DISCOS
Clipse
Hell Hath No Fury
· 22 Jan 2007 · 08:00 ·
Clipse
Hell Hath No Fury
2006
Re-Up Gang / Star Trak / Sony BMG


Sítios oficiais:
- Clipse
- Sony BMG
Clipse
Hell Hath No Fury
2006
Re-Up Gang / Star Trak / Sony BMG


Sítios oficiais:
- Clipse
- Sony BMG
Dois irmãos que vendem droga. Ou dizem fazê-lo. Juntaram-se a uma estrela pop acabada e deram-nos o melhor disco de hip-hop de 2006. A venda de cocaína e todo o submundo do crime filosofado pelos Sócrates jovens e negros.
“I philosophize about Glocks and keys, niggas call me young black Socrates.” É o que diz Pusha T, um dos irmãos que compõem os Clipse. “Glock” é um tipo de pistola e “keys” é calão para “kilos”, como em “quilos de cocaína”. Que não haja enganos: as canções deles giram todas à volta do mesmo: venda de cocaína e as suas consequências, positivas e negativas. Mas eles fazem-no de uma forma tão boa e tão inteligente, com inúmeras referências à cultura pop anglo-saxónica (há de tudo, dos Wham! a Martha Stewart) que se torna verdadeiramente interessante. E fazem-no por cima dos beats mais estranhos e inventivos que os Neptunes (aqui supostamente reduzidos a Pharrell Williams) já fizeram. Há harpas (ou cordas de piano), steel drums, acordeões, drones, e outros recursos muito pouco óbvios e excitantes para um disco de hip-hop mainstream.

Os Clipse existem no limbo entre o arrependimento e a satisfação. Em “Momma I'm Sorry”, de onde é tirada a comparação a Sócrates, o refrão é “Momma I'm so sorry, I'm so obnoxious, I don't fear Tubbs and Crockett”. Tubbs e Crockett é uma referência ao duo mais pintarolas da televisão dos anos 80 e do cinema dos anos 2000, os protagonistas da série e do filme Miami Vice. Com isso, os Clipse pretendem dizer que não têm medo da polícia nem das consequências legais dos seus actos, mas isso não quer dizer que não sofram com eles.

Os Geto Boys lançaram “Mind Playin' Tricks On Me” em 1991, uma meditação paranóica sobre uma vida de criminoso. Uma frase de Willie D, “I make big money, I drive big cars, everybody know me, it's like I'm a movie star” é “roubada” por Pusha T para “Nightmares”, numa era dominada pelo coke rap de gente como Young Jeezy que pouco tem para oferecer além do tal pózinho branco. O refrão, cantado por Bilal em modo Marvin Gaye, é viciante, memorável e perturbante, mas não tanto quanto o que Pharrell Williams canta depois numa voz distorcida.

O dia em que um jovem Pharrell e os também jovens Pusha T e Malice se conheceram no início dos anos 90 ficará para a história da música pop através desta obra-prima. Todas as faixas podem ser singles e as produções trazem tudo para um patamar mais elevado. Inspirado, sonicamente novo mas com os pés bem assentes, liricamente, no passado, isto é Hell Hath No Fury. E estes são os Clipse, que, ao segundo disco e quando ninguém dava nada por eles, fizeram um portentoso e escuro clássico.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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