DISCOS
Susanna and the Magical Orchestra
Melody Mountain
· 25 Set 2006 · 08:00 ·
Susanna and the Magical Orchestra
Melody Mountain
2006
Rune Grammofon / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Susanna and the Magical Orchestra
- Rune Grammofon
- AnAnAnA
Melody Mountain
2006
Rune Grammofon / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Susanna and the Magical Orchestra
- Rune Grammofon
- AnAnAnA
Susanna and the Magical Orchestra
Melody Mountain
2006
Rune Grammofon / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Susanna and the Magical Orchestra
- Rune Grammofon
- AnAnAnA
Melody Mountain
2006
Rune Grammofon / AnAnAnA
Sítios oficiais:
- Susanna and the Magical Orchestra
- Rune Grammofon
- AnAnAnA
Dream-team norueguês amontoa melodicamente um conjunto sagrado de versões, que valem mais como elegias do que como objectos autónomos.
Comecemos pela questão que quase sempre remata e coloca em cheque a integridade de um disco composto exclusivamente por versões de músicas assinadas por outrém: valerá a pena tentar assimilar afectivamente as apropriações de temas que na, sua forma original, já ocupam um inamovível lugar cativo? Não haverá quem arrisque um qualquer absolutismo que arrume a questão, mas pode - em termos práticos - uma série de factores recentes estabelecer motivos suficientes para que se ofereça o “benefício da dúvida” às movimentações dos “amigos do alheio”. Recorde-se, por exemplo a legitimidade e discreto fulgor criativo presente na memorável versão que fez Cat Power de “Satisfaction” dos Rolling Stones que surgia irreconhecível no Covers Record - desprovida daquele riff Pavloviano e umbilicalmente ligada ao original através de uns escassos versos. Mark Kozelek soube manear o espólio dos AC/DC e torná-lo praticamente irreconhecível aos ouvidos dos fãs mais obsessivos da banda. Soube também atirar-se aos Modest Mouse a partir de perspectivas menos óbvias (evitando as mais emblemáticas canções da banda), provavelmente ciente de que algumas profecias e solilóquios existenciais não passam sem a nasalidade de Isaac Brock. Os próprios Yeah Yeah Yeahs há muito que arriscam trincar fruta vizinha e cuspir à sua maneira esquelética faixas afamadas pelos Liars (“Mr. your on fire Mr.”) ou Sonic Youth (“Diamond Sea”).
Apesar da imagem Edénica associada a Karen O. (Eva invertida) no parágrafo anterior, não constitui pecado digno de ser penalizado o método YYY’s distribuído por faixas sortidas e por formatos igualmente avulsos. A pertinência protege (e o interesse persegue) quem procura adulterar ou distorcer até ao irreconhecível o material pilhado e iliba de culpas quem opta por apresentá-lo como curiosidade ou novelty condenado a prazo. Não terá sido essa a opção de Susanna Wallumrød e da Magical Orchestra (Morten Qvenild, homem de imensos ofícios) que tem ao serviço da sua ténue e encantadora voz. Com uma impenetrável solenidade religiosa, firmada pela versão de “Hallelujah” de Leonard Cohen e apenas violada pelas versões de AC / DC e Kiss, Susanna afoita-se destemidamente a um álbum composto apenas por versões e não pestaneja sequer perante o desafio que é domar à sua serenidade característica monumentos sagrados como “Love will tear us apart” dos Joy Division ou “Enjoy the Silence” dos Depeche Mode. A tarefa apresentaria-se tão árdua como empilhar um baralho de cartas até atingir as proporções de uma Torre de Babel ou armar a tal montanha de melodia utilizando apenas grãos de areia. Daí o título – directamente relacionado com a corpulência que tem de fingir um qualquer elemento minimalista para que se repare nele.
A aplicação dessa arte a um cenário de apropriação não será, aliás, faceta estranha ao contingente norueguês (a que se juntou também a produção garantida por Helge Sten a.k.a.Deathprod) que havia já pontuado o início do debute List of Lights and Buoys com achegas a “Who Am I?” do compositor Leonard Bernstein e “Jolene” da voluptuosa figura country Dolly Parton. Sobre esses primeiros passos, Susanna e a Magical Orchestra levam a significativa vantagem que garante, por esta segunda ocasião, uma apuradíssima elegância dos arranjos (a auto-harpa que ilumina “Enjoy the Silence” é pó-de-anjo prontinho a fazer levitar o peso dos corpos atentos), a produção quase passiva de Deathprod e a profundidade emocional que atinge a soberba voz de Susanna, que não aparenta o menor receio em usufruir em pleno da sua fragilidade no limiar das capacidades que tem a sua orgânica de cristal (o estalar só ameaça mesmo uma “Hallelujah” que, apesar de inofensiva, constitui mote dispensável).
Ao abrigo de tão inspirado enquadramento de talento, geometrizado em três vértices nórdicos, Melody Mountain pode orgulhar-se da irrepreensibilidade técnica dos teclados mágicos – lá está – que tantas vezes explora em invisibilidade o desenvencilhado Morten Qvenild (que tem as mãos calejadas do trabalho nos Jaga Jazzist e nos bem mais caóticos Shining). Pode pavonear-se por isso e pela capacidades curativas que pode oferecer a alguém que tenha acabado de cortar a meta a maratona de stress. Pode até trazer ao peito um medalhão de subtil humor como é a viciante e arrojada versão de “It’s a long way to the top” dos AC/DC (que será heresia para muita gente). Só fracassa mesmo no cumprimento da tarefa que tinha estipulada desde o início: impele muito mais ao regresso aos clássicos invocados do que a escutas que o persigam após as primeiras cinco. Vale a pena escalar esta montanha referencial, ainda assim.
Miguel ArsénioApesar da imagem Edénica associada a Karen O. (Eva invertida) no parágrafo anterior, não constitui pecado digno de ser penalizado o método YYY’s distribuído por faixas sortidas e por formatos igualmente avulsos. A pertinência protege (e o interesse persegue) quem procura adulterar ou distorcer até ao irreconhecível o material pilhado e iliba de culpas quem opta por apresentá-lo como curiosidade ou novelty condenado a prazo. Não terá sido essa a opção de Susanna Wallumrød e da Magical Orchestra (Morten Qvenild, homem de imensos ofícios) que tem ao serviço da sua ténue e encantadora voz. Com uma impenetrável solenidade religiosa, firmada pela versão de “Hallelujah” de Leonard Cohen e apenas violada pelas versões de AC / DC e Kiss, Susanna afoita-se destemidamente a um álbum composto apenas por versões e não pestaneja sequer perante o desafio que é domar à sua serenidade característica monumentos sagrados como “Love will tear us apart” dos Joy Division ou “Enjoy the Silence” dos Depeche Mode. A tarefa apresentaria-se tão árdua como empilhar um baralho de cartas até atingir as proporções de uma Torre de Babel ou armar a tal montanha de melodia utilizando apenas grãos de areia. Daí o título – directamente relacionado com a corpulência que tem de fingir um qualquer elemento minimalista para que se repare nele.
A aplicação dessa arte a um cenário de apropriação não será, aliás, faceta estranha ao contingente norueguês (a que se juntou também a produção garantida por Helge Sten a.k.a.Deathprod) que havia já pontuado o início do debute List of Lights and Buoys com achegas a “Who Am I?” do compositor Leonard Bernstein e “Jolene” da voluptuosa figura country Dolly Parton. Sobre esses primeiros passos, Susanna e a Magical Orchestra levam a significativa vantagem que garante, por esta segunda ocasião, uma apuradíssima elegância dos arranjos (a auto-harpa que ilumina “Enjoy the Silence” é pó-de-anjo prontinho a fazer levitar o peso dos corpos atentos), a produção quase passiva de Deathprod e a profundidade emocional que atinge a soberba voz de Susanna, que não aparenta o menor receio em usufruir em pleno da sua fragilidade no limiar das capacidades que tem a sua orgânica de cristal (o estalar só ameaça mesmo uma “Hallelujah” que, apesar de inofensiva, constitui mote dispensável).
Ao abrigo de tão inspirado enquadramento de talento, geometrizado em três vértices nórdicos, Melody Mountain pode orgulhar-se da irrepreensibilidade técnica dos teclados mágicos – lá está – que tantas vezes explora em invisibilidade o desenvencilhado Morten Qvenild (que tem as mãos calejadas do trabalho nos Jaga Jazzist e nos bem mais caóticos Shining). Pode pavonear-se por isso e pela capacidades curativas que pode oferecer a alguém que tenha acabado de cortar a meta a maratona de stress. Pode até trazer ao peito um medalhão de subtil humor como é a viciante e arrojada versão de “It’s a long way to the top” dos AC/DC (que será heresia para muita gente). Só fracassa mesmo no cumprimento da tarefa que tinha estipulada desde o início: impele muito mais ao regresso aos clássicos invocados do que a escutas que o persigam após as primeiras cinco. Vale a pena escalar esta montanha referencial, ainda assim.
migarsenio@yahoo.com
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