DIA 2 |
18/08
E finalmente o sol. Ou o quase sol. Ou a não chuva, porque isto de optimismo exagerado não costuma ter bons resultados. Depois de alguns dias de teimosia, a chuva abriu espaço para algum bom tempo. Mesmo assim o Jazz na relva continuava a acontecer no Centro Cultural da vila que de ano para ano mostra estar mais desenvolvida e animada. Enquanto se esperava pelo concerto no palco Jazz, uma flauta e um batuque recreavam, perto de umas escadarias, a música de Michael Knight (a personagem do canastrão David Hasselhoff) numa versão ska. Numa visão mais optimista, pensava-se em Van Morrison e no seu colorido Astral Weeks. Ainda na espera pelo concerto, montava-se uma espécie de atelier construído com alguns bidões azuis que serviria durante toda a semana para um workshop de percussão. Uma vez chegados à sala, na falta do rio havia paredes, na falta de relva havia um enorme tapete verde que cobria quase todo o espaço. Pouco depois das cinco horas da tarde, o Bernardo Sassetti Trio entrava em palco. Bernardo Sassetti no piano acompanhado de Carlos Barreto no contrabaixo e Alexandre Frazão na bateria. Muitos olhares curiosos, ansiosos pelo início do espectáculo – o público do Jazz na relva vai-se repetindo aqui e ali. O trio, em palco, é assombroso. O piano de Sassetti evoca a aurora boreal em toda a sua beleza ou uma manhã trágica e teatral de orvalho. O contrabaixo, com ou sem arco, é uma força da natureza. O trabalho de bateria de Alexandre Frazão é espantoso. Dedicaram uma canção a Carlos Paredes, recriaram Miles Davis e um ou outro standard e debruçaram-se em temas mais ou menos uptempo. “Quando volta o encanto” foi um dos momentos mais altos da actuação: silencioso, belo, e nocturno.
Josh
Rouse |
De
volta ao recinto, um concerto que reunia bastantes expectativas. Josh
Rouse, acompanhado por um teclista/guitarrista trazia o colorido e açucarado 1972. Apesar de despidas, as canções que Josh Rouse apresentou
foram sempre capazes de distribuir sorrisos pela plateia. ”1972”, “Sunshine
(Come On Lady)”, “Come Back (Light Therapy)” e “Love Vibration” foram
disparadas logo ao início em versões simples, desprovidas de grandes ornamentos soul escutáveis no disco. A mui cantarolável “Love Vibration”
solta palavras de esperança: “Now everbody's scared / Scared of being
lonely and abandoned / Find someone who cares / Find someone to love and
understand you”. “Under Cold Blue Stars”, editado em 2002, foi passagem
obrigatória em temas como “Miracle” e “Under Cold Blue Stars”. Houve também
passagens por Home, por “Directions” - o tema que surge na banda
sonora de Vanilla Sky -, e ainda por versões para canções de Tom Waits
e Neil Young. Josh Rouse é o capitão dos refrões chorudos e a plateia
mostrava-o bem ao cantá-los alegremente. Espera-se ver repetida a actuação
e de preferência com full band, até porque Josh Rouse tem disco
novo, Nashville, que vai estar disponível na Primavera de 2005. |
Mão
Morta |
Os
Mão Morta, ao que se sabe, tinham demonstrado o seu desagrado por continuarem
a ser tratados como uma banda de garagem, por isso apresentaram-se vestidos
de forma peculiar – cabeleiras, identidades sexuais trocadas, vestidos
– e acima de tudo com três guitarras, o que confere à música dos Mão Morta
uma dimensão quase absurda. Apresentaram-se como as “bonecas de Braga”
e por isso voltaram às raízes – começaram com “Sobe Querida, Desce”. Ao
contrário daquilo que costuma acontecer nos últimos concertos – chegaram
a apresentar Nus do início ao fim – do último disco de originais,
apresentaram apenas “Gnoma” - que na falta de Miguel Guedes, o vocalista
dos Blind Zero, contou com três vozes da banda - e “Vertigem”. O alinhamento
foi sendo feito com canções dos primeiros discos e direccionou-se claramente
aos fãs da banda: “Lisboa”, “Budapeste”, “Barcelona”, “Vamos Fugir”, “E
Se Depois” e o clássico “Em Directo (Para a Teelvisão)" com o refrão a
ser entoado por muitos: “É guerra sem quartel / De empresas rivais
/ Na busca do controlo / De mercados locais / Ou então... ou então...
/ Encena-se um directo / Para a teelvisão”. “Cão da Morte” fechou
um concerto enormíssimo, provavelmente um dos melhores dos últimos anos
dos Mão Morta – se tivessem tocado entre os Mondo Generator e os Motorhead
não seria surpresa para ninguém. Desconhecidos para muitos – alguns ficavam surpresos ao saber a data de início de actividades – os DKT/MC5, banda lendária de Detroit, subiram ao palco com apenas três dos membros originais. Michael Davis (baixo), Wayne Kramer (guitarra) e Dennis Thompson (bateria). Para ajudar nas vozes e algo mais, subiram também ao palco Mark Arm (Mudhoney,) Nicke Royale (The Hellacopters), Lisa Kekaula (The Bellrays) e, numa das músicas, Lemmy Kilminster. Tudo o que se pedia eram descargas rock – aquelas que influenciam uma grande parte deste novo fenómeno do novo rock de que tanto se fala. Solos ao alto, as guitarras estão no meio de nós – e degladiam-se em despiques. Canções como “Ramblin’ Rose”, “Sister Anne”, “Motor City’s Burning”, “I Can Only Give You Everything” e “Human Being Lawnmower” são ainda inflamadas visões do rock n’ roll, adornadas pela soul ou pelos blues. Lisa Kekaula transformou-se na face mais visível dessa soul devedora aos Deuses. Segurava uma pandeireta e libertava sonoros gritos que chocavam com os riffs que iam saindo cada vez mais fortes e intrincados. É o preço do rock n’ roll e alguém tem de o pagar. Alguém no palco ordenou a plateia em três partes diferentes e sequenciou-as para manifestações distintas – cada um tinha uma frase diferente e o efeito foi deveras interessante. Uma vez posta em marcha, a manobra criava uma espécie de refrão vocal, de belo efeito. Pouco depois, o clássico, manobra rock de teor inflamável – Jeff Buckley que o diga, pois apresentou-a em vários concertos. A verdade é que os MC5 conquistaram finalmente Portugal – ainda se falava sobre o concerto um ou dois dias após de ter acontecido. Pena que tenha sido tantos anos após o primeiro disco. |
Mondo
Generator |
A
edição de 2003 do Festival Paredes de Coura trouxe os Queens of The Stone
Age naquele que foi um dos melhores concertos do respectivo ano. Desta
vez, a representação seria feita pelos Mondo Generator, o projecto de
Nick Oliveri. Esta mudança pode parecer uma regressão e não podiam estar
mais perto da verdade. Se A Drug Problem That Never Existed, o
último disco de originais dos Mondo Generator, já não tinha especiais
pontos de interesse, ao vivo a banda de Nick Oliveri torna-se ainda menos
apelativa. Algo corre mal quando o melhor momento do concerto foi “I’m
Gonna Leave You”, um tema original dos Queens Of The Stone Age. Algumas
canções assemelham-se de tal forma aos Queens of The Stone Age que recuperam
os riffs sirene de ambulância dos autores de Rated R. Ao
mesmo tempo, a quantidade de panamás da Optimus fazia com que a plateia
parecesse um laranjal. Indiferentes a isso, os Mondo Generator prosseguiram
com algumas músicas novas e com alguns temas de A Drug Problem That
Never Existed como “Four Corners”, “So High, So Low” e “Here We Come”.
“13th Floor”, do primeiro disco, Cocain Rodeo, fechou um concerto
morno e pouco inspirado. |
Motorhead |
Quem
durante todo o dia percorreu a vila de Paredes de Coura, o recinto e o
parque de campismo, sabia que a quantidade de camisolas pretas e brancas
com o símbolo dos Motorhead queria dizer apenas uma coisa: o dia seria
de incondicional devoção à banda de Lemmy Kilminster. Era certo e sabido
que nem com toda a chuva deste mundo algum fã dos Motorhead abandonaria
o recinto antes de Lemmy abandonar o palco pela última vez. Depois de
entrarem em palco, não houve descanso durante muito tempo. O mosh pit alargou-se e era o local onde todos queriam estar. “Metropolis”, “Brazil”
e uma versão de “God Save The Queen”, um original dos Sex Pistols, foram
alguns dos mais altos momentos de uma actuação que fez esquecer chuva,
a lama, e tudo mais. Lemmy, o carismático vocalista e baixista, conduziu
os Motorhead pelo meio de erupções, ataques de fúria, raiva em quantidades
suficientes e ainda houve tempo para um solo de bateria daquele que foi
apresentado como o melhor baterista do mundo. Desde o início do concerto
– talvez do dia – que uma canção pairava nas mentes de todos os fãs dos
Motorhead. Essa canção é “Ace Of Spades” que já no encore transformou
o anfiteatro natural de Paredes de Coura em zona de guerra, espaço privilegiado
para o mosh. O resto da história pertence só a quem lá esteve –
e não é de bom tom partilhar aquilo que muita gente vai guardar para o
resto de uma vida. Para o after hours estava reservada a actuação dos estupidamente excitantes LCD Soundsystem, o projecto de James Murphy. Ao contrário daquilo que se podia pensar, o concerto decorreu em forma de full band e não em DJ set, como tudo fazia prever. Agastado pela chuva que tinha atingido Paredes de Coura, o público limitava-se a algumas escassas centenas que se recusavam a ir para as tendas sem mais um pouco de diversão. O público permanecia algo enlameado mas colorido pelas canetas florescentes que a Optimus entretanto tinha distribuindo. E é exactamente de diversão que se tratam os LCD Soundsystem. Por enquanto ainda editaram apenas alguns singles, mas o burburinho já se sente ao longe. Quando apresentaram "Give It Up" já as coisas iam quentes. A mistura de funk e rock com batidas fortes tinha já incendiado o dance floor. Os temas são longos e estimulantes - alguns prolongam-se mesmo para lá dos dez minutos. James Murphy, o front man, com algum humor, anuncia as últimas músicas dizendo que, na verdade, não tem mais disponíveis. Os LCD apresentaram ainda uma cover e terminaram com a excêntrica e excitante “Yeah”. Se não fosse pela chuva e pelo horário do concerto, provavelmente estaríamos a falar aqui de um happening. |
andregomes@bodyspace.net
DIA 2 |