DISCOS
Von Spar
Von Spar
· 03 Jul 2007 · 08:00 ·
Von Spar
Von Spar
2007
Tomlab / Flur


Sítios oficiais:
- Von Spar
- Tomlab
- Flur
Von Spar
Von Spar
2007
Tomlab / Flur


Sítios oficiais:
- Von Spar
- Tomlab
- Flur
Barrigada de kraut e pós-punk recomendável apenas a blindados estômagos de canibais.

Cabe à imaginação resolver o diferendo que instala a grotesca figura surgida na capa do disco homónimo dos alemães Von Spar. Isto porque não se sabe ao certo se terá sido ela a percorrer uma maratona de exorcismo ou se terá mesmo ocupado o lugar do corpo beatificado. Assemelha-se um pouco a um Golem em agonia e exibe a marca (ou a posse) de duas cruzes. Em traços grosseiros, é uma “coisa” a que se procura respostas na senda de ofuscar o incómodo que provoca a estranheza. A partir de uma perspectiva Hollywood – e se já for tomado em conta o anómalo perfil musical dos Von Spar -, diríamos que se trata de um Hannibal Lecter que trocou o gosto por fígado com favas por um outro que o levou a devorar do avesso os mapas traçados por Julian Cope no guia kraut Krautrocksampler e Simon Reynolds no já batidíssimo Rip it Up and Start Again. A partir de duas romarias simétricas na sua duração de 20 minutos cada, Von Spar é o título que serve de cabeçalho ao diagnóstico da congestão que se apoderou do canibal que não soube onde parar na hora de enfardar kraut-rock, pós-punk e todos os exóticos condimentos que escolheu para os acompanhar.

Ninguém estranha ver um super-colectivo de alemães a abusar das suas possibilidades (como se de cerveja num aniversário), tal como já poucos serão aqueles que se surpreendem com a estadia de irmandade tão freak como esta na boa casa da Tomlab, que ainda recentemente documentou o bater das asas vampíricas dos Les Georges Leningrad e que conta também com uma antologia de electrónica portuguesa em catálogo. Desta vez, combina-se num só disco aquilo que podiam ser dois esclarecedores CD-r intencionados na evisceração de tudo o que de mais lá fora pudesse reservar a transição de 70 para 80: a falta de pudor assumida no saltitar estético, a santa noção impingida por Jah Wobble de que os 5 minutos eram uma barreira facilmente transponível quando ritmicamente lubrificada, a vantagem que confere o desportivismo non sense, que, no lado-B de Von Spar, chega a manifestar-se numa incursão pelo metal cornudo e, na recta final do lado-A, num totalmente assanhado momento que faz colidir new-wave e um punk sem espinhas na linha de Crass.

Temos, pois, um manifesto camaleónico apontado a contrariar as imposições da ortodoxia, um A a Z de feições em que nenhuma comete o descabimento de ser maiúscula sobre as outras. Ao contrário de um espaço spa normalmente reservado a terapias benéficas para a saúde, Von Spar cobre-se de um lodo imundo que soa desconexo ou linear conforme cada uma das perspectivas. Não se duvide contudo de que o bicho alemão morde quando atiçado.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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