DISCOS
Young People
All at Once
· 12 Jul 2006 · 08:00 ·
Young People
All at Once
2006
Too Pure / Popstock!


Sítios oficiais:
- Young People
- Too Pure
- Popstock!
Young People
All at Once
2006
Too Pure / Popstock!


Sítios oficiais:
- Young People
- Too Pure
- Popstock!
Permanece por resolver o mistério que se sucedeu no momento em que Estella Warren colocou sobre a pele algumas gotas de Chanel nº5 e se fez ao trilho da floresta assombrado pela ameaça dos lobos. Filmava-a nessa altura Luc Besson, que reconstruiu a fábula do Capuchinho Vermelho ao serviço publicitário da fragrância. Depois disso, Estella esboçou um frágil talento como actriz no risível remake de O Planeta dos Macacos, andou envolvida com Paul Thomas Anderson e, em pouco tempo, mergulhou no esquecimento do filme série-B e séries para preencher a tarde de Domingo. Presume-se que tenha sido crucial o instante decisivo que decidiu pela loura bombástica um pacto com um destino fracassado. Katie Eastburn – metade do agora duo Young People – caminha sobre nenúfares de música esquelética (tantas vezes apenas protótipos do que podiam ter sido) e procura a todo custo equilibrar em malabarismo intenso tudo o que a perturbou durante o período de gravação de All at Once (a saber, um irmão na guerra do Iraque, relações acabadas e o stress nova-iorquino). Katie tem a sorte de ser um Capuchinho Vermelho elucidado – sabe da hostilidade que a aguarda no seu percurso terapêutico, mas traz na cestinha uma voz imensa que é impossível aglutinar por qualquer que seja a combinação de instrumentos distorcidos ou perturbados.

Nem tão pouco se resume o contributo de Katie Eastburn às vocalizações. Ocasiões há em que se ocupa de frisar ao piano um sentimento melancolicamente citadino ou exibir um temperamento mais efervescente com uma bateria mais jovial. O esquema de gravações que a uniu a Jarrett Silberman – que chegou a ser apenas baterista – incide sobre um molde Sintonia do Amor – Sleepless in Seattle, o pastelão filme romântico que encontrava Tom Hanks e Meg Ryan em extremos opostos de território norte-americano. A disposição territorial de Katie e Jarrett é equiparável: ela desabafava confissões outonais a partir da Big Apple, ele parece ter aproveitado a diversidade étnica a Los Angeles para mais eficazmente diversificar os mosaicos que aguardam a verbalidade da primeira (repare-se na veia latina do enquadramento rítmico da rumba psicótica que é “Forget”).

A química entre os dois surge muito naturalmente sem que as marcas de distinção não se atropelem entre si. A seu tempo, Katie merece o direito a explorar um par de picos vocais - projectados num alienado sentimento cósmico –que reproduzem em intensidade aquilo que habitualmente é expelido por entre palavras enroladas em embaraço. Jarrett Silberman também não se acanha quando é chegada a altura de regredir a carnalidade emocional até ao ponto em que é apenas sombra ou memória esvanecida disso: há uma discreta e enigmática precursão que sobrevive a toda a duração da ironicamente fúnebre “Your Grave” e que por si só bastará como prova substancial do requinte que a metade masculina garante a All at Once. Podem até os anteriores parágrafos fazer suspeitar que é absurdamente original o método usado pela dupla de natureza quase country. Katie Eastburn não será certamente uma Regina Spektor (que muitos tem desiludido com o novo Begin to Hope). A excentricidade de All at Once não se encontra à flor da pele – a sua falta de ortodoxia e abençoado pesar lunático encontra-se no detalhe dos contornos texturais, nas muralhas rugosas de ruído branco que a voz de Katie trespassa. Faz, por isso, todo o sentido que os Young People já tenha passado pela 5 Rue Christine, cujos brindes de catálogo tantas vezes se caracterizam pelo tempero subversivo vertido sobre moldes que labels vizinhas exploram até à exaustão. Há muito por onde cavar nesse rico catálogo. Tal como há muito por descobrir à deslumbrante charada de dupla autoria que propõe o intrigante All at Once.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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