All Points West Music & Arts Festival
Liberty State Park, New Jersey
8-10 Ago 2008
Havia várias formas de lá chegar mas nenhuma tão “romântica” como de ferry, deixando Manhattan de costas e a Estátua da Liberdade mesmo em frente. A uma viagem de 10 minutos de ferry de Nova Iorque ficava Liberty State Park (já em New Jersey), local semi-paradisíaco onde se podiam observar os arranha-céus do downtown de Manhattan como tela lateral ao festival. A ilha era naquele fim-de-semana o local de refúgio dos amantes da música nova-iorquinos (e de tantos outros), exaltados sobretudo pela dupla aparição dos Radiohead mas também por um conjunto de ofertas interessantes – durante três dias. O preço do bilhete para os três dias não era propriamente barato (quase 250 dólares), mas quem chegava ao recinto deparava-se com condições ideais para se assistir a um festival de música: tendas de comida para todos os gostos (e com poucas filas), segurança evidente, merchandise dos artistas em doses massivas e um recinto totalmente preparado para receber concertos. O único “senão” era a controlo alcoólico: menores não bebem, e, de acordo com a idade, limite no número de bebidas.

The Go! Team © Angela Costa

Naquela tarde meia chuvosa o que primeiro chamava a atenção era a actuação dos britânicos The Go! Team que brindaram o público com aquilo que sabem fazer: canções enérgicas servidas com interminável força. Musicalmente tudo é musculado e vigoroso mas é realmente na presença da vocalista Ninja que os Go! Team empurram as coisas para a frente. Ela que canta em entusiasta freestyle, lidera um grupo que faz das tripas coração para fundir o rock com o hip hop – com resultados bem satisfatórios. Existem outros casos de grande sucesso mas “Grip like a Vice” é de facto aquela que melhor espelha o interesse que há nestes Go! Team. Uma coisa é certa: é complicado alguém exclamar aborrecimento perante uma actuação destes de Brighton.

A chuva chegou entretanto mas havia de desaparecer algum tempo depois. Quando os New Pornographers subiram a palco já nem se falava disso e quase sem que se desse por isso nasceu mesmo ali um arco-íris no horizonte. Coincidência ou não, agradecendo ou não a bonança, os New Pornographers ofereceram um bom set de canções (mais ou menos “lengrinhas”, como alguém dizia no público). A legião de fãs que se apresentou em grande número teve a oportunidade de sugar sentimento a canções como “Use It”, “Bleeding Heart Show” ou a belíssima “Adventures in Solitude” e sentir o pulso à power pop de um dos nomes mais importantes do indie canadiano. Valeu ainda Challengers como prato principal de uma refeição de guitarras e refrões chorudos – para quem tem o coração no sitio.

Cansei de Ser Sexy © Angela Costa

E porque havia três palcos a funcionar ao mesmo tempo, havia a complicada necessidade de se fazer opções de horário na mão, como quem decide que DVD comprar em promoção com apenas 7 euros no bolso. Com alguma sorte, de ainda para passar pelo palco onde os Grizzly Bear mostravam ao público a excelente “While you Wait for the Others” que fechava o concerto que deverá ter sido no mínimo interessante. Ali ao lado actuavam as Cansei de Ser Sexy (CSS para os amigos). E “actuação” aqui é a palavra certa. O hype Cansei de Ser Sexy não é só justificado pela música; é também, e em grande medida, explicado por tudo o que anda à volta da banda. E os arranjos cénicos, serpentinas e máscaras fazem parte da festa, o que é muitas vezes desculpa para concertos menos conseguidos. Há que dizê-lo com frontalidade: as Cansei de Ser Sexy (ou eles, ou o diabo a sete) não são propriamente um caso fulgurante de qualidade musical. Há neles, isso sim, um lado lúdico e festivo facilmente apreciável. E há uma ou outra canção com alguma capacidade de provocar um abanar a anca: “Music Is My Hot Hot Sex” é uma delas, “Off the hook” é outra delas. A festa, essa é grande. Tão grande que nem permite muito espaço para grande pensamentos.

Andrew Bird © Angela Costa

Mesmo ali ao lado, no mais pequeno palco de todos, Andrew Bird preparava-se para, com o intimismo característico do norte-americano (ainda que por vezes estejamos a falar de canções com tendências mais folgadas). E um concerto de Andrew Bird é sempre tudo aquilo que esperamos de Andrew bird – ainda que a banda tenha aumentado entretanto. É assistir ao desfilar de canções com rasto de magia, habilmente bem escritas e criativas. É ver Andrew Bird tratar o violino como se este fosse uma extensão do corpo e confundir-se a certa altura se o músico vai aterrar numa Sinfonia de Beethoven, na índia ou numa das suas canções. Com novo disco já gravado e pronto a sair em breve, foi bom ver Bird com baterista, baixista e guitarrista e a mostrar as suas canções com profunda crença nelas. A imprevisibilidade das substâncias e do corpo humano em “A Nervous Tic Motion of the Head to the Left” continua a impressionar; “Why?” continua a prender pelo seu mistério. “Fiery Crash” continua a deslumbrar pela beleza e luminosidade que irradia. Por tudo isto e muito mais aguarda-se com entusiasmo o próximo disco do homem que responderá afirmativamente pela alcunha de Homem Pássaro.

Ali ao lado acontecia a festa com Girl Talk – uma coisa impressionante, gente no palco e tudo o mais. Mas a romaria a essa altura era uma e uma apenas. No palco principal, os Radiohead preparavam-se para o primeiro de dois concertos no festival. O entusiasmo era muito e quando Thom Yorke entrou em palco para pegar em “15 Steps” – a mesma que abre In Rainbows - a mola que havia em cada um dos presentes saltou. In Rainbows é um daqueles discos que cresce com o tempo. E cresce tanto que ultrapassa facilmente Hail to the Thief para se colocar bem posicionado na discografia da banda. Uma canção como “15 Steps”, e nem é preciso espremer muito, possui tantas perspectivas dentro de si que quase se torna esquizofrénica. Há todo um mundo de possibilidades dentro destas canções – este sempre foi um dos trunfos dos Radiohead, a sua qualidade labiríntica. O destaque era mesmo para In Rainbows: na primeira noite, apenas “Faust Harp” não surgiu no alinhamento. “All I need”, “Nude”, “Bodysnatchers”, “Reckoner” e “Weird Fishes/Arpeggi” impressionaram e tornaram evidente que In Rainbows é um disco que funciona especialmente bem ao vivo. Arrepiantes os momentos em que o silêncio em resposta ao que se passava ao palco se tornava se sentia no ar.

O passado não foi evidentemente esquecido. Kid A e Ok Computer estiveram bem representados: “Idioteque” (que fez mossa evidentemente), “Climbing Up The Walls”, “How to Disappear Completely” e “Paranoid Android” fizeram aparições espantosas e “The Pyramid Song” – do algo esquecido Amesiac - não ficou atrás. Thom Yorke estava em noite sim e ia alternando entre o piano e a guitarra. Teceu comentários sobre Nova Iorque e, embora não tenha falado sobre o assunto, outros temas ficaram implícitos: o palco onde os Radiohead tocaram estava “decorado” de bandeiras do Tibete, numa alusão clara à desejada independência para a província. Mas musicalmente os Radiohead andaram por todo o lado sem sair dali. Foram a “Just” para explodir, foram a “Stree Spirit (fade out)” para libertar fantasmas. O alinhamento, no seu todo, mostra que os Radiohead de hoje vivem bem com a esquizofrenia das suas escolhas estilísticas.

Com dois encores e mais de duas horas de concerto, estava ali o concerto do ano para muito boa gente, e provavelmente o concerto de uma vida para outros tantos. Ver a intensa e diversa discografia dos Radiohead ser ali desfilada sem apelo nem agravo é algo de importante para quem nutre pelo menos algum gosto na música dos britânicos. Mas apesar da nota altíssima do concerto, tornava-se difícil fazer ali um balanço da noite. O motivo? Faltava a outra parte, no dia imediatamente a seguir.
· 08 Ago 2008 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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