RETRO MANÍA / Outubro 2016
10.000 anos Depois Entre Vénus e Marte
· POR Fernando Gonçalves · 25 Out 2016 · 16:23 ·


José Cid foi e é muita coisa. Monárquico liberal, homem que “limpou o Festival da Canção” e nos pós, a todos, a cantar “Addio, adieu, aufwiedersehen, goodbye, amore , amour, meine liebe, love of my life” com a vencedora “Um grande grande amor” e “estrela” de uma sessão fotográfica que lhe valeu “ouro”, José Cid pode ser amado e odiado com a mesma intensidade mas ninguém lhe ficará, por certo, indiferente.

Começou “a dar nas vistas” nos idos de 60 enquanto teclista e vocalista do mítico Quarteto 1111, foi censurado com A lenda de El-Rei D. Sebastião, passou pelos Babies e fez-se artista a solo. Carreira a solo que em 1973 viu nascer a estrela Vinte Anos. Pelo meio (1977) ainda teve tempo para criar o colectivo Cid, Scarpa, Carrapa & Nabo e, com eles, lançar mais um EP. Primeiro vislumbre de uma carreira, sintético por natureza, que nos leva onde queremos chegar: 10.000 anos Depois Entre Vénus e Marte. Icónico, tido como um dos 100 melhores álbuns de rock progressivo do mundo, numa lista organizada pela revista americana Billboard, 10.000 anos Depois Entre Vénus e Marte (1978;editora Orfeu) é um marco na carreira de Cid e da música portuguesa, até então, órfã de modernidade. Álbum que pega no pequeno cosmos da portugalidade musical e a atira para o grande oceano chamado Universo, na inspiração e na pujança como se impôs, mas também na história que se pretende contar.



Hoje, a história que faz correr 10.000 anos Depois Entre Vénus e Marte, que contou com a colaboração de Zé Nabo, Ramon Gallarza e Mike Sergeant, já foi vista e revista por dezenas de bandas, escrita e descrita em dezenas de filmes e livros, mas a frescura desta existencialista, intergaláctica e pós-apocalíptica aventura musical, regada a Mellotrons (dois), piano, sintetizadores e um clavinet Hohner, tornam este disco um marco na história do rock luso.



“Entre a bruma densa da manhã que quer romper, o planeta Terra já não pode mais viver” assim se inicia “O Último Dia na Terra”, faixa que abre o disco e serve de “combustível” a esta nave que parte em busca de salvação cósmica. Dentro leva um Homem e uma Mulher. Juntos, fogem do caos que se abateu sobre este planeta, sobre a cidade que é, agora, “uma vala comum” onde “nenhum caminho borda o horizonte”. Com estas e outras palavras se vai cozendo o caldo de cultura de “Caos”, segundo tema do alinhamento, que a seguir foge para o espaço.

Um Homem e uma Mulher viajando pelo espaço sideral a bordo de um Mellotron, mui querido instrumento utilizado por Cid na cozedura deste álbum quase único no período em que nasceu. A prova deste “amor” vem no título da quarta música do set. “Mellotron, O Planeta Fantástico”.



Apesar da raridade que 10.000 anos Depois Entre Vénus e Marte reprrsenta no panorama musical do Portugal dos anos 70, o álbum pouco vendeu e nem as influências que recebeu de nomes incontornáveis do rock progressivo da época como os Genesis, King Crimson, Pink Floyd ou Eloy lhe valeu um lugar de destaque à altura. Mas a vida tem destas coisas e, muitos anos depois, este patinho feio tornou-se um cisne musical de incontornável valor histórico e monetário. E se as aventuras pelo pop se tornaram o metiê de Cid, a verdade é que esta peça única na sua carreira mora entre as suas predilectas.

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