RETRO MANÍA / Julho 2013
Linda de Suza With diamonds
· POR Nuno Leal · 09 Jul 2013 · 23:23 ·


A combinação parece tonta mas tem razão de ser na estranheza da história de uma das maiores lendas da música francesa: Catherine Ribeiro. O sobrenome diz tudo, sim, é filha de imigrantes portugueses, daí a brincadeira com Linda de Suza, o arquétipo da imigrante lusa “chanteuse”. De resto, a brincadeira não passa disso. É até de mau gosto, porque Catherine é milhões de vezes mais importante na história da música do que a Linda da mala de cartão, esta contudo milhões de vezes mais conhecida. Porventura a sigla lisérgica sugerida no jogo de palavras seja mais fiel à verdadeira história, não sabemos, apenas imaginamos. O que é fácil de acontecer ao ouvir música como esta. Há quem lhe chame a “Nico francesa”. Tem razão de ser, sobretudo ao ouvir “Sîrba” ou “Silen Von Kathy”, que encaixa na perfeição em qualquer disco a solo da alemã. Seja pela negritude dos sentimentos, pela bagagem sonora por detrás. O órgão drone gótico, a percussão militar e o cântico gelado. Se a alemã parecia exorcizar os falcões místicos das noites trágicas de neve e sangue da história germânica, Catherine exorciza a o lado francês da tragédia porque nasceu em Lyon em plena Segunda Guerra Mundial. Essa infância de privações e de contacto com o horror acaba por ter muito em comum com Nico, apenas 3 anos mais velha.

E as similaridades continuam. Catherine também andou pelo cinema - chegou a filmar com Godard – e é bela também. De resto, a loira teve Nova Iorque e os Velvet Underground, esta morena teve os Alpes. Patrice Mullet nas guitarras, órgão, electrónica, voz, e Denis Cohen no órgão e percussão. Em pleno país do yé-yé este trio assumiu a vanguarda a par de Brigitte Fontaine, Magma ou os professores da electrónica como Pierre Henry, Parmegiani e Bayle, sendo contemporâneos mais tarde de Heldon e Tazartès.

Oh la la tanta boa música. Mas realmente nenhuma tem este toque português. Neste Nº2 em particular, depois de um “Poème Non Epique” de 18 minutos que parece saído da colaboração imaginária entre Les Rallizes Denudés e Patti Smith possuída por Joana D’Arc a arder na fogueira (exactamente com essa intensidade), surge a colaboração de mais dois misteriosos portugueses. De seus nomes Pires Moliceiro e Isaac Robles Monteiro, nas guitarras, num fado! Inacreditavelmente escondido nas neves do tempo que não derretem não sei porquê: “Balada das águas”. Melhor, “Ballada das Aguas” sem acento e com os dois “l” como está no disco. Pois é um dos melhores e mais intensos discos que já ouvi na vida, acaba com um fado. De Coimbra, de Armando Carlos da Silva Marta. O português de Catherine é afrancesado claro, mas a alma está lá, com uma voz que atinge confortavelmente notas amalianas, funcionando mais uma vez como um momento de possessão, desta vez o espírito dos antepassados de Catherine que lhe tomam conta do corpo tornando-a Catarina enquanto vai repetindo “só numa ilha perdida e a saudade a meu lado”.



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