Festival Paredes de Coura 2004
Paredes de Coura
17-/20 Ago 2004
DIA 3 |
19/08
Mark
Eitzel |
É
preciso admitir coragem a quem corre para uma guitarra sempre que alguma
coisa de importante acontece. É mais do que necessário realçar o mérito
a quem chora por dentro ao contar histórias a quem desconhece os factos.
Urge, com toda a força do mundo, engrandecer a humildade de quem sente
a mais pequena coisa e a partilha como se de um acontecimento se tratasse.
Há que aplaudir Mark Eitzel, o responsável pelo palco songwriters ao terceiro dia de festival. Durante todo o concerto mostrou-se muito
bem disposto e determinado a contar alguns pormenores por detrás das histórias
que formam as suas músicas. O público, mesmo aquele que nunca tinha ouvido
falar em Eitzel, sorriu com as suas histórias, sentiu o peso das suas
canções. Mark Eitzel faz crer que não há nada mais para além de uma guitarra
e uma voz. Soltou um sonoro e seguro “Fuck you too a quem tentou
ser engraçadinho e contou com o apoio do público, que se desfez em gargalhadas.
Se ao início o palco principal pareceu demasiado grande para Mark Eitzel,
a sua voz e a sua guitarra, a meio do concerto parecia que o mundo não
podia nunca abraçá-lo. As suas canções falam de desencontros (amorosos
ou não), despedidas, amores perdidos. As suas canções caminham num limbo
entre a felicidade e o descontentamento. Mark Eitzel confessou passar
muito tempo em bares e até apresentou uma canção de teor político contra
as medidas do governo americano; arrancou meia dúzia de sorrisos e uma
salva de palmas e prosseguiu com a canção. Em “Nightwatchman”, Eitzel
conta-nos: “Is the same lie you gave me before / I don't care anything
you say is just fine / I'll just sit and watch the traffic passing by
outside / The will in the world it's the prevailing tide / You're supposed
to watch the night as it passes by / You're never supposed to need anyone
/ 'cause once i knew the secret to happiness / I knew it was oh but now
it's gone ”. Num momento hilariante, de guitarra erguida acima da
cabeça, dedica uma das canções a alguém da plateia. O alinhamento, esse,
andou bastante à volta do repertório dos American Music Club, a banda
liderada por Mark Eitzel e que agora, ao que parece, vai voltar à carga.
Esperemos que sim. E de preferência com concerto de promoção em Portugal. |
Wraygunn |
Depois
de os Bunnyranch e os Mão Morta terem mostrado que as bandas portuguesas
estão em peso em Paredes de Coura, os Wraygunn tinham trabalho redobrado.
No palco, alguém bate com um machado num troco acompanhado pela percussão.
Paulo Furtado entra em palco e a partir daí nada é igual. Distribui riffs a torto e a direito, sem olhar aos seus receptores. Salta, ajoelha-se
no chão em grandes solos. O concerto começou com “No More My Lord” e seguiu
com “Drunk or Stoned”, a segunda faixa de Eclesiastes 1:11, que
conta com os “uivos” de Raquel Ralha (uma das vozes dos Belle Chase Hotel).
O coro gospel marca presença em algumas das faixas e confere à
música dos Wraygunn uma maior presença e diversidade. É notória a evolução
de Soul Jam para este último Eclesiastes 1:11. “Keep on
Praying” - reforçada por teclados muito cool e palmas - e “Going
Home” antecedem “Lonely”, a faixa que Paulo Furtado dedicou àqueles que
ainda não tiveram a oportunidade de acasalar durante o festival. Perguntou
primeiro quem estava no festival desde domingo e depois perguntou quem
ainda não tinha acasalado e chegou à conclusão que eram cinco. Furtado
dispara frases certeiras embora não pareçam fazer grande sentido. Fala
do dia e da noite e reafirma “Até porque a vida é mesmo assim”.
Diz-se contente ao imaginar toda a gente nua por detrás da roupa e o publico
agradece. “How Long, How Long?”, uma das faixas mais fortes do último
disco dos Wraygunn, ao vivo ganha uma força especial com os riffs matreiros de Paulo Furtado. Para as duas últimas canções, Furtado anuncia
os temas “Sumo” e “Toda a noite”, respectivamente “Juice” e “All Night
Long”. Ao aproximar-se o fim do concerto, Paulo Furtado salta do palco
e enfia-se no imenso lamaçal que a chuva se encarregou de transformar.
Volta ao palco “vestido” de lama da cabeça aos pés e despede-se do público
que permanecia ainda atordoado com tudo aquilo a que tinha acabado de
assistir - um final rock n’ roll como deve de ser. Provavelmente,
todos aqueles que assistiram ao concerto dos Wraygunn vão pensar duas
vezes antes de perder mais algum concerto da banda de Paulo Furtado. Mark Lanegan havia estado em Paredes de Coura aquando da passagem dos Queens of The Stone Age, e por isso o cenário natural não lhe era estranho. Agora, acompanhado da sua banda, a Mark Lanegan Band, traz Bubblegum, o novo disco de originais do ex-Screaming Trees, e mais uma mão cheia de registos a solo. Alto, de gorro na cabeça, Lanegan entrou em palco e ofereceu um concerto que teve alguns bons momentos. Sempre discreto e pouco falador, Mark Lanegan apresentou uma colecção de canções devedoras ao blues e ao rock. Em termos de sonoridade, a Mark Lanegan Band apresenta guitarras sombrias, atmosferas encobertas que confluem em perfeição com o tom de voz rouco e cavernoso do seu líder. Apesar do seu trabalho não ter muita projecção em Portugal, Mark Lanegan sentiu o apoio de alguns fãs que pediam, em alta voz, músicas favoritas. |
The
Kills |
O
concerto dos The Kills começou com alguns problemas técnicos. Durante
uns minutos, os técnicos tentaram reparar uma caixa de ritmos que nasceu
amaldiçoada. Por duas vezes os The Kills tentaram começar o concerto e
por duas vezes foram obrigados a parar, por problemas técnicos. À terceira
foi de vez e arrancaram com "Cat Claw", um tema incluído no primeiro álbum
de originais Keep on Your Mean Side. Aos White Stripes, banda a
que muitas das vezes são comparados, só devem a formação. O som da dupla
VV a.k.a. Alison Mosshart / Hotel a.k.a. Jamie Hince é agressivo, confrontador
e rude. As guitarras são ásperas e fortes, a voz de Alison Mosshart é
muitas vezes similar à de PJ Harvey. Os singles funcionam relativamente
bem mas ao vivo fica a sensação de que se está a ouvir mais do mesmo e,
em alguns casos, as coisas tornam-se verdadeiramente fastidiosas. Os The
Kills são um daqueles casos em que seria necessário um Best Of para que se conseguisse reunir um conjunto de canções realmente excitantes,
e isso provavelmente nunca vai acontecer. A fechar a actuação, “Drop Out
Boogie”, um original de Captain Beefheart, serviu de passagem de testemunho
para a próxima actuação. |
Black
Rebel Motorcycle Club |
A
actuação dos norte-americanos Black Rebel Motorcycle Club seria talvez
a mais esperada e ansiada de todas. Depois do álbum de estreia marcaram
presença no Festival Sudoeste, e agora apresentavam-se em Paredes de Coura
com álbum novo, Take Them On, On Your Own. O trio composto por
Peter Hayes, Robert Turner e Nick Jago reúne já um considerável número
de fãs em Portugal e isso foi confirmado durante a actuação. Os Black
Rebel Motorcycle Club são outro daqueles casos óbvios de uma banda que
vive essencialmente da força dos singles. Enquanto Black Rebel
Motorcycle Club, o álbum de estreia reunia um conjunto de boas canções,
o seu sucessor não obteve esse mesmo sucesso. Ao vivo, pela força da actuação,
todas as canções ganham um equilíbrio e balanço que faz esquecer essa
diferença entre os dois registos e os singles ganham especial relevo.
“Love Burns”, “Whatever Happened To My Rock And Roll (Punk Song)” e “Spread
Your Love” foram alguns dos momentos mais fortes de um concerto que foi
feito essencialmente com temas do último disco, como “Stop” e a enérgica
“Six Barrel Shotgun – logo a abrir -, “In Like The Rose”, “Há Há High
Babe”, “Shade of Blue”, “US Government” e “Heart and Soul” que, aliás,
fechou o concerto. A alma dos BRMC é o baixo que conduz a maior parte
das canções, mas o trabalho na guitarra e na bateria não são inferiores.
A energia é facilmente visível e também o são as semelhanças com os Jesus
& Mary Chain – talvez o maior mérito dos BRMC seja o de tornar mais acessível,
para alguns ouvidos mais preguiçosos, o tipo de sonoridades produzidas
pelos Jesus & Mary Chain. Tivesse o alinhamento contado com mais alguns
temas do primeiro registo e estaríamos aqui a falar de um grande sucesso.
Mesmo assim, os Black Rebel Motorcycle Club foram responsáveis por uma
das melhores actuações da noite. Logo a seguir à dos Wraygunn. |
· 17 Ago 2004 · 08:00 ·
André Gomesandregomes@bodyspace.net
DIA 3 |
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