DIA 4 |
10/08
Badly
Drawn Boy “Eu
gosto de dar concertos para amigos”
Identificação
ao peito. Bebe-se um pouco, pega-se na guitarra. Começa-se
a tocar, pára-se: “What fucking sound”.
Com o volume mais alto, começa-se a tocar de
novo. Pára-se, coça-se o nariz. Damon
Gough protagonizou no início de noite/final
de tarde de domingo o concerto mais original de todo
o Sudoeste. Quase sempre sozinho (à excepção
de quando vinha alguém, de surpresa, ao piano
ou quando quem o acompanha em digressão veio
dançar para o palco) Badly Drawn Boy desfilou
pelo palco temas dos três álbuns até
agora editados, ao mesmo tempo que revisitou lados-B
e adiantou alguns avanços para o novo disco.
As versões eram, naturalmente, despojadas do
seu lado mais rítmico, e algumas delas chegavam
a ser mesmo de difícil reconhecimento por parte
de quem conhecia os originais. Não obstante
isso, foram sempre certeiras , mesmo que arriscadas,
e mostraram que mesmo em versão solitária
Badly Drawn Boy é capaz de fazer muita coisa.
O recinto começou quase vazio, mas à
medida que as músicas foram avançando
a plateia foi-se compondo e os sorrisos de admiração
foram mais que muitos. Primando sempre por um estilo
invulgar, quase apalhaçado, Badly Drawn Boy
soube sempre como cativar o público mesmo quando
parecia não o querer fazer. TG
Moloko
O passado era mais risonho...
Os Moloko assinaram uma actuação inconstante,
em que os momentos altos se sucediam a momentos mais
monótonos. “Sing it Back” foi um grande momento, numa
autêntica jam session de longa duração, carregada
de criatividade e percorrendo caminhos do jazz, soul,
funk e música de dança, tudo numa música só. Mas houve
momentos em que tivemos saudades de algum do dramatismo
que Roisin Murphy tão bem sabe empregar à sua voz.
Faltaram as orquestrações mais elaboradas, mas no
cômputo geral souberam adaptar a sua música a um festival
e apelar a uns passos de dança. É isso que se quer
num festival…Certo? MM
Stereophonics
Embaixadores de Sua Baixeza, o pop-rock galês
Fracos simulacros dos Manic
Street Preachers, a superar os índices de irritabilidade
dos Oasis e, ainda assim, francos-atiradores nas tabelas
de vendas e no airplay das rádios, os Stereophonics
bafejaram os presentes com uma excelsa declamação
de rock desnutrido. Se os grandes êxitos radiofónicos
foram bem recebidos, a incursão por ‘Ace
of Spades’ dos Mötorhead colocou-os alguns
furos abaixo daquilo que poderia ter sido uma actuação
inofensiva para passar a sofrível. Também
poderá ser ingrata a tarefa de suceder a Badly
Drawn Boy e aos Moloko e antecipar as actuações
de Beth Gibbons & Rustin Man e Beck. Contudo,
a prestação, tal qual a conhecemos,
não deixaria de ser desinteressante num outro
contexto, festivaleiro ou não. A insidiosa
tentativa de penetração no indie rock
de feira torna ainda mais caricatural o embuste. Mais
tarde, a noite prosseguiu lauta em revelações
e confirmações e os Stereophonics foram
esquecidos. Talvez tenham aprendido qualquer coisa
com os nomes que se lhes seguiram. Se tiver sido esse
o caso, bem hajam e voltem sempre. HG
Beth
Gibbons & Rustin Man Cápsula
intemporal em gestação
Entender
Beth Gibbons é ousar tocar a berma da vida,
decalcar a biografia de um qualquer ser e reproduzi-la
em parcos minutos. É tentar compreender que
a existência não passa do refrão
de uma música que bate fundo na alma. Olhar
o luar sobre o Sudoeste e contar as estrelas que vieram
assistir à prestação da mais
brilhante. “Out of Season”, o primeiro
capítulo de um compêndio a solo que se
pretende infinito, é um disco intemporal, abstémio
em matéria de elaboradas técnicas de
estúdio e uma das mais bonitas composições
fora de época, algo vintage, porque se eternizou
na máquina do tempo. Cheiram já a Outono
as recordações mais persistentes daquela
subida ao palco no Verão de 2003. Um set que
desembainhou os temas do disco com uma pequena inflexão
passada, a trazer de volta as memórias da actuação
cinco anos antes à frente dos Portishead. Ali
mesmo, entre a estrada e o mar. ‘Mysteries’
soou primeiro e mais denso. Depois, foi assistir a
um trabalho de performance que tanto tem de desajeitado
como de encantador. E sentir o calor que desencarcerou
do seu corpo ao descer para cumprimentar a sua assistência,
extasiada e aturdida. É destas notas e destas
palavras que se arquitectam os mais consistentes casulos,
os mais desafogados sopros do coração.
Fica a saudade na partida. HG
Beck Quando o pó rima com festim rock-qualquer-coisa
Derradeiro momento de um festival
onde predominou o profissionalismo mas raramente a
novidade, o concerto de Beck constituía, antes de
acontecer, para muitos - menos do que nas outras noites
mas maioritariamente fiéis – uma espécie de esperança
na surpresa.
A noite já ia longa quando Beck e seus companheiros
de estrada, vestidos de negro, invadiam o palco. «Novacane»,
« New Pollution» e «Mixed Bizness» davam início ao momento, de forma explosiva. O clima era de
festa. Sea Change parecia ter sido arrumado
pelo Artista a um canto para ocasiões mais intimistas,
mas eis que este se revela. Depois de um «Paper Tiger»
mais eléctrico do que em álbum, temas como «The Golden
Age», «Lonesome Tears» e «Lost Cause» vieram acalmar
as hostes. Naquele contexto, ficaram-se a milhas da
intensidade atingida em disco. O desfalecimento de
um público sedento por dança, mesmo que cansado, provava-o.
Contavam-se pelos dedos os que queriam folk introspectivo a horas tão tardias. «Loser», em versão
encurtada e tocado em slide , voltou a levantar
pó na Zambujeira. A electricidade e o fervor haviam
regressado àqueles espaço e momento tornados
ilimitados. Beck ameaçara causar estragos, ao afirmar
que o Verão habitualmente o incentivava à realização
de estúpidas experiências. Um brilhante meddley de temas de gente como Beyoncé, Justin Timberlake,
Nelly, TATU ou Queen fez corar cada um dos presentes.
A festa tinha regressado à Zambujeira e com ela o
pó.
Eis que Badly Drawn Boy é chamado a palco. Com o Artista interpreta um dos temas dos primórdios da carreira
de Beck - «Puttin’ It Down» - à guitarra acústica,
pois claro. A partir daqui não há sinal de paragem
até ao final do festim. «Where It’s At», «Hotwax»
e «Beercan» enchem-nos a alma de pó. Já em encore,
e de fatos branco-florescentes, Beck e a banda – profissional
mas inferior à que passou pelo mesmo palco há três
anos - atacam um derradeiro «Devil’s Haircut». Os
festivaleiros estão rendidos, com o diabo no corpo
e na mente. Mesmo não ultrapassando a surpresa e diversidade
de há três anos, este foi, seguramente, um dos melhores
concertos do festival. E porquê? Porque Beck não consegue
ser mau naquilo que faz. Tem a lição de performance,
qualidade e eclectismo musical bem estudada. Quem
é que disse mesmo que ele era um perdedor? TC
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