DIA 4 |
“É um charro, é um charro”, afirmavam uns. “É um mega charro", replicavam outros. Pela madrugada dentro discutia-se as aventuras de Cerjevai-me no fumício e avistava-se o sol mesmo na noite cerrada. As madrugadas no parque de campismo iam passando depressa, às vezes de mão em mão, e é aí que nascem os verdadeiros mitos: de comício a fumício é um passo. Algures numa tenda, uma placa informava que estávamos perante a “Capela da Nossa Senhora da Ganza” – e os seus moradores pareciam fazer justiça ao nome. A Paredes de Coura, poucos vêm pelo cartaz ou pelas bandas. É o espírito, o local, o ambiente que faz com que o festival seja um sucesso de ano para ano. E independentemente das bandas que constituam o cartaz, a aposta vai para que para o ano o sucesso continue, e de preferência sem chuva.
Old
Jerusalem |
Em
jeito de despedida, o último dia do palco songwriters recebia Old
Jerusalem, ou seja Francisco Silva, responsável por April, o primeiro
registo, editado pela Borland. Francisco Silva continua tímido, acanhado,
e isso faz-se sentir em toda a actuação. O alinhamento foi alternando
entre as canções de April, temas de compilações (“Each One As Lovers”,
editada numa compilação da Acuarela Records) e alguns temas do próximo
disco de originais que, ao que parece, será intitulado “October” – sim,
ao que parece será editado em Outubro mas isso não quer dizer que April tenha sido editado em Abril. Francisco Silva apresentou inclusive uma
nova canção que diz ter escrito há apenas uma semana, e com bastante sucesso.
Perante alguma insegurança, foi com naturalidade que o público começou
a ter atitudes menos dignas: em volume elevado, alguém pedia que Francisco
Silva o deixasse tocar com ele em palco. O que parece é que os “cantautores”
foram algo prejudicados pelo facto de os concertos não terem acontecido
no palco secundário – o teor das suas canções pedia mais intimidade, mais
recolhimento mas, infelizmente, a chuva não o permitiu. Mesmo assim, as
melodias outonais de Old Jerusalem encheram Paredes de Coura de nostalgia
e desassossego. |
Dealema |
De
seguida, os Dealema que, a ver pela entrada em palco, trouxeram a Paredes
de Coura uma legião de fãs e seguidores considerável. Maze, Fuse, Mundo,
X Pião e DJ Guze começaram com uma pequena introdução e seguiram depois
com Fado Vadio. Os b-boys animaram o espectáculo com algumas sessões
de breakdance naquilo que constituiu uma verdadeira manifestação
de hip-hop. Marta Ren, a vocalista dos Sloppy Joe, subiu a palco para
dar voz aos temas “Talento Clandestino”, o primeiro single do
álbum de estreia dos Dealema, e “Doa a Quem Doer”, a faixa zero do mesmo
álbum. “Delema (Alta Tensão)” e “Tributo” foram alguns dos momentos altos
da noite, assim como “Rota de Coalizão”, que contou com os amigos Mind Da Gap
nas vozes. Ao contrário daquilo que seria de esperar, os Dealema voltaram
para um encore muito pedido. “Ultimato” fechou mais um grande concerto
– quem sabe um dos melhores de sempre dos Dealema – que, nas palavras
do próprio grupo, foi o primeiro a reunir a malta toda. |
Mike
Patton |
Mike
Patton é alvo de uma legião de fãs que, embora aparentemente escondida,
marca presença sempre que o líder de mil e um projectos coloca um pé no
nosso país. Rahzel, o MC conhecido essencialmente pelo seu trabalho nos
The Roots, esteve para estar presente com a sua banda, mas acabou por
comparecer em Paredes de Coura noutro formato. Juntos, ofereceram em Paredes
de Coura um dos concertos mais peculiares de 2004. Mike Patton escondia-se
por trás de alguma parafernália electrónica enquanto Rahzel segurava apenas
um microfone. Enquanto Rahzel mostrava os seus dotes no beatboxing,
Patton ia mostrando os seus dotes de MC. O resultado foi tão surpreendente
quanto positivo. Talvez embalado pelo concerto dos Dealema, o público
mostrou-se agradado com o espectáculo. Patton, iniciando um jogo de palavras
com a plateia, conseguiu por quase toda a plateia a ladrar, a miar e a
reproduzir outras fórmulas impronunciáveis. O baixo era forte, ouviam-se
vozes e pianos samplados. A meio, ouve-se um pouco do relato do
jogo entre o Porto e o Benfica que estava a decorrer ao mesmo tempo. A
imprevisibilidade foi o prato forte do concerto: “Seven Nation Army” dos
White Stripes numa versão vocal, Wu-Tang Clan, os parabéns a Kelis, a
aniversariante da noite, numa versão hip-hop, scratching vocal
e muito mais. Para o concerto seguinte, o dos Da Weasel, a maior assistência de todo o festival. O culto que rodeia o grupo trouxe até ao anfiteatro natural de Paredes de Coura milhares de fãs ou adeptos da causa, que cantavam em voz alta os refrões dos singles chorudos dos Da Weasel. Os autores do mais recente Re-Definições evocaram ainda Justin Timberlake e NERD num alinhamento feito a pensar nos fãs. Se é verdade que o concerto dos Da Weasel foi bastante baseado no último disco de originais - "GTA", "Loja (Canção do Carocho)", "Força (Uma Página de História) e o muito rodado single "Re-Tratamento" foram alguns dos casos - também não é menos verdade que clássicos como "Todagente", "Tás Na Boa", "Duia", "Outro Nível", "Essência" e "God Bless Johny" - o tema que fechou o concerto, já no encore - não escaparam no alinhamento. |
Kelis |
Pouco
depois de os Da Weasel saírem do palco, já o DJ da banda de Kelis começava
uma mini-festa para não deixar arrefecer o público. Algumas batidas depois,
Kelis e toda a sua banda entravam em palco. De sapatilha cor-de-rosa e
meia amarela, e com um penteado ainda mais afro do que o habitual,
Kelis quis tornar o concerto de Paredes de Coura na sua mega festa de
aniversário. Falou do Harlem e do hábito dos seus habitantes de fazer
sexo em público e, depois de se aperceber que no público alguém segurava
um cartaz que dizia “Sex Please”, apresentou uma canção mais antiga, bem
mais serena e moody que outras do mesmo alinhamento. A banda que
acompanha Kelis é uma máquina perfeita de fazer música: o guitarrista,
excêntrico, é uma locomotiva groove; o baixista, o baterista e
a menina das segundas vozes são complementos essenciais à voz de Kelis.
Como não podia deixar de ser, “Trick Me” e “Mikshake” apareceram para
alegria do povo. Mas, quando nada o fazia prever, Kelis abandonou o palco
para não mais aparecer, após menos de uma hora de concerto. Ao que se
sabe – apesar de ser absolutamente necessária a confirmação do comité
do Guinness World Records – esta terá sito a mais curta festa de aniversário
de sempre. Mas Paredes de Coura ainda não havia acabado. Para a última noite de after hours - houve até quem ousasse chamar-lhe aftershave - estava ainda reservada a sempre desejada actuação de João Vieira, mais conhecido por DJ Kitten. A área reservada ao palco 2 enchia-se de pessoas desejosas de acção e João Vieira sabe como resolver isso. Dos mais recentes êxitos do novo rock até alguns clássicos do rock e do punk de outros tempos, tudo serve para prolongar a festa por mais algumas horas. Consta que a festa durou até de manhã e que só não continuou porque não lhe foi permitido. Mas não se pense que a actuação de DJ Kitten tenha encerrado o festival Paredes de Coura, porque este vai continuar presente na mente – e nas pulseiras – de todos os que lá estiveram – Paredes de Coura é mesmo assim. Pelo menos até ao próximo ano. E sempre com uma certeza: nenhuma tenda é impermeável. |
andregomes@bodyspace.net
DIA 4 |