DISCOS
Roedelius
Works 1968-2005
· 01 Fev 2007 · 08:00 ·
Roedelius
Works 1968-2005
2006
Grönland Records / Popstock! Portugal
Sítios oficiais:
- Roedelius
- Grönland Records
- Popstock! Portugal
Works 1968-2005
2006
Grönland Records / Popstock! Portugal
Sítios oficiais:
- Roedelius
- Grönland Records
- Popstock! Portugal
Roedelius
Works 1968-2005
2006
Grönland Records / Popstock! Portugal
Sítios oficiais:
- Roedelius
- Grönland Records
- Popstock! Portugal
Works 1968-2005
2006
Grönland Records / Popstock! Portugal
Sítios oficiais:
- Roedelius
- Grönland Records
- Popstock! Portugal
Lenda viva habitualmente associada ao kraut merece abrangente tratamento retrospectivo capaz de a comprovar como transcendente a esse elo imediato.
Apesar de invariavelmente servir para descrever o carácter expansivo da música que determina, o termo kraut torna-se limitativo enquanto tentativa de representar exactamente o génio, visão e perseverança de Roedelius. Sim, o “génio”, neste caso, justifica-se e não é, de todo, atribuído levianamente a Hans Joachim Roedelius – nome que, a julgar pelo variedade do conteúdo precioso englobado nesta compilação retrospectiva, se encontra uns quantos níveis acima do já de si iluminado esclarecimento kraut / kosmische (ambas imensuráveis ramificações a assimilar à Alemanha de finais de 60 e fulgurantes 70). Roedelius cultivou tantas e tamanhas soluções para a electrónica – que, aqui, vai das demonstrações prototípicas às mais complexas – que se torna redutor arquivar o seu nome numa pasta temporalmente restrita como é a do kraut alemão.
Até porque o próprio nome Roedelius encontra latente a si a capacidade de se evadir de circunstâncias que o aprisionem: a partir de uma infância prodigiosa, que o integrara como figurante em filmes vários, o multifacetado mago germânico haveria de desertar da Juventude Hitleriana, acumulado ofícios vários e acabado por assumir o estranho modo de vida de massagista “hippie” na França da década de 60. Tudo isto antes de se dedicar com maior afinco a uma carreira musical que o levaria a fazer parte dos Cluster (instituição do kraut em certas ocasiões transformada em Kluster) e a colaborações com gente de tão altíssimo gabarito como Holger Czukay dos Can ou Conrad Plank (produtor sem o qual o kraut não seria o mesmo). Eventualmente, Roedelius haveria de actuar como tutor de um rapaz aborrecido com as condicionantes limítrofes do glam-rock (dos Roxy Music) e que, entretanto, se revelaria rápido e hábil aprendiz: Brian Eno, com quem haveria de partilhar os créditos do sublime momento de Before and After Science, “By This River” (à qual ofereceu teclados, juntamente com Dieter Moebius, também dos Cluster), e compor um canónico After the Heat, que soa tão pós-climático e amenamente ambient como o seu nome indicia.
O sumário biográfico de Roedelius não serve, contudo, para assinalar a inoxidável contemporaneidade e prazer autêntico pelo risco que se escutam a um Works transversal a cinco décadas que permanecem límpidas de rugas e tão cativantes como, suponho, soariam na sua data de origem. De tal forma que o espectro imenso de Roedelius se propaga como um líquido de mercúrio que oscila entre as temperaturas mais reduzidas e altas, sem em qualquer altura estalar o vidro que o contém. E, aos ouvidos de quem convive com a música (pop ou avessa a isso) há um quarto de século, Roedelius parece gloriosamente omnipresente em tudo aquilo que lhe floresceu postumamente: nas linhas de teclados dos Depeche Mode, na aurora do catálogo Warp encapsulado numa hipnótica “Freudentanz”, numa "Imagine" (aqui remisturada) que pode ser toda a Bristol em estado embriónico. De um modo mais abrangente, até nas músicas que oferecem os menus de espera para pacificar a impaciência ou nas bandas-sonoras de documentários apostados numa mais estranha perspectiva da natureza.
À margem de quase tudo, a bem mais actual “Ameryca Recycled” (2004) destaca-se como obscuridade orquestrada pela face de Roedelius mais interessada em sufocar o triunfalismo das banda-sonoras de westerns até a um ponto recôndito ao qual sobra apenas um sussurro industrial – recanto habitável por Lustmord ou Scorn (alter-ego de Mick Harris).
Embora nunca se espere neutralidade por parte de um empreendimento apostado em promover e celebrar obra, Works 1968-2005 nem sequer descura a revelar fragmentos do que de mais embaraçoso pudesse ter produzido Roedelius em momentos menos inspirados de uma carreira que permanece em aberto (o que impede a compilação de ser tomada como objecto arqueológico ou conclusivo). A bem mais recente “Digital Love”, techno absurdamente maciço com guitarra à velocidade da luz, prova que Shaun Ryder não estava só quando se decidiu pela farra decadente desse OVNI que traz na matrícula o título Amateur Night at the Big Top.
Simbolicamente, Works 1968-2005 pode até ser a resposta (ou estalo de luva branca) que merecia a label Elipsis Arts por não ter incluído Roedelius entre os vanguardistas que compunham a compilação OHM: The Early Gurus of Electronic Music, que, tal como indica o nome, almejava a englobar compreensivamente (em 3 discos e um booklet) as mais dianteiras notoriedades que um dia desbravaram mundo novo na área da electrónica. Constata-se, a partir dessa exclusão, que a omissão é o primeiro dos sintomas surtidos pela síntese e que o nome de Roedelius não será tão imediatamente associável à aurora do género.
Talvez pelo complexidade demarcada de posicionamentos óbvios, pela subtileza fantasmagórica de aplicações disciplinadamente reservadas a uma redoma secundária (escute-se o excerto do projecto Lunz ao vivo) ou por tantas vezes cingi-la ao papel de instrumento clinicamente crucial à produção. Entre os quadrados prateados que abrilhantam a luxuosa caixa aqui sujeita a vistoria, descobre-se o rosto sorridente e jovem de Roedelius. A expressão de alguém a quem o mínimo contacto entre entusiasmo e imaginação parece ter sido, desde sempre, suficiente a um despoletar de ideias cujo o arrojo não as impediu de cumprir impunes quase metade de um século e aspirar naturalmente ao cumprimento de outra metade.
Miguel ArsénioAté porque o próprio nome Roedelius encontra latente a si a capacidade de se evadir de circunstâncias que o aprisionem: a partir de uma infância prodigiosa, que o integrara como figurante em filmes vários, o multifacetado mago germânico haveria de desertar da Juventude Hitleriana, acumulado ofícios vários e acabado por assumir o estranho modo de vida de massagista “hippie” na França da década de 60. Tudo isto antes de se dedicar com maior afinco a uma carreira musical que o levaria a fazer parte dos Cluster (instituição do kraut em certas ocasiões transformada em Kluster) e a colaborações com gente de tão altíssimo gabarito como Holger Czukay dos Can ou Conrad Plank (produtor sem o qual o kraut não seria o mesmo). Eventualmente, Roedelius haveria de actuar como tutor de um rapaz aborrecido com as condicionantes limítrofes do glam-rock (dos Roxy Music) e que, entretanto, se revelaria rápido e hábil aprendiz: Brian Eno, com quem haveria de partilhar os créditos do sublime momento de Before and After Science, “By This River” (à qual ofereceu teclados, juntamente com Dieter Moebius, também dos Cluster), e compor um canónico After the Heat, que soa tão pós-climático e amenamente ambient como o seu nome indicia.
O sumário biográfico de Roedelius não serve, contudo, para assinalar a inoxidável contemporaneidade e prazer autêntico pelo risco que se escutam a um Works transversal a cinco décadas que permanecem límpidas de rugas e tão cativantes como, suponho, soariam na sua data de origem. De tal forma que o espectro imenso de Roedelius se propaga como um líquido de mercúrio que oscila entre as temperaturas mais reduzidas e altas, sem em qualquer altura estalar o vidro que o contém. E, aos ouvidos de quem convive com a música (pop ou avessa a isso) há um quarto de século, Roedelius parece gloriosamente omnipresente em tudo aquilo que lhe floresceu postumamente: nas linhas de teclados dos Depeche Mode, na aurora do catálogo Warp encapsulado numa hipnótica “Freudentanz”, numa "Imagine" (aqui remisturada) que pode ser toda a Bristol em estado embriónico. De um modo mais abrangente, até nas músicas que oferecem os menus de espera para pacificar a impaciência ou nas bandas-sonoras de documentários apostados numa mais estranha perspectiva da natureza.
À margem de quase tudo, a bem mais actual “Ameryca Recycled” (2004) destaca-se como obscuridade orquestrada pela face de Roedelius mais interessada em sufocar o triunfalismo das banda-sonoras de westerns até a um ponto recôndito ao qual sobra apenas um sussurro industrial – recanto habitável por Lustmord ou Scorn (alter-ego de Mick Harris).
Embora nunca se espere neutralidade por parte de um empreendimento apostado em promover e celebrar obra, Works 1968-2005 nem sequer descura a revelar fragmentos do que de mais embaraçoso pudesse ter produzido Roedelius em momentos menos inspirados de uma carreira que permanece em aberto (o que impede a compilação de ser tomada como objecto arqueológico ou conclusivo). A bem mais recente “Digital Love”, techno absurdamente maciço com guitarra à velocidade da luz, prova que Shaun Ryder não estava só quando se decidiu pela farra decadente desse OVNI que traz na matrícula o título Amateur Night at the Big Top.
Simbolicamente, Works 1968-2005 pode até ser a resposta (ou estalo de luva branca) que merecia a label Elipsis Arts por não ter incluído Roedelius entre os vanguardistas que compunham a compilação OHM: The Early Gurus of Electronic Music, que, tal como indica o nome, almejava a englobar compreensivamente (em 3 discos e um booklet) as mais dianteiras notoriedades que um dia desbravaram mundo novo na área da electrónica. Constata-se, a partir dessa exclusão, que a omissão é o primeiro dos sintomas surtidos pela síntese e que o nome de Roedelius não será tão imediatamente associável à aurora do género.
Talvez pelo complexidade demarcada de posicionamentos óbvios, pela subtileza fantasmagórica de aplicações disciplinadamente reservadas a uma redoma secundária (escute-se o excerto do projecto Lunz ao vivo) ou por tantas vezes cingi-la ao papel de instrumento clinicamente crucial à produção. Entre os quadrados prateados que abrilhantam a luxuosa caixa aqui sujeita a vistoria, descobre-se o rosto sorridente e jovem de Roedelius. A expressão de alguém a quem o mínimo contacto entre entusiasmo e imaginação parece ter sido, desde sempre, suficiente a um despoletar de ideias cujo o arrojo não as impediu de cumprir impunes quase metade de um século e aspirar naturalmente ao cumprimento de outra metade.
migarsenio@yahoo.com
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