Longe da exploração nevrálgica do potencial nostálgico que permeia muitas das propostas subpar que inundam incontáveis blogs de partilha que crescem por aÃ, Daniel Lopatin reutiliza todo esse manancial imagético/conceptual amplamente disponÃvel no Youtube como matéria prima para o dotar de uma nova carga simbólica. Profundo conhecedor da tecnologia enquanto via para a refracção de noções espacio-temporais na música, foi o próprio em entrevista ao Bodyspace que afirmou que o “meu interesse na música dos anos 80 é bem menos nostálgico do que se poderia pensar; é mais antropológicoâ€. Mais do que reinventar um passado à sombra de noções como o retro-futurismo ou a hipnagogia, Lopatin confunde as premissas num acto criador que faz delas meras coordenadas que são continuamente reorganizadas. Dentro e fora da sua obra.
O sampling como método para uma recontextualização que vai muito além do trainspoterism ou da citação, fragmentando a conjectura estanque de que “estamos continuamente a reciclar o passadoâ€, mas aceitando essa inevitabilidade como um fantasma da realidade. Uma projecção, devidamente encenada num tÃtulo como Replica. Abandonando o drone paisagÃstico das primeiras cassetes (em parte, compiladas no essencial Rifts) e limando algumas das experiências mais vestigiais de Returnal, este último tomo continua o carácter exploratório de Lopatin em “pequenas†peças que nunca sucumbem ao peso do conceptualismo vago (como toda a memória) que permeia todo o seu trabalho.
Ressonância emocional que não se confina a uma “memória colectiva†de teor contemplativo - como se o resgate se fizesse à s custas um mapa de referências já cartografado - mas antes numa melancolia latente que se vai repercutindo numa névoa de texturas justapostas e em confronto benigno. Simulacro de um isolamento mais do que evidente nessa maravilha que é “Replicaâ€. Aquele piano em loop numa suspensão que nos lembra o Erik Satie e vai sendo contaminado pelos sons acolhedores do Juno-60, devidamente ilustrado num vÃdeo que põe as imagens de Nu, Pagodi em direcção a nenhures. Uma infância irremediavelmente perdida, ou qualquer outra concepção parva que meta as manhãs de sábado à frente da televisão, sem fazer disso um statement coercivo. Sugestão, apenas.
É nesse campo de abstracção que reside um dos valores residuais de Replica. Ao inventar todo um mundo de possibilidades nesse campo formal (os sintetizadores, as vozes inteligÃveis), Lopatin permite ao ouvinte desconstruir a música de acordo com as suas próprias concepções. Evitando o rehash unidimensional ou a predominância perniciosa da ambiência sobre a matéria, devido a uma notável capacidade de estruturação e composição. Detalhes expressivos, que se assumem como elementos fulcrais para a “narrativaâ€, num discurso fluente que vai encadeando pequenos acontecimentos em torno de linhas melódicas difusas, que ora se vão adensando (“Androâ€) ora se sustém na sua própria respiração (“Remember†e “Submersible†e os seu tÃtulos perfeitamente adequados).
Malhas de um conforto aparente, porque a tristeza pulsa sob tudo isto, e que assumem um lado mais desconcertante nas colagens de “Sleep Dealerâ€, “Nassau†e “Child Soldierâ€, em revisão meta-IDM das técnicas de costura do herói pessoal RZA. ContÃnuo natural de um dos músicos mais fascinantes e conhecedores da actualidade, num disco que acaba com uma música chamada “Explain†como quem sabe que tudo isto é auto-explicativo somente nos méritos musicais. Aquilo que interessa realmente reter, em mais uma adição a um cânone importantÃssimo de alguém em constante (re)descoberta.