SWR Barroselas Metalfest
Barroselas
22-24 Abr 2016
E tu, que opinião tens sobre a polémica Buraka vs. Moonspell?

Era esta a pergunta que se impunha. Mas isto implicava um esforço enorme da minha parte para realmente tentar obter declarações por parte dos muitos que, uma vez mais, se deslocaram até Barroselas para nova edição do SWR Metalfest, a décima-nona, a primeira após a maioridade, a primeira antes de celebrar duas décadas de existência. Era esta a pergunta que se impunha, mas na verdade era uma pergunta idiota: o mais provável é que entre a fauna que por aqui pulula, que veste obrigatoriamente de negro ou empunha orgulhosamente o seu battle jacket onde dezenas de logótipos de bandas convivem de forma pacífica, poucos queiram saber tanto dos Moonspell como dos Buraka Som Sistema. Para estes, o que importa é o convívio (entre grupos muito localizados, para ser simpático), o som extremo, a cerveja e a possibilidade de subir ao palco e de se atirarem cá para baixo, o que aconteceu por várias vezes.

O SWR é um festival diferente. Não para melhor, nem para pior; apenas diferente. É verdade que existem muitas semelhanças em relação aos demais: há álcool, há comida de merda cara, e há parolos de telemóvel na mão a tirar selfies em frente ao palco. Mas é diferente porque é destinado a um único grupo. Quando um palerma casual como eu, ou alguém que abomina por igual todas as subculturas musicais como eu vai a Barroselas, não consegue deixar de se sentir deslocado. Tal qual como aconteceu. Não que tenha existido sequer a vontade de confraternizar com pessoas porque, como sabemos, as pessoas são merda.

Mas, curiosamente, não ficou comigo a sensação de que isto não é para mim. O Barroselas é daqueles festivais que dá vontade de lá voltar, e não apenas por razões musicais. É que isto do "convívio" não precisa de ser feito em bando, em rebanho. "Convívio" pode ser a família que me acolhe durante cinco dias sem dissipar a minha timidez. Pode ser os cafés em Ponte de Lima. Pode ser malta de bandas sobre as quais já escrevi. Pode ser amigos de amigos. E, nesse aspecto - auxiliado pela excelente organização deste festival - o meu regresso pode muito bem acontecer, no ano que vem, dependendo da disponibilidade e do cartaz. E do sol. Desde já peço desculpa aos que queriam chuva por ter trazido o sol na minha estreia.

Portanto, acabo de definir dois pontos importantes: adoro metal e odeio metaleiros. Que fazer nesta situação? Meter conversa com os poucos que não são tolos, cravar uns steels, aproveitar para ver concertos impecáveis. E passear-me por essa região maravilhosa que é o Minho, apaixonar-me pela magnífica Correlhã de céu azul, acordar com o cantar dos galos sob temperaturas a rondar os vinte e cinco graus, devorar um arroz de sarrabulho. E assim o verdadeiro convívio é o interior, a paz de espírito que se obtém quando se foge de tudo, especialmente do sul agreste, e se viaja 400km pelo nada e para nada. Romaria agraciada pelo infinito.

Buraka vs. Moonspell? Quem é que se importa com essa merda?

Dia Um

É verdade que existia um dia zero - mas esse foi passado em Braga, a devorar uma francesinha na Taberna Belga e a tentar beber o suficiente para ter vontade de ainda dar um pulo ao local, buscar a pulseirinha e tentar não falar muito mal dos concorrentes ao Wacken (o que é uma tarefa impossível, por isso fiquemos por aqui).

A música a sério começou sexta-feira pela mão dos Repressão Caótica, com o vocalista Gonçalo Costa a mexer-se palco fora, gritando e puxando pelo som, um punk metálico acelerado e pesadíssimo, um punk que nos calha muito bem - porque a dada altura se ouve odeio toda a gente... da sua boca, e logo ali nasce uma afinidade bem jeitosinha que culminou num belo concerto, apreciado sobremaneira pelas dreadlocks que voavam em frente ao quarteto.

Foi este o portão de entrada em direcção ao mundo Metalfest, a entrada antes dos pratos principais, que começaram a ser servidos pelos Lux Ferre, nome de culto dentro da cena black metal nacional e donos de um som-porrada que faria vomitar todos aqueles posicionados junto às colunas (como eu), caso fossem meninos; se bem que, no final, houve realmente um senhor de aspecto cadavérico a vomitar-se, mas cá fora. Culpa da ganza. Salvé Lúcifer, claro.

Importa dizer - até porque o metal não é um género estanque, mesmo que haja quem queira que o seja - que Barroselas é composto pelas mais variadas sonoridades, mas é ainda assim o black metal aquele que mais atraiu, não só pela violência a ele inerente mas também pela teatralidade da coisa, um cheiro podre e genuíno que o death ou o grindcore ou qualquer outra coisa não têm; dos muitos concertos que se viram em Barroselas, o topo dos melhores é composto, quase de forma exclusiva, por bandas do género (mas isso já era expectável, e aqui coloco o meu gosto pessoal acima de tudo). Os Lux Ferre foram uma delas, tendo retirado qualquer vontade de seguir o concerto dos Web, um thrash a roçar o stoner, certinho mas inconsequente, onde a palhaçada dos pulinhos e dos gritos por Barroselas! eram completamente dispensáveis, tal qual os riffs chapados de tudo o resto e a sonolência a eles inerente.

Felizmente, depois houve Naðra, grupo islandês que começa a criar algum ímpeto dentro do círculo black metal (e não só), que editou este ano o seu álbum de estreia, Allir vegir til glötunar. Aqui o som foi épico e grandioso, o vocalista foi um sósia de um Jack Sparrow do cemitério e o concerto (outr)a prova de que o género está bem e recomenda-se, mesmo com a proliferação de lixo a ele associado, como os Deafheaven ou Myrkur. Curiosamente, "lixo" foi também o concerto de Sinistro, substitutos à última hora para os Aborted e um hype que francamente não se percebe: bastaram cinco minutos para perceber que estávamos perante os The Gift do metal. É suposto isso ser valorizado?

Taake era um dos grandes nomes da edição deste ano do Metalfest - e fez por isso, mesmo que tenha surgido no radar após a deglutição de um kebab horroroso, mal enrolado e desprovido da quantidade de carne necessária ao ser humano. A Barroselas, uma banda inteira trouxe um som negro bastante thrashy que haverá de ter ecoado por toda a região, alicerçado na voz e da presença de palco do seu mentor, o admirável Hoest, qual Iggy Pop da facção mais negra do peso. A história também se faz desta imponência. E também se faz de "Det Fins En Prins", malha do último álbum do projecto (Stridens Hus, 2014), que foi provavelmente a homenagem possível a um certo músico falecido no dia zero.

Quanto aos Doom, que começaram o seu set repescando o canónico discurso de Eve Libertine no não menos canónico The Feeding Of The 5000, dos Crass, pouco há a dizer (mesmo tendo ignorado os Hark pelo meio). E pouco há a dizer porque a mensagem deste crust é imperceptível; não é este um género com a ânsiade mudar o mundo? Porquê esconder possíveis slogans no fundo do poço, naquela voz com garra mas sem megafone? O anarquismo é uma opção política bastante saudável, mas não pode ser exclusivamente feito de moshpits. É pena que assim seja, aliás - porque não faz puto de sentido, tal como não faz puto de sentido mandar foder a bófia num festival em que praticamente não há seguranças (e mesmo assim ninguém se magoa). O final da noite acabou por regressar aos píncaros através dos Misþyrming, amiguinhos e colegas dos Naðra, que trouxeram ao palco secundário algum do black metal mais fodido que se ouviu nos últimos anos, ruidoso e ameaçador, o som de uma guerra constante contra a puta da humanidade (ou o bater do coração da queda desta) enquanto o suor lhes escorria graxa abaixo, que este corpsepaint era o de um soldado nas trincheiras. A jarda foi tanta que nem valeu a pena ficar para ver o resto.
· 29 Abr 2016 · 00:19 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com