DISCOS
Migala
La Increíble Aventura
· 13 Mai 2005 · 08:00 ·
Migala
La Increíble Aventura
2004
Acuarela Discos


Sítios oficiais:
- Migala
- Acuarela Discos
Migala
La Increíble Aventura
2004
Acuarela Discos


Sítios oficiais:
- Migala
- Acuarela Discos
Alturas há em que uma visão do final das coisas permite, por momentos, uma reflexão cuidada sobre o fim de uma realidade, uma alucinação breve de como tudo poderia ter sido, é, e poderá ser. O drama, afinal de contas, coloca sempre tudo em perspectiva. E é aí que as metamorfoses surgem, dotadas de todo um novo significado. Depois de uma espécie de crise na carreira, os Migala voltaram a fazer par com o trabalho impecável da Acuarela, acolheram Nacho R. Piedra (o responsável pelo DVD que acompanha a edição do disco) e deram vida a La Increíble Aventura, um conjunto de filmes musicais (como o próprio DVD indicia) que estabelece cada vez mais o corte com as direcções tomadas no passado, em discos como Arde e Restos de un Incendio, um conjunto de canções gravadas originalmente entre 1997 e 2000 de forma a respeitar o clima de mudança que já na altura se tentava instituir. E esse corte representa, nada mais, nada menos, que o afastamento cada vez mais óbvio do uso da voz e a aproximação a estruturas reconhecidas do pós-rock. Tudo isto, para que se pudesse explorar o lado mais orgânico e quase primitivo da música, respeitando sempre o cunho próprio da música dos Migala, um dos maiores (e melhores) exportadores musicais da Espanha.

E tudo começa de forma mais ou menos estranha com a faixa de abertura, “El Imperio del Mal”. Primeiro irrompe um sample de cânticos e percussão daquilo que parece ser uma tribo nativa americana, depois desenvolve-se uma passagem rock com guitarras surf, crescendos paralelos e percussão em escalada. E quando se pensa que as coisas não poderiam ser mais estranhas surge um sample de “Star Wars” onde se escuta: “I've been waiting for you, Obi-Wan. We meet again at last"”. “Dear Fear:” começa serena com ruídos provenientes de rádios, teclas e percussão esparsa, mas cedo se constrói e se fortifica em intensos crescendos e sucessivos clímaxes levados a cabo essencialmente por um indestrutível “muro” de instrumentos de cordas. Por tudo isto, “Dear Fear:” recupera a cadência dramática dos Godspeed You! Black Emperor ao mesmo tempo que se assemelha uma inabalável força da natureza. O sampling volta a surgir em “”El tigre que hay en ti”, um tema que manda o pós-rock para cima dos Calexico, enquanto se debate com uma postura mais rock do que nunca. Mas desta vez os Migala insistiram em não ficar muito tempo no mesmo trajecto e fazem questão de o mostrar de faixa para faixa. “WWW (Searching for the Wicked Witch of the West”, volta a baralhar tudo e encontra os Migala a tentarem fundir a estranheza (o início) com o quase pastoral (o meio), e descargas de guitarras rock (o fim). E depois voltam a misturar tudo outra vez. Depois de uma espécie de interlúdio apaziguador, surge “Your Star, Strangled”, uma das duas faixas onde Abel Hernandez empresta a sua voz. Aqui, a historia é outra, de novo. A da folk, desencadeada pelo som gentil de uma guitarra acústica, harmónica e a envolvente teia de cordas que marca presença no final. As palavras de Abel Hernandez são essenciais na criação do cenário comovente: “And the snow still falls, and the stars the have no light, or name". No final da canção já é tudo demasiado barulhento e eléctrico para que se possa chamar folk seja ao que for.

O chilrear dos pássaros com que termina “Your Star, Strangled” dá lugar ao som do mar na faixa seguinte, “El gran miércoles”, um tema que se prolonga até perto dos sete minutos e que encerra quase todas os caminhos percorridos neste “La Increíble Aventura”. O som do oceano continua até se juntarem guitarras e cordas numa introdução que se desenvolve até receber de novo a voz de Abel Hernandez: “It appears to me I've seen / Three honeys with tiger t-shirts on". E depois, precedida por um grito, a explosão a la Godspeed, com guitarras esfuziantes, cordas, percussão e as tonalidades etéreas que o pós-rock tão arduamente anseia. “Tucson, Game Over” volta a levar os Calexico a um concerto dos Godspeed e “Lecciones de vuelo com Mathias Rust”, o tema que fecha o disco, é um exercício de mais de dez minutos que, pela quantidade de secções facilmente distinguíveis, se assemelha quase a “With tired eyes, tired minds, tired souls, we slept”, o último tema do explosivo Those Who Tell the Truth Shall Die, Those Who Tell the Truth Shall Live Forever dos Explosions In The Sky e, verdade seja dita, à maioria dos temas dos Godspeed. Secção após secção, camada após camada, crescendo após crescendo, os Migala terminam com um daqueles riffs que valem por todo um disco. Acompanhado por cordas, é claro. E no pós-rock não há melhor forma de acabar um disco como aquela que fecha a cortina de “La increíble aventura”. Aqui, os Migala vestiram o pós rock com outras roupas, fundiram-no com outras ambiências e o resultado é deslumbrante.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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