RETRO MANÍA / Fevereiro 2014
Brenda Ray
· POR Nuno Leal · 24 Fev 2014 · 11:46 ·


Imaginem se as Marine Girls tivessem ido com Isabelle Antena e os Young Marble Giants numa excursão mítica à Jamaica, para participar num festival reggae imaginário algures em 1980, que disco sairia dessa viagem? Talvez o mesmo que saiu das viagens na cabeça da obscuríssima Brenda Kenny, mais (ou menos) conhecida por Brenda Ray, uma inglesa de Cheshire que em conjunto com Jerry Kenny, mais (ou ainda menos) conhecido por Freddy Viaduct, são os responsáveis pela doce, estranha e maravilhosa difícil de catalogar new wave dub (?) que encontrarão na compilação japonesa de 2013: D’Ya Hear Me! Naffi Years, 1979-1983. Nesses anos idos, Brenda e Jerry eram exactamente os Naffi, uma banda que com o tempo variou ainda mais desconcertadamente de nome - Naafi Sandwich, Brenda and the Beachballs - e um duo relativamente conhecido no circuito de Liverpool e Manchester. Dub-friendly como as Slits, este opus de eco, reverb e sensimillia lança também sementes de pop étnica e minimal regadas mais tarde por gente dos 2000 como os Pram por exemplo. Pura felicidade em cada tema, das coisas mais bonitas que, confesso, ouvi na vida. Mal oiço este disco, sorrio logo. Algo não muito normal de acontecer quando se ouve música britânica de oitentas. É algo de extraordinário ouvir Brenda perguntar-nos “Can You Hear Me?” com voz de fantasma que ficou à espera de resposta três décadas.



Esta compilação qual caixa de Pandora reserva-nos surpresas a cada faixa, como este suculento “Yummy Yummy”, onde de repente, encontramos a alma gémea das ESG. Há por aqui material 6 em 5, 11 em 10, 21 em 20. Mesmo.



Mas a fantasminha não parou de assombrar. Nos anos 90, Brenda Ray lançou o seu “state of art”, a pérola máxima: Walatta. Uma evolução que se adivinhava dado os aromas jamaicanos da primeira fase, agora tornados num clássico definitivo do reggae, apesar de feito a um oceano de distância de Kingston, já nesta altura devastada pela violência e pelo mau gosto e comercialismo da época. Mas no guetto inglês o bom gosto imperava. A capa imita a clássica pose de Augustus Pablo em alguns discos, a melódica faz parte das composições de facto, mas o som liga logo de imediato a doces femininos como as Love Joys, como que uma sua evolução, cheia de experimentalismos com cordas, sintetizadores pré-hipnagógicos, vozes masculinas, muita felicidade e muito dub. É chill-out sem os clichés do chill-out de noventas. A voz de Brenda entra na música como um extraterrestre chega à nossa atmosfera. Não é dali, mas está bem ali. É um objecto tão estranho como dançar o Libertango com a Grace Jones. Por acaso via as duas, Brenda e Grace num dueto sensual. Via, via. OK, pronto, pronto, desculpem lá este pensamento.





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