NĂŁo sei ao certo se terĂŁo sido principalmente nostálgicas as motivações gestativas de “Farewell Chewbacca”, a faixa da dupla Lobster incluĂda na compilação Animal Repetitivo, mas, surpreendentemente, a sua curta fase intermĂ©dia de vincada moderação – supostamente mais descontraĂda na dinamização de guitarra e bateria – Ă© a que mais se destaca por contraste com o perifĂ©rico matagal de colisões matemáticas em catadupa. Para acentuar o contraste ou apenas porque a natureza dos Lobsters atĂ© ali conduziu, “Farewell” amansa o seu motor elĂ©ctrico e descobre o paraĂso que a imaginação reservara ao mais cĂ©lebre wookie da galáxia – deixando satisfeitos todos os incondicionais fĂŁs da Guerra das Estrelas. Contudo, o que importa mesmo sublinhar Ă© a revelação que proporciona a tal passagem mais atĂpica dos “power-rangers do rock”, a que basta 20 segundos para fazer esquecer a comparação omnipresente Lightning Bolt (ou os Ruins, antes deles). A histĂłria recente das parelhas instrumentais cafeĂnadas tratou já de dar como praticamente assente a inevitável noção de que “ou se alheiam os praticantes de meta a alcançar, ou o arredondamento copista garante sempre o mesmo lucro mĂnimo”. Eis que uns tais Ecstatic Sunshine respondem ao desafio e tecem um disco de dualidades que necessita apenas de duas guitarras para provar o que tem estipulado.
O facto de provirem de Baltimore, nos Estados Unidos, diminui os nĂveis de espanto, se atendermos Ă s soluções inĂ©ditas que desenvolveram alguns talentos florescidos na cena local (bastará referir o caso do Animal Collective, o poeta digressionista BARR – que chegou a fazer parte dos primeiros - ou da subversiva estĂ©tica da Monitor). Os Ecstatic Sunshine – Matthew Papich e Dustin Wong – parecem apostados a provar que duas guitarras podem ainda executar uma espĂ©cie de acupunctura auditiva que compreende todos os riffs possĂveis numa tĂ´mbola aleatĂłria e que os vai sorteando em manobras de malabarismo que fazem com que dois desses, atĂ© aĂ desencontrados, pareçam ter sido separados Ă nascença. Nos mais despreocupados momentos, Freckle Wars gravita acima das imposições rock e arrecada asas de cera que se solidificam Ă medida que mergulham numa semi-consciĂŞncia kraut. Sente-se isso Ă fĂ©rtil variedade de acordes que despacha "Wave Chop" em pouco mais de meio minuto, enquanto iguala a quantidade mĂnima de riffs implacavelmente simples para que soe essa a uma espĂ©cie de “Smells Like Teen Spirit” do gĂ©nero. Sabotado quase de seguida por um final ferozmente rĂspido. E assim vai progredindo o jogo alucinante de “pergunta e resposta” em que consiste Freckle Wars, que quase se parece com um alvo onde um riff certeiro inviabiliza um segundo na mesma faixa. E quando lhes falta espaço – e esse Ă© sempre compacto – para ideias mais imediatas, os Ecstatic Sunshine atiram-se com igual afinco ao detalhe. Pasme-se depois quando o disco se decide a um ronronar de agrado – uma voz humana a simular a de um animal felino (?) – quando cumpriu todos os requisitos com distinção (e flagrante carisma). É um disco-Tamagotchi-bicho.
A lógica da inversão representa assim a principal arma de uns Ecstatic Sunshine que arriscariam ver o seu nome aglutinado por um mar de referência se tivessem optado pela via mais musculada de arrancar às guitarras a infinitamente moldável energia que conservam. O clássico tema Dueling Banjos, que praticamente encapsula o sentimento regionalmente hostil do intemporal filme Deliverance, só é absolutamente aterrador por antever uma circunstância trágica com as notas musicas mais animadoras e tradicionais. Comparativamente, os tons mais risonhos de Freckle Wars conhecem uma aplicação bem mais optimista: podiam intensificar a guerra zoológica entre o gato e rato, mas acabam por reuni-los amigavelmente na partilha de um queijo. Queijo que mais não é do que o produto pasteurizado que sumariza, baralha e volta a dar o que de mais lúdico possam ter explorado génios da guitarra como John Fahey ou Django Reinhardt (ou mesmo o contemporâneo senhor Jim O’ Rourke). Insuspeitamente surpreendente.