DISCOS
Nico
Chelsea Girl
· 03 Ago 2003 · 08:00 ·

Nico
Chelsea Girl
1967
Polydor
Sítios oficiais:
- Polydor
Chelsea Girl
1967
Polydor
Sítios oficiais:
- Polydor

Nico
Chelsea Girl
1967
Polydor
Sítios oficiais:
- Polydor
Chelsea Girl
1967
Polydor
Sítios oficiais:
- Polydor
Uma noite escura, dois pedaços de melodia. Uma voz que arrepia e nos devolve ao ventre soturno daquela cidade mal iluminada. Aquele espaço vago da memória dos sonhos, do esquecimento dos dias. Nico habita um buraco negro, uma subcave fria e húmida. As palavras que os seus lábios soltam acompanham os passos inseguros nas ruas sujas, nas madrugadas vítreas de esvaziamento da razão. Os olhos vertem notas perdidas, sinfonias compostas à chama de uma vela gasta. As suas canções são como folhas de Outono de cores toscas. O fascínio pela sua música é um ingresso no precipício. É um risco traçado por um pedaço de giz na estrada intemporal, sons derramados contra a janela que dá para o quarteirão onde caem as primeiras chuvas. Um jogo de contrastes e horrores, de silêncios absurdos e ensurdecedores.
De seu nome Christa Päffgen, nascida em 1938 em Cologne, na Alemanha, Nico veio a tornar-se numa das mais eminentes sombras do rock. Sem nunca conseguir ocupar um lugar de destaque ainda em vida, faz-se acompanhar de figuras importantes debaixo dos lençóis ou através de relações mais profissionais. Paradoxal e intensa, Nico abraça as trevas, delas colhe ensinamentos e cobre de negro as suas composições, circuitos fechados na geografia da mente. Individualista e sem assumir compromissos, assina registos notáveis de maior influência apenas quando o seu nome para sempre ficou inscrito na mármore fria. De supermodelo da haute couture europeia a actriz em “La Dolce Vita” de Fellini e mãe de um filho de Alain Delon, Nico faz-se notar junto de Andrew Loog Oldham, então manager dos Rolling Stones, que lhe dá a possibilidade de gravar para a sua editora Immediate. Corria o ano de 1965. Mas o single daí resultante, que contava com Brian Jones e Jimmy Page nas guitarras, não conseguiu apreço comercial nem da crítica. Mais tarde, em ‘These Days’, Nico viria a cantar “please don’t confront me with my failures, I had not forgotten them”. Pouco tempo depois, muda-se para Nova Iorque, onde Andy Warhol lhe assegura uma presença residual no seio dos Velvet Underground.
Abandonando o projecto, lança-se a solo e compõe este “Chelsea Girl” com um mapa sonoro algures no folk rock e com a colaboração de Jackson Browne, Lou Reed e John Cale. Depois, é accionada a misturadora do tempo que se encarrega de fazer Nico mergulhar em edições irregulares, composições-fantasma, um trabalho lírico impenetrável e, irremediavelmente, nas malhas da droga e de uma personalidade acidentada. “Camera Obscura” acaba por ser o trabalho de estúdio que ainda consegue respirar alguma coerência. Em 1988, Nico morre em Ibiza, vítima de uma hemorragia cerebral.
No conjunto, “Chelsea Girl” é o seu disco mais visionário, mas mais perecível também. A demanda do Paraíso no obscurantismo das suas letras é uma epopeia dolorosa, que insinua a morte a cada passagem. Uma manta de retalhos acústicos em que inflexões sonoras e de voz dão à costa, criando jornadas introspectivas e pictóricas como em ‘The Fairest of the Seasons’ ou ‘Somewhere There’s a Feather’. Os arranjos minimalistas e a reduzida secção de cordas tornam quase imperceptível mas coberta de charme a recriação de ‘I’ll Keep It With Mine’ de Bob Dylan. Em ‘Wrap Your Troubles in Dreams’ de Lou Reed, há um desejo de criação de um ponto de fuga, um escape artístico polvilhado de referências tradicionais. É, talvez, o tema mais luminoso num disco que é uma alegoria da caverna, ora ameaçadora ora fugidia, mas sempre distinta. Este disco evocativo da memória de Nico serve para lamber as feridas de uma vida. De uma existência perfurada pela nocturama em que a sua música se enredou.
Hélder GomesDe seu nome Christa Päffgen, nascida em 1938 em Cologne, na Alemanha, Nico veio a tornar-se numa das mais eminentes sombras do rock. Sem nunca conseguir ocupar um lugar de destaque ainda em vida, faz-se acompanhar de figuras importantes debaixo dos lençóis ou através de relações mais profissionais. Paradoxal e intensa, Nico abraça as trevas, delas colhe ensinamentos e cobre de negro as suas composições, circuitos fechados na geografia da mente. Individualista e sem assumir compromissos, assina registos notáveis de maior influência apenas quando o seu nome para sempre ficou inscrito na mármore fria. De supermodelo da haute couture europeia a actriz em “La Dolce Vita” de Fellini e mãe de um filho de Alain Delon, Nico faz-se notar junto de Andrew Loog Oldham, então manager dos Rolling Stones, que lhe dá a possibilidade de gravar para a sua editora Immediate. Corria o ano de 1965. Mas o single daí resultante, que contava com Brian Jones e Jimmy Page nas guitarras, não conseguiu apreço comercial nem da crítica. Mais tarde, em ‘These Days’, Nico viria a cantar “please don’t confront me with my failures, I had not forgotten them”. Pouco tempo depois, muda-se para Nova Iorque, onde Andy Warhol lhe assegura uma presença residual no seio dos Velvet Underground.
Abandonando o projecto, lança-se a solo e compõe este “Chelsea Girl” com um mapa sonoro algures no folk rock e com a colaboração de Jackson Browne, Lou Reed e John Cale. Depois, é accionada a misturadora do tempo que se encarrega de fazer Nico mergulhar em edições irregulares, composições-fantasma, um trabalho lírico impenetrável e, irremediavelmente, nas malhas da droga e de uma personalidade acidentada. “Camera Obscura” acaba por ser o trabalho de estúdio que ainda consegue respirar alguma coerência. Em 1988, Nico morre em Ibiza, vítima de uma hemorragia cerebral.
No conjunto, “Chelsea Girl” é o seu disco mais visionário, mas mais perecível também. A demanda do Paraíso no obscurantismo das suas letras é uma epopeia dolorosa, que insinua a morte a cada passagem. Uma manta de retalhos acústicos em que inflexões sonoras e de voz dão à costa, criando jornadas introspectivas e pictóricas como em ‘The Fairest of the Seasons’ ou ‘Somewhere There’s a Feather’. Os arranjos minimalistas e a reduzida secção de cordas tornam quase imperceptível mas coberta de charme a recriação de ‘I’ll Keep It With Mine’ de Bob Dylan. Em ‘Wrap Your Troubles in Dreams’ de Lou Reed, há um desejo de criação de um ponto de fuga, um escape artístico polvilhado de referências tradicionais. É, talvez, o tema mais luminoso num disco que é uma alegoria da caverna, ora ameaçadora ora fugidia, mas sempre distinta. Este disco evocativo da memória de Nico serve para lamber as feridas de uma vida. De uma existência perfurada pela nocturama em que a sua música se enredou.
hefgomes@gmail.com
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