Reverence Valada 2016
Valada
8-10 Set 2016
Dia Um

By the time we get to Valada, após uma curta viagem de apenas meia-hora (que se haveria de repetir ao longo do festival, visto que acampar é para pobres), somos brindados com uma brisa suave e fresca que aqui não estava dois dias antes, quando cá viemos fazer o reconhecimento do local. O Valada, ou o Reverence, ou ambos, como lhe queiram chamar, voltou uma vez mais a puxar para si a honra de fechar a temporada de festivais de verão com uma série de propostas habitando, quase todas, o mesmo campo sónico: psicadélico, stoner e derivados. Contudo, nem o Reverence, ou o Valada, se conseguiu alhear do facto de que o ano de 2016 está bom é para góticos; depois de Peter Murphy e do Entremuralhas e antes dos The Cure eis os The Sisters of Mercy (eles que exigiram o "The" sob ameaça de processo judicial) a levar até àquela pequena aldeia a cor preta, o romantismo e uma miríade de rostos cadavéricos.

Mas, dizíamos nós, chegámos após uma curta viagem - e fomos de imediato brindados pelas várias alterações, cuidadosamente explicadas por Nick Allport, organizador do festival, que nos levou a dar uma voltita pelo recinto ainda as portas estavam fechadas. O campo de futebol tornado feira; o palco Indiegente, curado pela Antena 3/Nuno Calado; o bar onde outrora se jantavam sandes de pasta de atum a ficar lamentavelmente do lado de fora; o palco Praia, agora palco Sontronics, mais puxado à frente... Diferente, este Reverence. Não para melhor, mas também não para pior. Se há falha a apontar-lhe é o facto de não haver um único sítio em todo o recinto onde não haja música. Às vezes, até os mais duros querem um pouco de silêncio...

Mas antes dessa ânsia se manifestar, venham os concertos; o primeiro de todos coube aos 800 Gondomar, uns pontualíssimos 800 Gondomar, que vieram para mostrar Circunvalação, o seu novo EP, acabadinho de editar. Começam por aquecer com o baixo, e depois arrancam numa toada punk-clássico e gostoso, cantado na língua-nossa, mas com espaço também para a "Vato" de Snoop Dogg (pelo menos parecia essa) e para a "Dia De Um Dread De 16 Anos" do grandioso Allen Halloween (era essa). O que significa, muito naturalmente, que os 800 Gondomar deram o melhor concerto de todo o festival. O que eles tinham em diversão, os Sun Mammuth tinham em peso. Um bom stoner instrumental que ajudou a começar a lavar o cérebro com certas e determinadas substâncias. Notou-se, na audiência, que por estas horas ainda era fraca.

Os Flavor Crystals, vindos directamente de Minneapolis, despejaram imediatamente a seguir uma aspirina redonda de psicadelismo suave, dando as boas-vindas ao frio da noite, com uma marca shoegaze bem vincada que tão bem sabe ao pôr-do-dia. O rufar essa assumidamente hipnótico, mas também sabiam puxar pelo ruído quando necessário. Uma óptima escolha, tal como a dos Sunflowers, também eles com disco novo - e gigante -, que aos primeiros acordes levam lá para a frente um tipo armado com um chicote feito de cana. Os Sunflowers, Deus os abençoe, despertam nas nossas pessoas as nossas piores emoções, tal como o bom rock deve fazer. O que é pena é termos encontrado um som tão "limpinho"; faltou aquela gravilha que existe quando os apanhamos em bares mais pequenos. Tocaram uma música nova, "feita anteontem", outra sobre "trips de ácido em Lisboa" e ainda a versão habitual de "I Wanna Be Your Dog", com Carolina Brandão a evocar Kim Gordon e a desfazer uma guitarra cor-de-rosa no pico da adrenalina. Sempre bons.

Os Black Heat soavam-nos muito dotados tecnicamente, trazendo uma certa ideia de "progressismo" ao rock que pulula pela Valada do Ribatejo, e fazendo-nos pensar mais do que curtir. Mas, apesar do psicadelismo e do stoner, há espaço para tudo no Reverence. Bem, excepto para uma máquina de tabaco. O que é francamente chato... Ao contrário dos J.C. Satan, rock pesado no feminino e capaz de fazer abanar o esqueleto, e dos Riding Pânico que não vimos pela sexta ou sétima vez por estarmos em amena cavaqueira com os Flavor Crystals na zona de imprensa, que disseram ter gostado de Lisboa e não ter percebido porque é que os portugueses não olham as pessoas nos olhos mesmo sendo tão simpáticos. Timidez, apenas.

Ora, "tímido" é também um adjectivo bastante aplicável à música dos Thee Oh Sees e é, do mesmo modo, um adjectivo simpático. É que poderíamos simplesmente aplicar a palavra "chato", apesar de todas as vozes que se ergueriam em oposição, acérrimos defensores que são das tropas de John Dwyer e da catrefada de discos que o tipo já lançou em quinze anos. Mas visto que não devemos simpatia a ninguém, cá vai: os Thee Oh Sees são incrivelmente chatos, quer toquem com duas baterias, quer disponham um pano onde se pode ler "I <3 Portugal", quer apliquem àquele garage rock particular uma dose de psicadelismo e duas de gritaria. Mas, convenhamos, ao menos são melhores que Xanax.
· 20 Set 2016 · 22:43 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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