DIA 1 |
Sem sinais demasiado evidentes da sua condição de estreante, o primeiro Oeiras Alive conseguiu atrair uma quantidade enorme de público sem deixar de apresentar real novidade no seu cartaz (White Stripes e Beastie Boys) que repescou também dois colossos da nostalgia da década de 90 (Pearl Jam e Smashing Pumpkins). Melhor que isso foi sentir que o ascendente do festival foi coincidente com a distância mantida pelos cabeças de cartaz de cada dia face ao óbvio (noutras palavras, aos temas mais populares). O cume de tudo isso, conforme se esperava, foi marcado territorialmente pelos insuperáveis Beastie Boys.
The Used · Blasted Mechanism · Linkin Park · Pearl Jam
08/06
The Used
Ao que parece, a prática de um substrato de emo genérico tem valido uma carreira que já ultrapassa a meia década a estes Used, que tratam, sem muito sustento, de inaugurar o palco principal do Alive. Sabe-se de antemão que a vida antes de alcançado o estrelato não corria muito bem à turma de Orem, no estado de Utah, e isso pode validar minimamente a angústia, se bem que não os desculpa de serem tão pobres em originalidade que as coisas se tornam sofríveis em pouco tempo. O oxigenado vocalista Bret McCracken estimula o sentido patriótico dos presentes com o cachecol da Selecção de Portugal e impressiona reparar que a provocação recolhe aplausos mais intensos que o desfilar de rock de impulso juvenil, ora aplicado em fórmulas ríspidas, ora mais hardcore, embora sem a sinceridade que viu o género nascer. O embaraço instala-se quando o front-man arrisca o refrão Fuck me and fuck you de manguito bem visível na mão. Até certo ponto, conforta o facto de muitas vezes não ser audível a voz do irrequieto poseur. Depois de tudo isto, é uma bênção escutar no espaço "Casper, the Friendly Ghost", a música de Daniel Johnston que a telecomunicadora representada no evento escolheu para a sua mais recente campanha publicitária.
Blasted Mechanism
Bastam à prestação dos Blasted Mechanism quinze minutos para que se firmem as constatações de sempre: a tribo karkoviana não falha, se bem que também não transcende a fórmula vincada que desenvolveu de modo esteticamente progressivo e, no terreno musical, encontrando brechas susceptíveis de incluírem acrescentos vários que possam frutificar a partir do tronco étnico-futurista. Assim são os Blasted Mechanism a que agora já se pode saudar a opção de falarem português entre as músicas. A banda do recente Sound in Light faz do seu concerto a habitual demanda por um estado astral entre a euforia e visões de um mundo paralelo colorido como um anime japonês. Como passos dessa procura, marcam presença "Sun goes down", que ganha sentido com o sol em rota descendente, a cartada decisiva "Karkov" e a poeira que levanta, e depois outros momentos de electrónica premente e rotativa (à sua maneira, também é nova rave) e um par de picos onde as estranhas guitarras assumem o papel das armas que disparam plasma. Os fatos vão ganhando maior pinta e perdendo peso – estável, na sua identidade singular, permanece a banda que os enverga.
Linkin Park
Por imposição ou não da indústria, a verdade é que os Linkin Park conseguiram resgatar
a um estratégico retiro o reputado MC e produtor de hip-hop Jay-Z, que acedeu a colocar em prática a suaperícia na arte do "mash-up" num registo audio-visual Collision Course, que cruzava músicas
dos primeiros com clássicos do segundo, numa balança de compensação onde não é difícil perceber quem oferece a mais significante quota de inspiração. A rapaziada que arrasta o primeiro batalhão
de multidão até ao Palco Optimus tem, pelo menos, esse crédito a seu favor. Pouco mais que isso e um suavizado padrão nu-metal variado com eficácias que vão do nulo ao relativamente suportável. Mas a ginástica em palco e o aparato do espectáculo vão ocultando essa saturação. O líder
Chester vocifera (se bem que de modo pouco audível) e recolhe feedback ao público mais rendido, o companheiro Mark Shinoda não é
tão tosco MC como se julgaria e a impavidez do DJ e manipulador de samples Joseph Hahn leva a que se questione se a sua presença não é apenas simbólica, já que podia ser obviamente automatizada. O muito rodado single "Numb" parece ainda recolher ao público uma reacção de vulto, que
tem o seu contraponto nas mais pieguinhas novidades de Minutes o Midnight, que tenta, com o aval
do produtor Rick Rubin, a transição dos Linkin Park para a idade adulta e, ao que parece,
para as sentimentais cançõezinhas ao piano adequadas à retirada da angústia juvenil. Essa cujo fundamento
é um dos maiores mistérios no caso dos Linkin Park que ainda ninguém percebeu ao certo porque evidenciam tamanha irritação perante tudo e todos. As respostas continuam inexistentes, assim como a ponta de interesse que pudesse suscitar a hora e pouco
em palco. Os minutos que restam para a meia-noite são também os que sobram aos autores de Meteora para exporem a sua pseudo-rebeldia. Os Linkin Park podem até ter 99 problemas, mas, até que o fenómeno esmoreça, render a
puberdade não é um desses.
Pearl Jam
Numa altura em que já se encontrava solidificada a sintonia entre os Pearl Jam e
o mar de público diante deles, Eddie Vedder confessou, com alguma embriaguez
e aparente deslumbramento, que era fabuloso efectuar uma viagem de 16 horas e vir
a dar a um lugar à beira-rio que podia bem ser a vizinhança da banda de Seattle. A partir daí, o concerto de Pearl Jam alinha-se como um rol de rituais colectivos de familiaridade que não
cessa de se adensar desde que, em 1996, o grupo visitou em dose dupla o Dramático de Cascais com No Code em rotação (precioso disco que foi ficando esquecido nos alinhamentos). Eddie Vedder, com uma aparência entre Cristo e um lenhador de Seattle, vai dedicando músicas aos amigos que por cá lhe merecem a simpatia: a energia de "Big Wave" é dirigida a Tiago "Saca" e Bubas,
surfistas de excepção frequentemente instalados na Ericeira que merece a predilecção do próprio vocalista, enquanto que
"Given to Fly" abençoa, com ternura apontada às alturas, dois pequenos gémeos que haviam recentemente convivido com quem ali os acarinha. As extensões instrumentais impostas a temas mais assentes em repetição (ou alguém contraria o facto de "Elderly Woman..." e "Daughter" serem sofrivelmente básicas?) garantem
alguma frescura útil à anulação de déja-vu - maldita sensação essa que se cola e não larga "Even Flow" e "Alive", que já dispensam as legendas de karaoke num qualquer restaurante Chinês onde se reúna alguém que conheça minimamente a banda de Ten. O português lido de Eddie Vedder é pouco mais que suficiente, mas dedicado (tal como a sua postura).
O baixista Jeff Ament mantém-se mais discreto, mas entregue à celebração.
Depois, um linguado entre as máscaras de borracha do diabo e do sósia George Bush antecedeu um aguerrido "Rockin' in the free world", cover recuperada ao luxuoso colaborador de outrora Neil Young,
com quem os Pearl Jam gravaram um Mirror Ball pelo qual não foram oficialmente creditados. A recorrente "Yellow Ledbetter" termina o concerto em toada informal e de uma maneira
que faz com que esta se pareça a descontraída "Exit Music (For a Film)" dos Pearl Jam actuais que já aceitaram ser os sobreviventes da calamidade grunge e referência da geração que os persegue.
migarsenio@yahoo.com
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