RETRO MANÍA / Fevereiro 2013
Galaxie 500
· POR Tiago Pereira · 14 Fev 2013 · 00:20 ·


Shoegaze, slowcore e dream pop, claro que sim, isso está tudo certo. Mas quando os Galaxie 500 acharam boa ideia ir para a frente com as canções que andavam a escrever, quando decidiram transformá-las em álbum, não eram os carimbos alternativos que perseguiam. Três tipos – melhor, dois platónicos, Damon Krukowski e Dean Wareham, mais uma sonhadora incurável, Namo Yang – que só queriam fazer o que os amigos fazem melhor quando a carne ainda é fraca: desabafar. Um princípio careta e meloso que hoje agradecemos com a mesma melancolia feliz que fez o primeiro disco da banda, Today, editado há 25 anos. No dia dos namorado, só podia.

“I could drink up every thing you have”, cantava Dean Wareham em “Don’t Let Our Youth Go to Waste”. Não perder tempo com nada que não seja sentimento imediato, o tu-cá-tu-lá de emoções, quanto mais ping pong com as matérias do coração melhor. Estes três não podiam ter feito música de outra maneira. Amigos desde o liceu, amigos quando frequentaram ao mesmo tempo as salas de aula de Harvard, amigos que escolheram o nome inspirados pelo carro de um outro amigo. Artistas fraternos, que escreviam uns para os outros, transformando a banda numa espécie de diário de quarto, aqui sem chave nem hora específica para as choraminguices.

E porque o assunto é simples e foge a todos os rodeios possíveis, a tarefa de o musicar seguiu o mesmo princípio. O eixo minimalista (nem por isso sereno) que vai dos Velvet Underground aos Jesus and Mary Chain, o psicadelismo de garagem que os deixava perder o tino instrumental sempre que era preciso, o sentido rock’n’roll elíptico de Jonathan Richman e dos Modern Lovers. Dois acordes – às vezes apenas um – chegavam para desfiar odes à miséria, maravilhosa miséria que motivou este início de vida discográfica com apenas mais dois episódios – que o verbo crescer, com dores pelo meio, conjuga-se por etapas, melhor mesmo ir mudando de caminho quando as curvas apertam e outras metáforas relacionadas com o trânsito a tal obrigam.

Isto acabou tudo em 1991, mas desde 1988, desde “Today” que existe uma referência difícil de ultrapassar no campeonato da pop tristonha à guitarra que vai devagar mas carrega tudo às costas. Daí que o verdadeiro fã dos Galaxie 500 não terá vergonha de chegar a casa hoje, ao fim do dia, e fazer-se acompanhante de romance e copos cheios. Vai correr bem, só pode.
MY BLOODY VALENTES EXEMPLOS
· POR Nuno Leal · 11 Fev 2013 · 15:00 ·


Atenção, escrevo segundo a antiga ortografia e com ela reconheço o óbvio: Kevin Shields não veio do nada, do abstracto. Glenn Branca, Lee Ranaldo, Robin Guthrie deram-lhe pistas e Kevin fez algo muito difícil: encontrou o seu caminho próprio até ao tesouro, à fórmula mágica. Qual Kubrick da música, Kevin Shields e companhia provaram ao mundo que vale a pena esperar, nem que sejam duas décadas, para poder ouvir um digno sucessor de um dos discos mais essenciais da história da música humana e alienígena (aliás dois, Isn’t Anything? também o é).
Agora no abono da verdade podemos sempre perguntar se eles fossem já no 6º, 8º ou até 10º álbum como seria hoje o seu som, no que teriam dado as suas experimentações? O engraçado é que com o interregno e a quantidade absurdamente compreensível de músicos fãs dos MBV, abundam na história musical muitos exemplos quase-quase Shieldescos que alimentaram o bichinho do tal “como seria, se” antes do tão-esperado MBV . Um salto em frente entre duas margens ligadas por uma ponte feita pelo tempo e que estamos sempre a tempo de voltar a atravessar de um lado para o outro, até porque se o fizermos, o caminho vai dar a temas como “In Another Way”, “Wonder 2”, “If I Am” e “Nothing Is”. Vamos aos valentes (aposto que terei esquecido de alguns).

Third Eye Foundation. Sobretudo em Semtex de 1996, o britânico Matt Elliot repensou os MBV como que se o baterista Colm Ó Ciosóig tivesse uma versão Cyber Ó Ciosóig a rebentar todas as costuras do ouvido interno já operado. “Wonder 2” segue daqui.





Seefeel. Sempre se falou que o terceiro MBV seria muito mais electrónico, dançável. Culpa de Loveless acabar com “Soon”. Em 1993 uns ingleses seminais - um deles Mark Van Hoen, senhor de um dos melhores discos de 2012 – abriram a porta de “Soon” e entraram onde ninguém tinha entrado, num espaço muito próprio, onde iluminam com um forte sol dub a sombra dos MBV. Estes nem os próprios MBV apanharam ainda, talvez o quarto disco daqui a 20 anos.





Bowery Electric. 1996, álbum Beat>/i> e eis “Soon” por todos os lados. Lawrence Chandler e Martha Schwendener, dois americanos apaixonados pela química noise-Bilinda Butcher, neste caso Martha, tudo num prisma mais trip-hop. Facto: Chandler que tinha estudado com nomes como Pauline Oliveros ou La Monte Young, chegou a colaborar com Kevin, ao participar com ele e outros grandes como Sonic Boom e Eddie Prévost, nos E.A.R., Experimental Audio Research.



Lovesliescrushing. O fã nº 1, Scott Cortez. Aliado à voz angelical de Melissa Arpin-Duimstra, a química sexual do som dos MBV é amplificada, em territórios ainda mais etéreos e ambientais, desde 1992 até hoje. “Wash layers, wash wash”, Cortez também tem os seus segredos, guardados com ele num estúdio algures no Arizona.





Astrobrite. Scott Cortez outra vez. Aqui mais directo na colagem, desde 94, entre alguns hiatos e os dias de hoje, imperial na forma como o ruído ronca quase industrial e chega à melodia pura. Muito cópia, mas muito boa cópia.





The Ecstasy of St. Theresa. Os MBV chegaram à República Checa ainda mal recomposta do fim da Cortina de Ferro. Nos seus primórdios, em míticos EP’s, arrancavam melodias brutais, respondendo em inglês com sotaque checo à pergunta do primeiro álbum dos MBV.





Lilys ou como os E.U.A. amam os MBV. Depois da British Invasion, houve uma má Irish Invasion nos oitentas com os U2 e uma boa nos noventas com já sabem quem. Por todos os cantos dos States surgiram bandas clones, umas melhores, outras piores. Estes eram das melhores, tendo sido convidados pelos próprios MBV para tocar nas suas primeiras partes nos E.U.A em 2009.



The Swirlies. Idem idem a tudo escrito em cima (excepto a parte dos concertos).



Fennesz. O austríaco tinha que aqui estar. Entre muitos ambientes que nos proporciona, é inegável a queda para o tal “como podia ser, se” os My Bloody Valentine entrassem na electrónica a fundo. Como podia ser se os layers ganhassem vida própria para além das canções.



Emmène moi très très loin
· POR Paulo Cecílio · 06 Fev 2013 · 21:05 ·


Treze canções. Pensem bem nisto: treze escassas canções (omita-se "Introduction", faixa que abre On Trade Winds e que não é exactamente uma canção per se), entre dois EPs e menos de uma mão cheia de singles que, tudo somado, não chegam sequer a uma hora de música. Normalmente, uma banda com um corpus desta dimensão não poderia aspirar sequer a ser uma nota de rodapé na história da música pop, mas os Air France, duo sueco que viveu entre 2006 e 2012, foram especiais. Não só porque ajudam a compreender um pouco melhor aquilo que foram as novas tendências da electrónica nos últimos anos (está aqui tudo aquilo que fez da chillwave a chillwave: sons nostálgicos, imagética coada por um filtro oitentas/noventas, a memória difusa da infância, música para dançar e relaxar em quantidades exactas), mas porque cada qual dessas canções, todas elas mostrando uma produção excepcionalmente rica e um gosto descarado por aquilo que torna a pop um complemento mais do que necessário para que tenhamos uma vida plena de felicidade, entra directamente para a categoria das melhores canções criadas na era da globalização e comunicação; seja o tom higher than life de "June Evenings", a experiência rave da magnífica "Karibien", ou o dub extrovertido de "Afraid You Told Someone About Us". Aos Air France não faltou absolutamente nada para serem considerados um caso sério de genialidade - excepto, talvez, um LP, de entre os sete que eles dizem, na sua nota final, ter deitado fora por não estarem "suficientemente bons". E, vendo bem as coisas, foi esse o seu único erro, o de ter prestado tanta atenção ao detalhe e à pura perfeição pop que foram vítimas dessa mesma ambição criativa. Não mais ouviremos os Air France - nem se uma hipotética reunião de repente surgir: nessa situação não seriam já os Air France que conhecemos e amamos, a banda que em seis anos encheu a pop electrónica de sol, algo que só os Saint Etienne (uma influência chave) haviam conseguido no clássico Foxbase Alpha e em muito do output que se lhe seguiu. Treze canções. Treze, esse número temido. Chamou-se a esta secção Retromania, e é irónico que eu esteja neste momento a abordar uma das bandas, senão A banda, que mais simbolizou esse gosto de transformar o passado, através dos ritmos, dos teclados, dos samples dos Happy Mondays ou de Lisa Stansfield. Podem ter terminado mas continuarão a levar-nos para onde quisermos.

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