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Festival EDP Paredes de Coura
Paredes de Coura
13-17/08/2012


São 17:15 do 2º dia quando escrevo isto e, para já, a chuva faz-se grossa e ininterrupta há mais ou menos 17 horas. Paredes de Coura 2012 faz inveja a qualquer Glastonbury em termos metereológicos. E pensar que estava sol quando pousei as malas da residencial. Compensa o lindo cenário que sempre se vislumbra por aqui, bem como o ambiente leve, amigável e descontraído, cuja semelhança com outros festivais que não irei mencionar será pura coincidência.

Num dia em que apenas o palco da tenda Vodafone FM esteve aberto, os concertos deram o arranque com os novatos Brass Wires Orchestra, grupo de oito elementos cuja dívida ao folk-pop inglês, nomeadamente aos Mumford & Sons, não deixou quaisquer dúvidas. Os próprios encarregaram-se de o dizer, afinal de contas. Concerto alegre e vivaço, com um vocalista bem competente no encarnar das vocalizações e das pronúncias da folk. De tal forma que diria que ninguém se importaria de o ouvir cantar num pub com música ao vivo, embora música desta peça grandes espaços. Os BWO apresentam também um trio de sopros que alegrou um público entusiasta, e que deixou a ideia de, no futuro, poder cruzar o que se ouviu com sons de bandas como os Calexico (ou de festival Eurovisão - cuidado). A seguir com atenção.

Já os Salto não precisam de folk no nome para saber que o que querem seguir é a pop. Ora mais para a synth, ora mais para a new-wave. Felizmente, são bastante superiores, talvez por uma ausência de afectação, de aberrações do passado como os Loto e os Plaza. Embora os sintetizadores não tenham o mesmo tipo e dose de utilização, a combinação de euforia com alguma doce amargura trás à memória os Cut Copy ou os Junior Boys. O concerto correu escorreito, com a banda animada e comunicativa, e o público disposto a dançar e bater palmas. Os Salto têm bastante potencial, mas ao mesmo tempo há que dizer que ainda lhes falta a mestria melódica dos nomes atrás referidos, perdendo-se a pop de vez em quando. E é de desconfiar quando se deixa o hit para o fim. Isso é correr o risco de ser one-hit wonder por vontade própria.

Dos League, é pouco provável que a história reze. Para lá de assimilarem uma série de elementos e características dos malfadados "chillwave" e "hypnagogic pop" (vozes com eco: check ; synths retro: check ; melodias 80s foleiras: check), não apresentaram em palco uma atitude capaz de contagiar o público. Talvez tenha sido de estar fora da tenda (prefiro a chuva ao calor lá de dentro), mas não só as vozes de palco entre as músicas pareceram imperceptíveis, como não se sentiu grande vontade de puxar pelo público, sobretudo se comparados com as bandas anteriores. Coura, em suma, não é California.

Resta B Fachada, cabeça de cartaz desta primeira noite. Um artista com o estatuto de culto já conquistado por este podertia trazer uma banda completa, e dar um show de festival. Mas Bernardo Fachada quis apenas ser ele, uma caixa de ritmos, um teclado, e de vez em quando uma guitarra. E o certo é que funcionou, chegou e sobrou. As músicas de "Criôlo", o seu disco mais recente, foram capazes de pôr muita gente a dançar os seus ritmos retro-afro-80s, e as melodias com o espírito pop suficiente para sobressaír pelo meio destes. Num espírito algures entre José Barata Moura, Sérgio Godinho e o Duo Ouro Negro circa 1982, Fachada apenas pecou por acabar depressa demais o concerto. Embora tenha sido o único a voltar para um encore. Coura não é California, nem Luanda, nem Maputo. Só que o carisma e o talento melódico contam muito!Cameron Stallones, também conhecido por Sun Araw, e um companheiro de nome desconhecido, teriam sofrido às mãos do público nos dias negros do Impé...digo, dos Guano Apes. Estando nós em 2012, houve uma tenda com gente atenta, com muitos corpos a baloiçar ao som difícil de classificar deste homem que, fisicamente, parece uma versão anémica de Dave Grohl. Os écrans apresentavam imagens de vida vegetal, o que vem a calhar. Há momentos em que a música dos Sun Araw recorda o álbum "Ghost Plants" dos Thuja. Só que isso é apenas uma parte de um psicadelismo onde os sons parecem irromper de várias direcções ao mesmo tempo, e o groove é uma presença em todas as alturas. Cameron, de boné a dizer Jamaica, lembrança da sua gravação com os The Congos, tocou sobretudo guitarra, e teclados, com a ajuda de alguns samples e loops, enquanto o seu companheiro dedicou-se também à guitarra. Foi uma boa maneira de tocarem ao despique, puxando o olhar do público para o seu vórtice instrumental, e criando o que se pode qualificar como o primeiro grande concerto de Paredes de Coura 2012.

Japandroids 1 Chuva 0. Quando começou o concerto dos canadianos fiquei na dúvida sobre o que conseguiria bater mais rapidamente e com mais força. Pois bem, quando chegou "Young Hearts Spark Fire", foi hora de tirar o capuz e apreciar um raro momento sem pingos a bater neste. Brian King e David Prowse parecem ainda não acreditar na sorte que têm em conseguir andar a mostrar a sua música pelos palcos do mundo inteiro. Se pensarmos que saíram sob os gritos de "JAPANDROIDS! JAPANDROIDS!" da multidão que encheu a tenda, ainda mais incrédulos se sentirão. Não há grande segredo na música dos Japandroids. São uma dupla de guitarra e bateria, como tantas que têm aparecido, e têm melodias a roçar o punk-rock, cheias de "WOAH-OH-OH"s e "OH YEAH"s. São uma versão mais melodiosa, mas nem por isso menos agressiva, dos No Age, com todos os ingredientes para agradar a um público sedento de movimento e vitaminas. Talvez tenha sido pena a duração relativamente curta do espectáculo. Prowse e King tiveram que tocar fast & furious. Ainda assim, suspeito que essas serão as condições atmosféricas ideais para apreciar um concerto dos Japandroids. E suspeito também que quererão voltar cá.

Pangeia devia ser um sítio fixe para se viver. Nova Iorque, África, Nova Zelândia e tantos outros sítios colados uns aos outros? Que música não saíria daí? Ninguém adivinha, só que Merrill Garbus e os Tune-Yards são candidatos a ganhar esse específico Euromilhões. Não são precisas guitarras aqui. Basta Merrill com um tomtom e uma tarola, um ukelele, um teclado e pedais de loops, mais um baixista, e dois saxofonistas (um tenor e um barítono). E o que sai daí dir-se-ia semelhante ao que St. Vincent faria se procurasse gravar uma versão de memória de "Free Pop" dos Pop Dell'Arte, com muita euforia no lugar de alguma (nada contra, atenção) afectação dos portugueses. O público foi depressa contagiado pela música dos Tune-Yards, acabando a actuação numa dança frenética. É incrível como disto saem grandes melodias. Merrill lança cânticos tribais, sampla-os e loopa-os, faz agudos longos e estridentes. Os saxofones sabem marcar ritmo como no funk ou desvairar como no free jazz. O baixo distorce-se e afunkalha o ukelele de Merrill. Tudo combinado, a euforia, as palmas e os gritos foram gerais, a prosseguir uma noite até agora memorável em Coura.

E ela voltou, com sede de vingança. Stephen Malkmus & The Jicks foram a banda que teve o prazer dúbio de receber a maior queda de água até agora de Coura 2012. E o público, esse, teve o prazer dúbio de receber uma lenda do indie-rock demasiado ensimesmada/modesta (riscar o que não interessa) para puxar devidamente por uma plateia de festival. Para além de não olhar três quartos do tempo para o público, preferindo fazê-lo de lado para os seus colegas de banda, também não diz palavra entre músicas, limitando-se a desfilar umas a seguir às outras. São, portanto, estas que têm que fazer o concerto valer alguma coisa. Elas são inconfundivelmente Malkmusianas, naqueles terjeitos inesperados que não percebemos se estão a sabotar a melodia com uma não-melodia, ou vice-versa. Não se pode falar numa mudança radical em relação à sua banda anterior, os mui merecidamente louvados Pavement. Talvez isso ocorra sobretudo nos solos de guitarra com que acabam boa parte das músicas. Só que isso acabou por ser indiferente. O público, pelo menos fora da tenda, dispersou à medida que o concerto decorria. Houve teasers de canções dos Pavement, mas já se sabe que eles não toca. Não é preciso ser Guns N'Roses, mas este tímido rapaz de franja podia ter dado mais de si.

Se Malkmus foi mais música que atitude, os Friends foram exactamente o contrário. Liderados por uma Samantha Urbani envergando um boné saído directamente de um teledisco de Mel & Kim, a sua música tem tudo de Nova Iorque circa-1980/3 que se pode imaginar. Imagine-se que Madonna, ao invés de se ter dedicado a impressionar "Jellybean" Benitez, teria pedido ajuda aos Konk, às ESG, e a Lizzy Mercier Descloux. Até aí, parece uma ideia tentadora. Só que as músicas dos Friends são por demais desnutridas, preferindo caminhos MTV da época referida ao aço groovy que caracterizava o que se convencionou chamar de punk-funk. Urbani tentou tudo para impressionar a assistência, claro. Fez duas vezes crowd-surfing, usou uma camisola de alças com PUSSY RIOT nela escrita, e disse uma série de baboseiras atrapalhadas sobre energias, poliamor e elogios ao público. Os restantes membros da banda - baixo, teclas/guitarra e bateria - limitaram-se aos seus papéis secundários. Não penso já classificar os Friends de aparição fugaz no mundo dos melómanos. Há potencial para mais. Talvez mais tempo a praticar o ritmo e menos a pensar em transferências de pensamento?

A enchente que os recebeu, bem como a participação e gritos constantes do público, proporcionou aos Paus toda a legitimidade para fecharem esta segunda noite de Paredes de Coura. É de louvar o facto de uma banda quase-instrumental, com um formato peculiar (dois bateristas - uma bateria, um organista e um baixista/organista), causar este tipo de banhos de multidão por onde passa. Mas o facto é que os Paus têm no seu arsenal uma série de choques frontais com o plexo solar da assistência. Venha da forma como Joaquim Albergaria e Hélio Martins atacam a bateria, de como o baixo de Makoto Yagyu se distorce e zumbe por cima dos ritmos, ou de como as teclas de João Pereira agem qual cabo de alta tensão às chicotadas. Pode não ter sido um concerto perfeito. Dispensava-se um momento de semi-karaoke de Albergaria - embora o adlib de "Umbrella" tenha sido divertido - e o set pareceu algo desiquilibrado com as músicas mais mexidas concentradas ao início. Facto que, no entanto, foi compensado com uma excelente "Pelo Pulso" no fim. Em suma, é mais uma marca no revólver dos Paus. Só foi pena as menções à vida privada de alguém. Um perfeito caso de Inoportunismo Japon.Pedindo antecipadamente desculpa por não poder ver todos os concertos nos dois palcos, assinalo que Willis Earl Beal, que acaba de deixar o palco VodafoneFM, deu um concerto cheio de sangue, suor e, possivelmente, algumas lágrimas. Acompanhado apenas por uma base pré-gravada, qual How To Dress Well da soul-blues, embora com sons mais orgânicos, Willis Earl Beal movimentou-se pelo palco em câmara lenta, e movimentos expressivos, como se quisesse apresentar uma aula de artes marciais. Envergando uma t-shirt negra com a palavra NOBODY, óculos escuros, e luvas pretas sem dedos, mais parecia um guarda-costas durão do que um artista. A sua voz, essa, é impressionante. Um rasgo alto e rouco, a fazer lembrar Otis Redding, a quem só faltaram músicas mais memoráveis. Ele tem-nas, por vezes. Noutras, a sua soul corre o risco de se dispersar para lá da concisão que tantas vezes é importante no género. O público dividiu-se entre os que participaram e aplaudiram, e aqueles que preferiram deixar a tenda, porventura na direcção do palco principal. Mas Willis não esmoreceu, tocou guitarra numa música, e acabou com um número acapella com palmas e pisões no chão. Empenho que tornou as palmas no fim justas.

Os Midlake não têm um som para festivais de jovens vintões portugueses. Pelo menos, não à partida. E também quem sou eu para começar a adivinhar o que é que toda a gente que aqui está gosta? Mesmo sem uma plateia muito volumosa pela frente, o grupo de Tim Smith deu um óptimo concerto. Com uma formação de sete elementos, os Midlake estiveram profundamente coesos, e deram ao seu country-folk-rock de boa estirpe (as barbas não faltam) uma energia que impediu momentos mortos na sua primeira actuação em Portugal. Smith e companheiros têm melodias e harmonias que, se não estão ao nível de uns Fleet Foxes (alguma coisa está?), têm mérito suficiente para que batamos o pé e abanemos a cabeça, e deixemo-nos levar pela sua conjugação feliz com o cenário. Aliás, tem mesmo que haver sempre uma banda em todos os festivais que combine com ele, não é? Surpresa foi também um monólogo em português do teclista Evan Jacobs a dar as boas vindas ao público. Os texanos, cuja linhagem tanto parte da América de Laurel Canyon, como de Inglaterra (mais a primeira hoje), tocaram com convicção as suas músicas, e mostraram que, ao contrário do que aconteceu com Stephen Malkmus, a "tradição" pode ser apresentada com empenho.

Foi muito bonito ver a encosta de Coura cheia de gente pela primeira vez este ano. O que não foi, nem de perto nem de longe, tão bonito, foi ter que aturar a música dos The Temper Trap enquanto tal coisa ocorria. Os Temper Trap são, sem tirar nem pôr, a combinação de todos os pesadelos com rock de estádio dos 80s que um mundo pós-Coldplay pode oferecer. Sem pingo de imaginação ou originalidade, a banda de Dougy Mandagi é um perfeito emissor de clichés. Sucedem-se uns atrás dos outros, sem dó nem piedade. Pensamos num A-Ha sem talento a querer gravar uma série interminável de "Hunting High And Low". Nos já mencionados Coldplay tomados de assalto por melodias de Mariah Carey e Whitney Houston. O resto, enfim, deixo à vossa imaginação. Afinal de contas, mesmo que não tenham lá estado, deve haver vídeos do Live Aid 1986 à disposição no YouTube. Se há coisa que salva esta actuação, é mesmo a participação do público, que esteve do lado dos australianos desde o princípio. E isso é de louvar. Mas elogiar a música está para além de toda e qualquer possibilidade minha. Os Temper Trap têm potencial para estar no Rock In Rio em 2014 ou 2016. Que os nossos caminhos não se voltem a cruzar.

Regresso agora de uma frente de palco que se encheu de mosh, pogoing, crowdsurfing, e doses cavalares de energia para receber os Sleigh Bells. Alexis Krauss, Derek Trucks e um segundo guitarrista corresponderam às expectativas que tinha amontoado para a sua vinda, e deram um concerto feroz, felino e de alta voltagem. Alexis é uma verdadeira pantera trashy na forma como se passeia pelo palco, podendo causar inveja a Alison Mosshart e Karen O. Capaz de murmurar em registo perto do dream pop como em "End Of The Line", passa num instante à estridência orgásmica de "Riot Rhythm". As guitarras, com uma parede respeitável de amplificadores por detrás, como que chocam frontalmente com os poderosos beats pré-gravados, e saem direitas à fábrica de serotonina do nosso corpo. É difícil dizer qual foi a reacção geral da encosta, visto que este era "O" concerto para ver lá junto à acção. Ainda assim, por alguma razão Alexis terá dito que não esperava tamanho entusiasmo da sua "claque" portuguesa. Foi ver tantas vezes o pavio encolher até à explosão de som no palco, e de movimento na plateia. Depois de um crowd surfing da vocalista, tudo terminou com o povo e Alexis a cantar o mantra de "A/B Machines". Os Sleigh Bells conseguiram a perfeição noise-pop em disco. E em palco são maravilhosamente explosivos!

Já há muito que se deixou de falar em Captain Beefheart e Frank Zappa como rodas motrizes principais da música dos Deus. Hoje em dia, a banda belga não soa a ninguem a não ser a si própria, e apesar de não estar propriamente a jogar em casa, dada a sua veterania, deu mais um excelente concerto a adicionar ao seu impressionante palmarés português. O rock dos Deus é um rock elegantemente agreste, onde a voz quase-roufenha de Tom Barman convive alegremente com a aspereza das guitarras, baixo, bateria, teclas e violino. Sendo que, dentro do terreno espinhosos, os Deus têm a mestria para sacar sempre uma melodia de alto gabarito, ou rock de elevado teor cinético. Mas, apesar de todos estes elogios, o que ganhou esta noite foi a fabulosa atitude dos Deus, dispostos a demonstrarem que não é um cartaz de novatos que os vai intimidar. Barman e companheiros puxam constantemente pelo público, atacam as guitarras e restantes instrumentos com fervor de quem está a dar o seu primeiro concerto de sempre. Diga-se que a setlist não foi exactamente "amigável". O que só abona a favor da banda, digo eu. Enquanto continuarem a dar concertos assim, bem podem apostar nos vários vértices do seu catálogo.

Apesar dos pedidos de encore, tudo indica que os Digitalism terão acabado de fechar o palco principal da terceira noite de Paredes de Coura. O duo alemão de Jens Moelle e Ismail Tufekçi trouxe o techno de estádio que se pode arranjar numa fase em que os Daft Punk continuam a prometer mais discos do que lançam, os Justice andam por outros festivais, e Skrillex...bem, é melhor não descer o nível. Não se pode dizer que aquilo que os Digitalism façam não seja funcional. Por todo o lado se podiam ver pessoas a dançar, e os seus riffs de sintetizador têm a consistência adequada à ocasião. Onde pecam é sobretudo nos momentos mais calmos. Não só porque arriscam sons que se aproximam demasiado do trance, mas também porque, vocalmente, não têm a capacidade de transformar techno agressivo em bela synth-pop. E outro problema de música de dança funcional, é que a certa altura deixamos de procurar subtilezas e desvios que surpreendam. Na verdade, deixamos de ligar seja ao que fôr. Tudo se dissolve numa papa indistinta, e torna-se cansativo. Os Digitalism irão fechar mais festivais na sua carreira, é quase certo. Mas ainda lhes falta muito para poderem dizer "Dubnobasswithmyheadman".Com a sol já a brilhar sem impedimentos em Paredes de Coura, foi uma encosta meio despida aquela que recebeu a vinda dos Gang Gang Dance, banda de abertura do palco principal deste dia. E, diga-se de passagem, a banda de Lizzy Bougatsos (voz) e Brian DeGraw (teclas) apenas a espaços esteve à altura do serviço que se pretende a uma banda nesta posição do cartaz. Se em disco as partes mais diáfanas da música dos GGD são recebidas com o prazer de quem sabe que a "recompensa" chegará em breve, para além de terem igualmente uma beleza prismática, em palco prolongaram-se por demais, arriscando a acusação de auto-indulgência. Bougatsos, dona de uma voz que atravessa o éter como um raio laser em tons agudos, alterna entre os momentos cantados, e o bater em diverso material percutivo que tinha à sua disposição, desde bongos a espanta-espíritos. Mas a "estrela" do espectáculo acaba por ser Brian DeGraw, que das suas teclas, caixas de efeitos e samples tira sons lúdicos e psicadélicos que se enroscam em volta dos colegas de banda. Com muita percussão à la No-Neck Blues Band, melodias tiradas às regiões mediterrânicas, e um quê de Animal Collective, muito mais seria de esperar dos GGD. Há locais onde as divagações fariam mais sentido.

Não terá surpreendido ninguém quer o cigarro ao canto da boca, quer os goles da lata de Super Bock, sem falar no cálice de vinho, que John McCauley mostrou perante todos durante o concerto dos seus Deer Tick. A primeira coisa que chama a atenção é como o look estrela-de-rock de McCauley contrasta com o ar demasiado-betinho-para-os-Vampire-Weekend do baixista Christopher Dale Ryan. Primeira coisa em termos visuais, claro. Pois musicalmente o que chama a atenção é o cocktail preparado e apresentado com convicção, de southern-rock, country-rock e roots-rock. Não há nada que se pareça com "indie" por estas paragens. Os Deer Tick querem rockar, e assim fizeram durante todo o concerto. Estão aqui todas as condicionantes para se dar um óptimo espectáculo. Só que há um problema não negligenciável. Os Deer Tick, onde as vozes da McCauley e Ian O'Neil trazem à memória o romantismo desesperado de Hamilton "The Walkmen" Leithauser (tirando o romance), não têm a mesma capacidade de prender a atenção durante as músicas mais lentas. E aí, o lado derivativo da banda sobressai, ao contrário, por exemplo, de uns Titus Andronicus. Foi um bom e empenhado concerto. Só a música é que ainda precisa de se emancipar.

Anna Calvi começou o espectáculo atrasada, o que me teria dado oportunidade de ver até ao fim os School Of Seven Bells. Portanto, estava à partida com uma atitude de "Vá lá, compensa-me!" Resultado? Um sucesso moderado. Calvi tem óptimas canções em disco. O seu álbum de estreia é um trabalho excelente. Só que ao vivo é difícil, nas partes mais calmas, sentir a mesma tensão e coração apertado que se consegue em disco. O som não está particularmente poderoso, e, sem as power-chords que tanto são do seu agrado, a música soa mais anémica do que se recomenda num palco de festival. Tudo muda, felizmente, quando a guitarra sobe de tom, a bateria lança-se ao ataque, e Calvi canta com novo empenho na voz. Talvez até sinta mais conforto nas covers. Tocou três, e todas excelentes: Elvis Presley ("Surrender"), TV On The Radio ("Wolf Like Me") e Edith Piaf ("Jezebel"). Mostrou-se mais solta, mais empenhada, mais adequada a encher o espectro sonoro da encosta de Paredes de Coura. O final, com uma óptima versão de "Love Won't Be Leaving", também merece destaque, por ter trazido a carnalidade que faltou noutras músicas. Esperemos que Anna Calvi volte, mas agora com novo material e novas energias.

A vida dos Kasabian tem sido uma sucessão de etapas para chegar a alturas como esta. Se é verdade que conquistaram algum público desde o primeiro disco, não o é menos que têm subido nos cartazes de festival, e nos recintos em que tocam. Tudo graças a uma atitude de estrela rock, que se tornou uma profecia auto-realizada, da parte de Tom Meighan (voz) e Serge Pizzorno (guitarra). A linhagem é óbvia, e toda a gente sabe qual é. Ian Brown + Liam Gallagher. O que distingue os Kasabian do restante britrock populista será a participação notória da electrónica e dos teclados, os quais, junto com a secção rítmica, aumentam forte e feio o rácio de groove de várias das músicas da banda de Leicester. Tendo perante si a maior enchente até agora, os Kasabian proporcionaram uma festa de saltos, danças, coros, e muito, muito crowd-surfing. Os singles aparecem todos. "Shoot The Runner", "Velociraptor", "Empire", a muitíssimo participada "L.S.F.", e um encore que contou com uma "Vlad The Impaler" altamente agressiva e a pôr toda a gente eufórica. "I'm On Fire" foi a escolha óbvia para encerrar um concerto que deixa antever que, enquanto souberem escrever refrões para cantar e dançar assim, os Kasabian continuarão a andar por palcos destes.

Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com
16/08/2012