DISCOS
Ecstatic Sunshine
Freckle Wars
· 17 Out 2006 · 08:00 ·

Ecstatic Sunshine
Freckle Wars
2006
Carpark / Sabotage
Sítios oficiais:
- Ecstatic Sunshine
- Carpark
- Sabotage
Freckle Wars
2006
Carpark / Sabotage
Sítios oficiais:
- Ecstatic Sunshine
- Carpark
- Sabotage

Ecstatic Sunshine
Freckle Wars
2006
Carpark / Sabotage
Sítios oficiais:
- Ecstatic Sunshine
- Carpark
- Sabotage
Freckle Wars
2006
Carpark / Sabotage
Sítios oficiais:
- Ecstatic Sunshine
- Carpark
- Sabotage
O gato e o rato assinam tréguas e demonstram ser possível a colaboração construtiva entre duas guitarras à partida opostas.
Não sei ao certo se terão sido principalmente nostálgicas as motivações gestativas de “Farewell Chewbacca”, a faixa da dupla Lobster incluída na compilação Animal Repetitivo, mas, surpreendentemente, a sua curta fase intermédia de vincada moderação – supostamente mais descontraída na dinamização de guitarra e bateria – é a que mais se destaca por contraste com o periférico matagal de colisões matemáticas em catadupa. Para acentuar o contraste ou apenas porque a natureza dos Lobsters até ali conduziu, “Farewell” amansa o seu motor eléctrico e descobre o paraíso que a imaginação reservara ao mais célebre wookie da galáxia – deixando satisfeitos todos os incondicionais fãs da Guerra das Estrelas. Contudo, o que importa mesmo sublinhar é a revelação que proporciona a tal passagem mais atípica dos “power-rangers do rock”, a que basta 20 segundos para fazer esquecer a comparação omnipresente Lightning Bolt (ou os Ruins, antes deles). A história recente das parelhas instrumentais cafeínadas tratou já de dar como praticamente assente a inevitável noção de que “ou se alheiam os praticantes de meta a alcançar, ou o arredondamento copista garante sempre o mesmo lucro mínimo”. Eis que uns tais Ecstatic Sunshine respondem ao desafio e tecem um disco de dualidades que necessita apenas de duas guitarras para provar o que tem estipulado.
O facto de provirem de Baltimore, nos Estados Unidos, diminui os níveis de espanto, se atendermos às soluções inéditas que desenvolveram alguns talentos florescidos na cena local (bastará referir o caso do Animal Collective, o poeta digressionista BARR – que chegou a fazer parte dos primeiros - ou da subversiva estética da Monitor). Os Ecstatic Sunshine – Matthew Papich e Dustin Wong – parecem apostados a provar que duas guitarras podem ainda executar uma espécie de acupunctura auditiva que compreende todos os riffs possíveis numa tômbola aleatória e que os vai sorteando em manobras de malabarismo que fazem com que dois desses, até aí desencontrados, pareçam ter sido separados à nascença. Nos mais despreocupados momentos, Freckle Wars gravita acima das imposições rock e arrecada asas de cera que se solidificam à medida que mergulham numa semi-consciência kraut. Sente-se isso à fértil variedade de acordes que despacha "Wave Chop" em pouco mais de meio minuto, enquanto iguala a quantidade mínima de riffs implacavelmente simples para que soe essa a uma espécie de “Smells Like Teen Spirit” do género. Sabotado quase de seguida por um final ferozmente ríspido. E assim vai progredindo o jogo alucinante de “pergunta e resposta” em que consiste Freckle Wars, que quase se parece com um alvo onde um riff certeiro inviabiliza um segundo na mesma faixa. E quando lhes falta espaço – e esse é sempre compacto – para ideias mais imediatas, os Ecstatic Sunshine atiram-se com igual afinco ao detalhe. Pasme-se depois quando o disco se decide a um ronronar de agrado – uma voz humana a simular a de um animal felino (?) – quando cumpriu todos os requisitos com distinção (e flagrante carisma). É um disco-Tamagotchi-bicho.
A lógica da inversão representa assim a principal arma de uns Ecstatic Sunshine que arriscariam ver o seu nome aglutinado por um mar de referência se tivessem optado pela via mais musculada de arrancar às guitarras a infinitamente moldável energia que conservam. O clássico tema Dueling Banjos, que praticamente encapsula o sentimento regionalmente hostil do intemporal filme Deliverance, só é absolutamente aterrador por antever uma circunstância trágica com as notas musicas mais animadoras e tradicionais. Comparativamente, os tons mais risonhos de Freckle Wars conhecem uma aplicação bem mais optimista: podiam intensificar a guerra zoológica entre o gato e rato, mas acabam por reuni-los amigavelmente na partilha de um queijo. Queijo que mais não é do que o produto pasteurizado que sumariza, baralha e volta a dar o que de mais lúdico possam ter explorado génios da guitarra como John Fahey ou Django Reinhardt (ou mesmo o contemporâneo senhor Jim O’ Rourke). Insuspeitamente surpreendente.
Miguel ArsénioO facto de provirem de Baltimore, nos Estados Unidos, diminui os níveis de espanto, se atendermos às soluções inéditas que desenvolveram alguns talentos florescidos na cena local (bastará referir o caso do Animal Collective, o poeta digressionista BARR – que chegou a fazer parte dos primeiros - ou da subversiva estética da Monitor). Os Ecstatic Sunshine – Matthew Papich e Dustin Wong – parecem apostados a provar que duas guitarras podem ainda executar uma espécie de acupunctura auditiva que compreende todos os riffs possíveis numa tômbola aleatória e que os vai sorteando em manobras de malabarismo que fazem com que dois desses, até aí desencontrados, pareçam ter sido separados à nascença. Nos mais despreocupados momentos, Freckle Wars gravita acima das imposições rock e arrecada asas de cera que se solidificam à medida que mergulham numa semi-consciência kraut. Sente-se isso à fértil variedade de acordes que despacha "Wave Chop" em pouco mais de meio minuto, enquanto iguala a quantidade mínima de riffs implacavelmente simples para que soe essa a uma espécie de “Smells Like Teen Spirit” do género. Sabotado quase de seguida por um final ferozmente ríspido. E assim vai progredindo o jogo alucinante de “pergunta e resposta” em que consiste Freckle Wars, que quase se parece com um alvo onde um riff certeiro inviabiliza um segundo na mesma faixa. E quando lhes falta espaço – e esse é sempre compacto – para ideias mais imediatas, os Ecstatic Sunshine atiram-se com igual afinco ao detalhe. Pasme-se depois quando o disco se decide a um ronronar de agrado – uma voz humana a simular a de um animal felino (?) – quando cumpriu todos os requisitos com distinção (e flagrante carisma). É um disco-Tamagotchi-bicho.
A lógica da inversão representa assim a principal arma de uns Ecstatic Sunshine que arriscariam ver o seu nome aglutinado por um mar de referência se tivessem optado pela via mais musculada de arrancar às guitarras a infinitamente moldável energia que conservam. O clássico tema Dueling Banjos, que praticamente encapsula o sentimento regionalmente hostil do intemporal filme Deliverance, só é absolutamente aterrador por antever uma circunstância trágica com as notas musicas mais animadoras e tradicionais. Comparativamente, os tons mais risonhos de Freckle Wars conhecem uma aplicação bem mais optimista: podiam intensificar a guerra zoológica entre o gato e rato, mas acabam por reuni-los amigavelmente na partilha de um queijo. Queijo que mais não é do que o produto pasteurizado que sumariza, baralha e volta a dar o que de mais lúdico possam ter explorado génios da guitarra como John Fahey ou Django Reinhardt (ou mesmo o contemporâneo senhor Jim O’ Rourke). Insuspeitamente surpreendente.
migarsenio@yahoo.com
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