto.

Sabemos ao que vamos quando o volume é máximo logo ao primeiro segundo, só amenizando ligeiramente apenas para poder regressar em força logo a seguir. É enormíssima, pois claro. O rock o quê? Sabem lá vocês do que falam.

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