Optimus Alive
Passeio Marítimo de Algés
10-12 Jul 2008
DIA 3 |
Um dos principais pressupostos garantidos por um festival que tem Alive como nome, é o de que todos os artistas alinhados em cartaz encontram-se realmente vivos, independentemente das suas idades, estatutos ou naturezas mais ou menos auto-destrutivas. Daí que os demasiado cientes de que a imortalidade lhes é devida possam até já nem manter a preocupação de esforçar os glóbulos vermelhos além do suficiente. O comportamento low-profile fica bem a quem não tem nada mais a provar a quem seja. A Lenda, contudo, é aquela que deixa história para contar por onde passa, um nome para adoçar o serão em que o patrono decide confiar os seus discos predilectos aos filhos (ou netos), não sem antes relembrar que motivos levaram a tal brilho nos olhos. Assim sendo, quem possui o majestoso Harvest e viu o seu autor Neil Young em palco pelo menos uma vez, não deve preocupar-se em acumular enxoval ou terrenos no Ribatejo para deixar aos que cá ficam. Um retalho do imenso Neil Young serve bem como herança. Juntar a isso uma camisa de flanela é opcional.
Serve a introdução para explicar que o privilégio de encontrar Neil Young, agora com 62 anos, em palco no terceiro e último dia do festival Optimus Alive ultrapassa em larga escala tudo aquilo que se designaria corriqueiramente por “concerto”. Ao Young God bastou apenas uma guitarra e toda a sabedoria acumulada a décadas de activo (nem sempre qualitativamente estável, diga-se) para, muito naturalmente, desintegrar quaisquer desconfianças de que pelo Passeio Marítimo de Algés passaria uma figura jurássica perfeitamente conformada consigo mesma. Como isso não bastasse, Neil Young trouxe consigo uma banda que, sem o entrosamento calejado de uns Crazy Horse, não deixou de estar à altura da ocasião. Salientam-se, entre os integrantes, Peggy Young (a esposa de Neil Young) e um Ben Keith com classe para queimar no domínio da steel guitar (verdadeiramente arrepiante em “Old Man”).
Depois, é questionável todo o critério que procure apontar pontos altos a pouco mais de duas horas de uma soberba Journey Through the Past (e presente também), mas não há como evitar frisar o modo absolutamente magnético como “Cortez, the Killer” – peça-chave de Zuma - purifica o seu cerne lírico com solos oníricos e a cumplicidade (estranhamente terna) que Neil Young consegue mais uma vez reproduzir ao terminar a absolvição com a repetição Cortez, Cortez. Assim como não há palavras que descrevam na exactidão o sublime momento solene “Mother Earth (Natural Anthem)”, e como esse vale por mil discursos vazios e datados, ou a força sobrenatural que transportou consigo a versão XXXL de “No Hidden Path”, cujo prolongamento em toada “jam” soprou com tamanha intensidade que conseguiu minimizar o papel do vento forte que se fazia sentir no recinto.
Em pouco tempo, perdoaram-se a “Shakey” pecados (ou discos incompreendidos) como Trans ou Landing on Water, e postumamente aceita-se até , com um sorriso pregado nos lábios, que a actuação tenha passado ao lado de um pergaminho sagrado de folk-rock como é Everybody Knows This is Nowhere, se bem que teria obrigatoriamente de passar ao lado de qualquer coisa. Faltaram, no final, braços para, ao jeito de Wayne’s World, gritar em euforia religiosa que aqueles ouvidos meramente humanos não eram dignos de escutar Neil Young e o pedaço de eternidade que ali partilhou com uma generosidade que já nem se usa nos dias de hoje.
Miguel Arsénio
O último dia trouxe várias pessoas oriundas de sítios tão diversos quanto aqueles que existem entre Oeiras e Sintra, pessoas que conseguem aprovar artistas que não tomam banho e não têm grande cuidado com a higiene pessoal apenas por terem uma ligação ao mar. Posto isto, Xavier Rudd cantou várias canções sobre a Mãe Terra, dedicou uma delas mesmo à Mãe Terra, pouco antes de, a meio da tarde, ainda com imensa luz do sol, se ligarem os holofotes do palco principal, algo que decerto animou bastante a Mãe Terra. Seguiu-se-lhe Donavon Frankenreiter, amigo de Jack Johnson, cuja música solarenga é bem mais facilmente ignorável e, consequentemente, apreciável que a do ex-surfista havaiano. Pontos para o bigode e para o look de estrela do rock dos anos 70 (bateu Neil Young nesse campo).
Ainda voltou para uma canção no concerto competente de Ben Harper, senhor que domina completamente o público português, depois de ter passado grande parte dos últimos dez anos em palcos nacionais. Pode ser inveja por ele ser casado com Laura Dern, mas um concerto inteiro do homem e da sua mestria nas imensas guitarras que tem (e que, a espaços, podem soar bastante bem, especialmente nas pares em que veicula mais os espíritos de Robert Johnson e Jimi Hendrix do que o de Bob Marley) e dos seus óptimos músicos, não é coisa para se aguentar mais do que uma vez na vida (e esta foi a terceira). Há quem ache que não, felizmente, e continuará a achar, nomeadamente aqueles que fizeram a parte portuguesa da canção que o americano partilha com a brasileira Vanessa da Mata e passou incessantemente em todas as rádios portuguesas.
No outro palco, os Gossip, que, no Super Bock Super Rock do ano passado tinham mostrado exactamente quatro canções (“Standing in the way of Control” e “Listen Up” no campo dos originais, “Careless Whisper”, de George Michael e “Are you that Somebody?”, de Aaliyah, no campo das versões), fizeram um espectáculo incrível que trouxe mais uma ou duas coisas boas. Começou-se com um excerto de “Psycho Killer” dos Talking Heads, passando-se depois para os originais que não se distinguem muito entre si, com linhas de baixo parecidas, mas que puxam muito, especialmente a uma hora tardia (e o concerto veio com um atraso de quase uma hora), pela dança. Beth Ditto é uma figura fascinante e uma grande presença, uma óptima voz, e estava, ela e a sua banda, genuinamente interessada em dar uma festa ali, em partir a loiça toda, em divertir as pessoas. Era, segundo ela, o último dia da digressão e isso pode ser uma das razões. “No sleep ‘til Lisbon”, dizia ela, parafraseando ou os Motörhead (“Hammersmith”) ou os Beastie Boys (“Brooklyn”). As canções, essas, soam mais interessantes do que no ano passado, mesmo que não sejam necessariamente. Acaba tudo com uma apoteótica invasão de palco por parte do público, uma festa e uma óptima maneira de acabar um bom festival, mesmo que Ben Harper tenha vindo depois.
Serve a introdução para explicar que o privilégio de encontrar Neil Young, agora com 62 anos, em palco no terceiro e último dia do festival Optimus Alive ultrapassa em larga escala tudo aquilo que se designaria corriqueiramente por “concerto”. Ao Young God bastou apenas uma guitarra e toda a sabedoria acumulada a décadas de activo (nem sempre qualitativamente estável, diga-se) para, muito naturalmente, desintegrar quaisquer desconfianças de que pelo Passeio Marítimo de Algés passaria uma figura jurássica perfeitamente conformada consigo mesma. Como isso não bastasse, Neil Young trouxe consigo uma banda que, sem o entrosamento calejado de uns Crazy Horse, não deixou de estar à altura da ocasião. Salientam-se, entre os integrantes, Peggy Young (a esposa de Neil Young) e um Ben Keith com classe para queimar no domínio da steel guitar (verdadeiramente arrepiante em “Old Man”).
Depois, é questionável todo o critério que procure apontar pontos altos a pouco mais de duas horas de uma soberba Journey Through the Past (e presente também), mas não há como evitar frisar o modo absolutamente magnético como “Cortez, the Killer” – peça-chave de Zuma - purifica o seu cerne lírico com solos oníricos e a cumplicidade (estranhamente terna) que Neil Young consegue mais uma vez reproduzir ao terminar a absolvição com a repetição Cortez, Cortez. Assim como não há palavras que descrevam na exactidão o sublime momento solene “Mother Earth (Natural Anthem)”, e como esse vale por mil discursos vazios e datados, ou a força sobrenatural que transportou consigo a versão XXXL de “No Hidden Path”, cujo prolongamento em toada “jam” soprou com tamanha intensidade que conseguiu minimizar o papel do vento forte que se fazia sentir no recinto.
Em pouco tempo, perdoaram-se a “Shakey” pecados (ou discos incompreendidos) como Trans ou Landing on Water, e postumamente aceita-se até , com um sorriso pregado nos lábios, que a actuação tenha passado ao lado de um pergaminho sagrado de folk-rock como é Everybody Knows This is Nowhere, se bem que teria obrigatoriamente de passar ao lado de qualquer coisa. Faltaram, no final, braços para, ao jeito de Wayne’s World, gritar em euforia religiosa que aqueles ouvidos meramente humanos não eram dignos de escutar Neil Young e o pedaço de eternidade que ali partilhou com uma generosidade que já nem se usa nos dias de hoje.
Miguel Arsénio
O último dia trouxe várias pessoas oriundas de sítios tão diversos quanto aqueles que existem entre Oeiras e Sintra, pessoas que conseguem aprovar artistas que não tomam banho e não têm grande cuidado com a higiene pessoal apenas por terem uma ligação ao mar. Posto isto, Xavier Rudd cantou várias canções sobre a Mãe Terra, dedicou uma delas mesmo à Mãe Terra, pouco antes de, a meio da tarde, ainda com imensa luz do sol, se ligarem os holofotes do palco principal, algo que decerto animou bastante a Mãe Terra. Seguiu-se-lhe Donavon Frankenreiter, amigo de Jack Johnson, cuja música solarenga é bem mais facilmente ignorável e, consequentemente, apreciável que a do ex-surfista havaiano. Pontos para o bigode e para o look de estrela do rock dos anos 70 (bateu Neil Young nesse campo).
Ainda voltou para uma canção no concerto competente de Ben Harper, senhor que domina completamente o público português, depois de ter passado grande parte dos últimos dez anos em palcos nacionais. Pode ser inveja por ele ser casado com Laura Dern, mas um concerto inteiro do homem e da sua mestria nas imensas guitarras que tem (e que, a espaços, podem soar bastante bem, especialmente nas pares em que veicula mais os espíritos de Robert Johnson e Jimi Hendrix do que o de Bob Marley) e dos seus óptimos músicos, não é coisa para se aguentar mais do que uma vez na vida (e esta foi a terceira). Há quem ache que não, felizmente, e continuará a achar, nomeadamente aqueles que fizeram a parte portuguesa da canção que o americano partilha com a brasileira Vanessa da Mata e passou incessantemente em todas as rádios portuguesas.
No outro palco, os Gossip, que, no Super Bock Super Rock do ano passado tinham mostrado exactamente quatro canções (“Standing in the way of Control” e “Listen Up” no campo dos originais, “Careless Whisper”, de George Michael e “Are you that Somebody?”, de Aaliyah, no campo das versões), fizeram um espectáculo incrível que trouxe mais uma ou duas coisas boas. Começou-se com um excerto de “Psycho Killer” dos Talking Heads, passando-se depois para os originais que não se distinguem muito entre si, com linhas de baixo parecidas, mas que puxam muito, especialmente a uma hora tardia (e o concerto veio com um atraso de quase uma hora), pela dança. Beth Ditto é uma figura fascinante e uma grande presença, uma óptima voz, e estava, ela e a sua banda, genuinamente interessada em dar uma festa ali, em partir a loiça toda, em divertir as pessoas. Era, segundo ela, o último dia da digressão e isso pode ser uma das razões. “No sleep ‘til Lisbon”, dizia ela, parafraseando ou os Motörhead (“Hammersmith”) ou os Beastie Boys (“Brooklyn”). As canções, essas, soam mais interessantes do que no ano passado, mesmo que não sejam necessariamente. Acaba tudo com uma apoteótica invasão de palco por parte do público, uma festa e uma óptima maneira de acabar um bom festival, mesmo que Ben Harper tenha vindo depois.
· 10 Jul 2008 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueirarodrigo.nogueira@bodyspace.net
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