Festival EDP Paredes de Coura
Paredes de Coura
13-17 Ago 2012
Cameron Stallones, também conhecido por Sun Araw, e um companheiro de nome desconhecido, teriam sofrido às mãos do público nos dias negros do Impé...digo, dos Guano Apes. Estando nós em 2012, houve uma tenda com gente atenta, com muitos corpos a baloiçar ao som difícil de classificar deste homem que, fisicamente, parece uma versão anémica de Dave Grohl. Os écrans apresentavam imagens de vida vegetal, o que vem a calhar. Há momentos em que a música dos Sun Araw recorda o álbum "Ghost Plants" dos Thuja. Só que isso é apenas uma parte de um psicadelismo onde os sons parecem irromper de várias direcções ao mesmo tempo, e o groove é uma presença em todas as alturas. Cameron, de boné a dizer Jamaica, lembrança da sua gravação com os The Congos, tocou sobretudo guitarra, e teclados, com a ajuda de alguns samples e loops, enquanto o seu companheiro dedicou-se também à guitarra. Foi uma boa maneira de tocarem ao despique, puxando o olhar do público para o seu vórtice instrumental, e criando o que se pode qualificar como o primeiro grande concerto de Paredes de Coura 2012.

Japandroids 1 Chuva 0. Quando começou o concerto dos canadianos fiquei na dúvida sobre o que conseguiria bater mais rapidamente e com mais força. Pois bem, quando chegou "Young Hearts Spark Fire", foi hora de tirar o capuz e apreciar um raro momento sem pingos a bater neste. Brian King e David Prowse parecem ainda não acreditar na sorte que têm em conseguir andar a mostrar a sua música pelos palcos do mundo inteiro. Se pensarmos que saíram sob os gritos de "JAPANDROIDS! JAPANDROIDS!" da multidão que encheu a tenda, ainda mais incrédulos se sentirão. Não há grande segredo na música dos Japandroids. São uma dupla de guitarra e bateria, como tantas que têm aparecido, e têm melodias a roçar o punk-rock, cheias de "WOAH-OH-OH"s e "OH YEAH"s. São uma versão mais melodiosa, mas nem por isso menos agressiva, dos No Age, com todos os ingredientes para agradar a um público sedento de movimento e vitaminas. Talvez tenha sido pena a duração relativamente curta do espectáculo. Prowse e King tiveram que tocar fast & furious. Ainda assim, suspeito que essas serão as condições atmosféricas ideais para apreciar um concerto dos Japandroids. E suspeito também que quererão voltar cá.

Pangeia devia ser um sítio fixe para se viver. Nova Iorque, África, Nova Zelândia e tantos outros sítios colados uns aos outros? Que música não saíria daí? Ninguém adivinha, só que Merrill Garbus e os Tune-Yards são candidatos a ganhar esse específico Euromilhões. Não são precisas guitarras aqui. Basta Merrill com um tomtom e uma tarola, um ukelele, um teclado e pedais de loops, mais um baixista, e dois saxofonistas (um tenor e um barítono). E o que sai daí dir-se-ia semelhante ao que St. Vincent faria se procurasse gravar uma versão de memória de "Free Pop" dos Pop Dell'Arte, com muita euforia no lugar de alguma (nada contra, atenção) afectação dos portugueses. O público foi depressa contagiado pela música dos Tune-Yards, acabando a actuação numa dança frenética. É incrível como disto saem grandes melodias. Merrill lança cânticos tribais, sampla-os e loopa-os, faz agudos longos e estridentes. Os saxofones sabem marcar ritmo como no funk ou desvairar como no free jazz. O baixo distorce-se e afunkalha o ukelele de Merrill. Tudo combinado, a euforia, as palmas e os gritos foram gerais, a prosseguir uma noite até agora memorável em Coura.

E ela voltou, com sede de vingança. Stephen Malkmus & The Jicks foram a banda que teve o prazer dúbio de receber a maior queda de água até agora de Coura 2012. E o público, esse, teve o prazer dúbio de receber uma lenda do indie-rock demasiado ensimesmada/modesta (riscar o que não interessa) para puxar devidamente por uma plateia de festival. Para além de não olhar três quartos do tempo para o público, preferindo fazê-lo de lado para os seus colegas de banda, também não diz palavra entre músicas, limitando-se a desfilar umas a seguir às outras. São, portanto, estas que têm que fazer o concerto valer alguma coisa. Elas são inconfundivelmente Malkmusianas, naqueles terjeitos inesperados que não percebemos se estão a sabotar a melodia com uma não-melodia, ou vice-versa. Não se pode falar numa mudança radical em relação à sua banda anterior, os mui merecidamente louvados Pavement. Talvez isso ocorra sobretudo nos solos de guitarra com que acabam boa parte das músicas. Só que isso acabou por ser indiferente. O público, pelo menos fora da tenda, dispersou à medida que o concerto decorria. Houve teasers de canções dos Pavement, mas já se sabe que eles não toca. Não é preciso ser Guns N'Roses, mas este tímido rapaz de franja podia ter dado mais de si.

Se Malkmus foi mais música que atitude, os Friends foram exactamente o contrário. Liderados por uma Samantha Urbani envergando um boné saído directamente de um teledisco de Mel & Kim, a sua música tem tudo de Nova Iorque circa-1980/3 que se pode imaginar. Imagine-se que Madonna, ao invés de se ter dedicado a impressionar "Jellybean" Benitez, teria pedido ajuda aos Konk, às ESG, e a Lizzy Mercier Descloux. Até aí, parece uma ideia tentadora. Só que as músicas dos Friends são por demais desnutridas, preferindo caminhos MTV da época referida ao aço groovy que caracterizava o que se convencionou chamar de punk-funk. Urbani tentou tudo para impressionar a assistência, claro. Fez duas vezes crowd-surfing, usou uma camisola de alças com PUSSY RIOT nela escrita, e disse uma série de baboseiras atrapalhadas sobre energias, poliamor e elogios ao público. Os restantes membros da banda - baixo, teclas/guitarra e bateria - limitaram-se aos seus papéis secundários. Não penso já classificar os Friends de aparição fugaz no mundo dos melómanos. Há potencial para mais. Talvez mais tempo a praticar o ritmo e menos a pensar em transferências de pensamento?

A enchente que os recebeu, bem como a participação e gritos constantes do público, proporcionou aos Paus toda a legitimidade para fecharem esta segunda noite de Paredes de Coura. É de louvar o facto de uma banda quase-instrumental, com um formato peculiar (dois bateristas - uma bateria, um organista e um baixista/organista), causar este tipo de banhos de multidão por onde passa. Mas o facto é que os Paus têm no seu arsenal uma série de choques frontais com o plexo solar da assistência. Venha da forma como Joaquim Albergaria e Hélio Martins atacam a bateria, de como o baixo de Makoto Yagyu se distorce e zumbe por cima dos ritmos, ou de como as teclas de João Pereira agem qual cabo de alta tensão às chicotadas. Pode não ter sido um concerto perfeito. Dispensava-se um momento de semi-karaoke de Albergaria - embora o adlib de "Umbrella" tenha sido divertido - e o set pareceu algo desiquilibrado com as músicas mais mexidas concentradas ao início. Facto que, no entanto, foi compensado com uma excelente "Pelo Pulso" no fim. Em suma, é mais uma marca no revólver dos Paus. Só foi pena as menções à vida privada de alguém. Um perfeito caso de Inoportunismo Japon.
· 16 Ago 2012 · 21:19 ·
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com

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