Festival EDP Paredes de Coura
Paredes de Coura
13-17 Ago 2012
Pedindo antecipadamente desculpa por não poder ver todos os concertos nos dois palcos, assinalo que Willis Earl Beal, que acaba de deixar o palco VodafoneFM, deu um concerto cheio de sangue, suor e, possivelmente, algumas lágrimas. Acompanhado apenas por uma base pré-gravada, qual How To Dress Well da soul-blues, embora com sons mais orgânicos, Willis Earl Beal movimentou-se pelo palco em câmara lenta, e movimentos expressivos, como se quisesse apresentar uma aula de artes marciais. Envergando uma t-shirt negra com a palavra NOBODY, óculos escuros, e luvas pretas sem dedos, mais parecia um guarda-costas durão do que um artista. A sua voz, essa, é impressionante. Um rasgo alto e rouco, a fazer lembrar Otis Redding, a quem só faltaram músicas mais memoráveis. Ele tem-nas, por vezes. Noutras, a sua soul corre o risco de se dispersar para lá da concisão que tantas vezes é importante no género. O público dividiu-se entre os que participaram e aplaudiram, e aqueles que preferiram deixar a tenda, porventura na direcção do palco principal. Mas Willis não esmoreceu, tocou guitarra numa música, e acabou com um número acapella com palmas e pisões no chão. Empenho que tornou as palmas no fim justas.

Os Midlake não têm um som para festivais de jovens vintões portugueses. Pelo menos, não à partida. E também quem sou eu para começar a adivinhar o que é que toda a gente que aqui está gosta? Mesmo sem uma plateia muito volumosa pela frente, o grupo de Tim Smith deu um óptimo concerto. Com uma formação de sete elementos, os Midlake estiveram profundamente coesos, e deram ao seu country-folk-rock de boa estirpe (as barbas não faltam) uma energia que impediu momentos mortos na sua primeira actuação em Portugal. Smith e companheiros têm melodias e harmonias que, se não estão ao nível de uns Fleet Foxes (alguma coisa está?), têm mérito suficiente para que batamos o pé e abanemos a cabeça, e deixemo-nos levar pela sua conjugação feliz com o cenário. Aliás, tem mesmo que haver sempre uma banda em todos os festivais que combine com ele, não é? Surpresa foi também um monólogo em português do teclista Evan Jacobs a dar as boas vindas ao público. Os texanos, cuja linhagem tanto parte da América de Laurel Canyon, como de Inglaterra (mais a primeira hoje), tocaram com convicção as suas músicas, e mostraram que, ao contrário do que aconteceu com Stephen Malkmus, a "tradição" pode ser apresentada com empenho.

Foi muito bonito ver a encosta de Coura cheia de gente pela primeira vez este ano. O que não foi, nem de perto nem de longe, tão bonito, foi ter que aturar a música dos The Temper Trap enquanto tal coisa ocorria. Os Temper Trap são, sem tirar nem pôr, a combinação de todos os pesadelos com rock de estádio dos 80s que um mundo pós-Coldplay pode oferecer. Sem pingo de imaginação ou originalidade, a banda de Dougy Mandagi é um perfeito emissor de clichés. Sucedem-se uns atrás dos outros, sem dó nem piedade. Pensamos num A-Ha sem talento a querer gravar uma série interminável de "Hunting High And Low". Nos já mencionados Coldplay tomados de assalto por melodias de Mariah Carey e Whitney Houston. O resto, enfim, deixo à vossa imaginação. Afinal de contas, mesmo que não tenham lá estado, deve haver vídeos do Live Aid 1986 à disposição no YouTube. Se há coisa que salva esta actuação, é mesmo a participação do público, que esteve do lado dos australianos desde o princípio. E isso é de louvar. Mas elogiar a música está para além de toda e qualquer possibilidade minha. Os Temper Trap têm potencial para estar no Rock In Rio em 2014 ou 2016. Que os nossos caminhos não se voltem a cruzar.

Regresso agora de uma frente de palco que se encheu de mosh, pogoing, crowdsurfing, e doses cavalares de energia para receber os Sleigh Bells. Alexis Krauss, Derek Trucks e um segundo guitarrista corresponderam às expectativas que tinha amontoado para a sua vinda, e deram um concerto feroz, felino e de alta voltagem. Alexis é uma verdadeira pantera trashy na forma como se passeia pelo palco, podendo causar inveja a Alison Mosshart e Karen O. Capaz de murmurar em registo perto do dream pop como em "End Of The Line", passa num instante à estridência orgásmica de "Riot Rhythm". As guitarras, com uma parede respeitável de amplificadores por detrás, como que chocam frontalmente com os poderosos beats pré-gravados, e saem direitas à fábrica de serotonina do nosso corpo. É difícil dizer qual foi a reacção geral da encosta, visto que este era "O" concerto para ver lá junto à acção. Ainda assim, por alguma razão Alexis terá dito que não esperava tamanho entusiasmo da sua "claque" portuguesa. Foi ver tantas vezes o pavio encolher até à explosão de som no palco, e de movimento na plateia. Depois de um crowd surfing da vocalista, tudo terminou com o povo e Alexis a cantar o mantra de "A/B Machines". Os Sleigh Bells conseguiram a perfeição noise-pop em disco. E em palco são maravilhosamente explosivos!

Já há muito que se deixou de falar em Captain Beefheart e Frank Zappa como rodas motrizes principais da música dos Deus. Hoje em dia, a banda belga não soa a ninguem a não ser a si própria, e apesar de não estar propriamente a jogar em casa, dada a sua veterania, deu mais um excelente concerto a adicionar ao seu impressionante palmarés português. O rock dos Deus é um rock elegantemente agreste, onde a voz quase-roufenha de Tom Barman convive alegremente com a aspereza das guitarras, baixo, bateria, teclas e violino. Sendo que, dentro do terreno espinhosos, os Deus têm a mestria para sacar sempre uma melodia de alto gabarito, ou rock de elevado teor cinético. Mas, apesar de todos estes elogios, o que ganhou esta noite foi a fabulosa atitude dos Deus, dispostos a demonstrarem que não é um cartaz de novatos que os vai intimidar. Barman e companheiros puxam constantemente pelo público, atacam as guitarras e restantes instrumentos com fervor de quem está a dar o seu primeiro concerto de sempre. Diga-se que a setlist não foi exactamente "amigável". O que só abona a favor da banda, digo eu. Enquanto continuarem a dar concertos assim, bem podem apostar nos vários vértices do seu catálogo.

Apesar dos pedidos de encore, tudo indica que os Digitalism terão acabado de fechar o palco principal da terceira noite de Paredes de Coura. O duo alemão de Jens Moelle e Ismail Tufekçi trouxe o techno de estádio que se pode arranjar numa fase em que os Daft Punk continuam a prometer mais discos do que lançam, os Justice andam por outros festivais, e Skrillex...bem, é melhor não descer o nível. Não se pode dizer que aquilo que os Digitalism façam não seja funcional. Por todo o lado se podiam ver pessoas a dançar, e os seus riffs de sintetizador têm a consistência adequada à ocasião. Onde pecam é sobretudo nos momentos mais calmos. Não só porque arriscam sons que se aproximam demasiado do trance, mas também porque, vocalmente, não têm a capacidade de transformar techno agressivo em bela synth-pop. E outro problema de música de dança funcional, é que a certa altura deixamos de procurar subtilezas e desvios que surpreendam. Na verdade, deixamos de ligar seja ao que fôr. Tudo se dissolve numa papa indistinta, e torna-se cansativo. Os Digitalism irão fechar mais festivais na sua carreira, é quase certo. Mas ainda lhes falta muito para poderem dizer "Dubnobasswithmyheadman".
· 16 Ago 2012 · 21:19 ·
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com

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