DISCOS
The Poison Arrows
Trailer Park EP
· 24 Nov 2005 · 08:00 ·
The Poison Arrows
Trailer Park EP
2004
File 13


Sítios oficiais:
- The Poison Arrows
- File 13
The Poison Arrows
Trailer Park EP
2004
File 13


Sítios oficiais:
- The Poison Arrows
- File 13
Pertence às mais estimadas memórias de dias de verão aquele ritual do ouvido que se encosta ao búzio, para escutar ao seu interior helicoidal o ilusório som do marulhar do mar. Ainda que ludibriados pela refracção da ressonância das ondas sonoras, a miudagem dá-se por satisfeita com o livre manusear da concha, afastando-a e aproximando-a aos ouvidos conforme convenha à brincadeira. Por vezes a ignorância é mesmo uma bênção – tal como afirmava o personagem Cypher em Matrix, marimbando-se para o facto do gosto da carne que ingeria ser uma ilusão virtual ou não... Anulado por um vazio côncavo, o EP Trailer Park é comparável a um búzio grotesco ao qual, em vez do som diáfano da maré, se escuta a súplica desesperada a uma Chicago industrial – cidade cuja electrónica deve ser inspirada cautelosamente, não vá o pulmão dar-se mal com a toxicidade da coisa.

Por altura deste primeiro EP, The Poison Arrows tinham como único arqueador Justin Sinkovich – figura ilustre da cena de Chicago, onde acumulou reputação nos Atombombpocketknife e enquanto líder dos Thumbail, cujo reagrupamento em modo autónomo resultou na fundação da File 13 que lançou este EP. O protagonismo de Sinkovich abrange a fundação e monitorização do muito recomendável (mas raramente actualizado) site Epitonic.com - terreno fértil para a descoberta de novos talentos em formato mp3 gratuito. Todas estas representam posições de privilégio, que, contextualizadas, oferecem imediatamente resposta para duas questões intrigantes: o que teria levado tal nulidade a merecer lançamento noutro formato que não mp3 ou CD-R para amigos? Por que motivo os links entre bandas da Epitonic tantas vezes apontavam paras os Atombombpocketknife e Thumbnail? Acima de tudo, fica encontrada uma explicação viável para um lançamento oficial, que dificilmente o teria sido se não fosse em descomprometido regime D.Y.I.

Musicalmente falando, Trailer Park ambiciona ser encarado com uma séria emulação de ambientes rarefactos elaborados em forma compêndio de movimentações pseudo-electrónicas – compostas a partir beats do arco da velha, sintetizadores remelosos e uma vozinha tão firme quanto os primeiros passos de Julia Roberts numa praia de nudistas. Sinkovich previne-nos com um tom profético (selado com a ebulição interior dos Postal Service) para um apocalipse sedeado em Chicago, mas, no seu melhor, Trailer Park provoca o impacto do Y2K. Pior; o press release que acompanha o disco revela ostensivamente que o disco resulta de colecções de discos que ultrapassam a marca dos 4000 títulos. O ex-Guided By Voices Bob Pollard conta com uma soma à volta desse número só em discos por si assinados (incluindo os de GBV) e ainda está para chegar o dia em que venha a lançar um que seja apreciável.

Trailer Park quer forçosamente incorrer pelo culto cabalístico do ruído, mas descamba invariavelmente em redundância (Martin Rev decepa um dedo mindinho à sua reputação nos Suicide ao assinar um remix). Também a baleia deve encarar alguma dificuldade ao avaliar o impacto aos decibéis do seu cantar, na hora de celebrar o ritual nupcial. Trailer Park não está sequer preparado para ser comparativamente justaposto ao requinte da ourivesaria de ruído traficada pela File 13 (My Way My Love é um diamante a descobrir ao Japão e ao arquivo do Bodyspace). Sobra uma oportunidade desperdiçada de honrar o legado edificado por Justin Sinkovich noutros projectos e o espaço favorável a outra proposta musical bem mais capaz.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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