DISCOS
Niobe
White Hats
· 24 Ago 2006 · 08:00 ·
Niobe
White Hats
2006
Tomlab / Flur


Sítios oficiais:
- Niobe
- Tomlab
- Flur
Niobe
White Hats
2006
Tomlab / Flur


Sítios oficiais:
- Niobe
- Tomlab
- Flur
Quando recentemente noticiaram o leilão de um lote imenso de bonecas Barbie, a coleccionadora cessante frisava que o valor adquirido pelo precioso item resultava de um extremoso cuidado na preservação dos pequenos utensílios e fatos espampanantes que acompanharam a loura de plástico em lançamentos vários – limitados ou exclusivamente europeus - durante quase meio século. A reportagem focava o brilho dos fatos de gala e trajes de noite que acumulara a Barbie e resultava a tal peça jornalística numa espécie de retrato do cosmopolitismo em miniatura, para o qual também contribuía o facto da variedade sugerir que seriam inúmeros os estilistas e criadores a tecer a roupa que cobre a pele do brinquedo da Mattel. A volátil voz que abençoa Yvonne Cornelius – Niobe, em disco - faz dela mais do que um objecto limitadamente articulado, vale-lhe o convívio directo com reputados estilistas (recentemente, os Mouse on Mars) quase sempre encarregados de lhe frisar o que de mais categórico e essencial possa ocultar além do véu que separa o seu âmago criativo dos curiosos barrados à sua porta.

Niobe – um pouco como a japonesa Tujiko Noriko que, em algumas circunstâncias, lhe é paralela – ainda constitui um delicioso mistério que, por via inversa à da esfinge que perdeu o nariz, se vai revelando à medida que ganha forma um rosto magnético, que une peças coleccionadas e limadas pela mão do tempo. Em White Hats, Niobe cede cortesmente a receber ouvidos admiradores para a escuta de treze danças de salão distintas, partilhadas com uma mão cheia de produtores e multi-instrumentistas que constituem equilibradíssimo grupo de colaboradores generosamente responsáveis pelo insuflar do brilho que reserva a ocasião (contudo, merecerá o prolifico Wachsel Garland uma distinção especial pelo papel que possa ter tido nas mais brilhantes faixas e em arranjos tão imensos como aquele que embala em “None But One”). Até porque, apesar de bem acompanhada, Niobe não enceta manobras de protagonismo com o intuito de escalar numa suposta tabela que posicione divas. Não existem por aqui super-favores por parte de um super-produtor de testa intimidante.

Sobra essência e requinte suficientes para fazerem deste momento uma epifania de proporções selectas (no que a instrumentos diz respeito, mais propriamente). Necessitam de um curtíssimo período de tempo as canções a desfile para deixar bem assente a ideia de que não terá sido uma produção pragmática a solucionar ou a remediar cosmeticamente quaisquer carências de raiz. Note-se, por exemplo, na folk de olhos semi-cerrados que alisa a cama a “White Hats”, tornando-a uma daquelas jóias que parecem existir desde um tempo em que não se vislumbrava sequer a mínima ideia do que seria submetê-la a um tratamento computorizado. Tal como essa, outras tantas parecem ser apenas plantas raras que se viram obrigadas a acumular minerais fortificantes até serem colhidas por quem lhes desse melhor utilidade. “Phosphorous” é-lhe quase gémea, com a diferença de acrescentar uma longitude onírica ao cruzamento instrumental daquilo que parece Vini Reilly (o lendário guitarrista que ainda mantém activo e recomendável o seu aliás Durutti Column) perdido entre o aluguer de duas bilhas de ar e o caminho mais longo para a Atlântida. Tão incerta é a alternância de géneros visitados que chegam a surgir de rompante o contágio perfumado empregue pela disco alienígena de “Up Hill and Down Dale” ou “Cool Alpipe”. A segunda coloca um sorriso no pano que cai ao encerrar White Hats.

Tal como parece indicar o seu título, White Hats aponta algo nostalgicamente para o tempo áureo da candura como qualidade talhada para frisar as qualidades mais naturais à chanteuse divinizada por acaso – quase como a girl next door que a Playboy de finais de 70 retratava à rotina ao jeito de feliz equívoco, resultante em pequeno milagre de bairro. Não se medirá certamente Niobe pela mesma tabela que avalia o volume vácuo da produção que sustenta a carreira a Gwen Stefani ou, desde há pouco tempo, Fergie. Yvonne Cornelius joga numa liga diferente: libertou montanhosas sensações de relevo variável, permitiu que geólogos vários alisassem esteticamente as rugosidades às mesmas e cobriu tudo isso com um adocicado recheio branco. Chapéus há muitos, mas nem todos ostentarão a aura que coroa o talento de Niobe para a escrita de canções que primeiro vêem nuas ao mundo e que só depois alguém veste como se de Barbies se tratassem.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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