Greil Marcus
1997
Picador
Greil Marcus
1997
Picador
“(…)folk music is the only music where it isn’t simple.
It’s never been simple.
It’s weird, man, full of legend, myth bible and ghosts.
I’ve never written anything hard to understand, not in my head anyway,
and nothing as far out as some of the old songs.
They where out of sight.”
Bob Dylan - 1965
Em Agosto do ano passado a revista Wire fazia do - assim
apelidado –“movimento” free folk tema de capa. Conscientemente ou não,
David Keenan, em artigo de fundo centrado na emergente e dissoluta movimentação
de diversos colectivos musicais na América mais profunda, conjugava a promessa
de novo hype de fim de estação. Ao leitor era endereçado o convite
para viagem a uma New Weird America, reflexo de um movimento musical
a florescer nos cenários campestres perdidos de uma nação invisível a descobrir.
Uma alternativa ao revivalismo germinante na urbe; um pouco de tudo: “do
acústico ao drone, rituais xamãnticos, krautrock, jazz, rock psicadélico,
blues, soul, country funk, …” encetado por um pouco de todo o tipo de
almas perdidas: visionários, eremitas, jovens artistas marginalizados, categorizações
que tão facilmente (ou forçosamente) eram identificáveis na foto dos Sunburned
Hand of the Man que ocupava a capa da revista britânica. O júbilo da comunidade
melómana de catalogadores inveterados (quem já se esqueceu do advento do post
rock?) não era adivinha complicada.
Não descurando o facto de estarmos na presença de um meritório e apaixonado
trabalho de investigação (como é apanágio do escriba em causa, diga-se), revela-se
uma tarefa complicada tentar discernir entre a conceitualização desta “nova
América” e a destrinçada no livro The Weird Old, America, alguns anos
antes. Tendo presente o livro de Greil Marcus, Keenan falha na explicação
do porquê do novo, sem nunca conseguir abstrair-se do trabalho anterior;
isto quanto fala de uma comunidade que se exprime numa América secreta e escondida
(Smithville, com Greil Marcus) ou quando referencia um conjunto de individuos
que entendem a sua música como “um potencial catalizador para a mudança
social” (“I’m glad to say that my dreams came true. I saw America changed
through music.”, nas palavras de Harry Smith).
Se em Lipstick Traces Greil Marcus, o escritor, historiador, editor
da Interview e da Artforum, antigo conviva e editor dos textos de Lester Bangs,
autor do
Real Life Top 10 (o mais viciante blog-que-não-é-blog), embarcava
numa história secreta do século vinte, traçando relações entre o punk, as
Internacionais Situacionista e Letrista, levantamentos da Comuna ou a Irmandade
do Livre-Espírito, em Weird Old, America Greil Marcus dedica-se às
relações espectrais entre a Anthology of American Folk Music, organizada
em 1952 por Harry Smith, e as gravações secretas (mais de 100 registos) de
Bob Dylan conjuntamente com a Band ocorridas mais de uma década depois.
A antologia, no seu compêndio de gravações obscuras e perdidas das primeiras
duas décadas do século vinte, deu a conhecer uma nação dentro de uma nação,
uma república invisível e secreta, que décadas após as gravações terem
sido efectuadas serviu de apelo a jovens como Mike Seeger na busca do paradeiro
de Dock Boggs, aquele tocador de banjo registado por Smith, que parecia ter
assinado um pacto com a morte. A procura de um imaginário, de algo escondido
e secreto, a viagem pelo contínuo recriar de um passado americano, que apesar
de ser passado era algo de novo e a cada audição daquelas gravações sempre
e cada vez mais presente. O folk revival.
As gravações de Dylan e a Band, apelidadas pelo autor como Deserter’s Songs
(sim, é mesmo daí que vem o título do álbum dos Mercury Rev), representavam
algo de tão secreto e misterioso como a nação encerrada na antologia de Harry
Smith (Smithville). Aquela cave foi como que um laboratório onde o
tempo se dissolvia, onde o futuro estava permanentemente ligado a um passado
contínuo, que não se manifestava na forma de influência, mas sim de matéria
de recriação. A cada momento, Dylan, Richard Manuel, Levon Helm, Rick Danko
e Robbie Robertson trabalhavam o passado como o presente, como o instante,
recriando-o e transformando o passado na primeira da nova música.
Seja na voz monocórdica e no dilacerante banjo de Dock Boggs em “Country Blues”,
na audição da Anthology of American Folk Music, das Basement Tapes
ou da balada folk-proto-punk de “I Wish I Was a Mole in the Ground”
gravada por Bascom Lamar Lunsford em 1921, a noção de tempo já não existe.
O passado está presente na medida de um futuro completamente em aberto. Um
constante jogo de criação e recriação de uma nação inacabada e por explorar.
E é assim que também acontece na leitura de Weird Old, America.