DISCOS
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
· 09 Jul 2008 · 08:00 ·
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
2007
Crouton / Sonoris
Sítios oficiais:
- Osso Exótico + Z’EV / Bowline
- Crouton
- Sonoris
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
2007
Crouton / Sonoris
Sítios oficiais:
- Osso Exótico + Z’EV / Bowline
- Crouton
- Sonoris
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
2007
Crouton / Sonoris
Sítios oficiais:
- Osso Exótico + Z’EV / Bowline
- Crouton
- Sonoris
Osso Exótico + Z’EV / Bowline
2007
Crouton / Sonoris
Sítios oficiais:
- Osso Exótico + Z’EV / Bowline
- Crouton
- Sonoris
Dois discos recentes comprovam que David Maranha Ă© o M escrito a giz branco nas costas da mais aventureira mĂşsica portuguesa.
Entender que os nomes que ocupam a esfera David Maranha servem para descrever a sua produção musical, pode até resultar de mera coincidência, é certo, mas não deixa, mesmo assim, de espicaçar a que se estabeleçam paralelos vários que aproximem ambas as partes. Até porque, ao abrigo de trabalhos recentes, dois dos quais considerados aqui, a noção de que existe de facto uma terminologia útil ao entendimento do todo Maranha ganha reforçado sentido e nitidez por efeito da transversalidade que tem vindo a assumir órgão Hammond na criação recente do autor do soberbo Marches of the New World. Perseguir e absorver as manifestações de um Hammond incessante nas suas revelações condiz inevitavelmente com o traçar do perfil de quem o toca.
A partir daqui, os significados que oferecem os dicionários para a palavra que serve de apelido a David (e ao irmĂŁo AndrĂ©) variam um pouco, sem nunca se afastarem por completo de possĂveis definições para o som que o prĂłprio arranca ao Hammond e a outros instrumentos: maranha s.f. 1. fios enredados, assunto intricado; 2. mistura, confusĂŁo, intriga, pacto; 3. enredo. Se nĂŁo confundirmos “mistura” com “salganhada” ou “confusĂŁo” com “descuido”, servirĂŁo os significados alinhados como termos que reflectem parte considerável do espectro sonoro pertencente a alguĂ©m que, por imposição do nome de baptismo, parece ainda mais predestinado Ă vocação que o levou a manter – com notĂłria visĂŁo e perseverança - os Osso ExĂłtico, colectivo formalmente flexĂvel mas de cerne imperturbável, desde 1989 atĂ© aos dias de hoje.
A conspiração nĂŁo se fica por aĂ - estende-se tambĂ©m Ă morada lisboeta que consta de vários dos Ăşltimos discos que conheceram a mĂŁo de David Maranha: (Rua) Violante do CĂ©u (onde a estreia de Bowline foi gravada e produzida em 2006), perpendicular discreta da Avenida de Roma. Quando se recebe nas mĂŁos um envelope remetido de Violante do CĂ©u, há nisso algum daquele misticismo que provavelmente se abateu sobre quem, em determinada altura, recebeu discos do obscuro Jandek enviados a partir de Corwood. Violante do CĂ©u Ă©, de resto, o nome de uma poetisa portuguesa muito aclamada no sĂ©culo XVIII. Acerca da mesma, atrevo-me a parafrasear: Ao gosto do seu tempo, preferiu temas como o amor, o temor de Deus e da eternidade, e o sentimento da vaidade das coisas humanas. Cultivou uma poesia que foi considerada sábia, intelectualizante e rica de hábeis jogos. A Ăşltima dessas suas caracterĂsticas, assim como a contemplação dedicada a elementos imensuráveis como Deus e a eternidade, sĂŁo alĂneas (ou pistas) que se encaixam tambĂ©m facilmente no cânone Maranha, principalmente no álbum partilhado com o venerável percussionista Z’ev (Stefan Weisser), em que David Ă© obrigado a agigantar o seu ĂłrgĂŁo Hammond ao ponto de este nĂŁo ser eclipsado pela mais disseminada e calejada autoridade de um instrumentista que praticamente nasceu com uma bateria nas mĂŁos (sendo tambĂ©m ele um predestinado).
Sobre os dilemas do amor e a tirania de Cupido, Violante do CĂ©u escreveu um soneto que tem o seguinte como primeiro verso: Que suspensĂŁo, que enleio, que cuidado. Estava provavelmente escrito que variantes da mesma “suspensĂŁo” e “enleio” servissem como impedimentos – quase magnĂ©ticos - para tudo aquilo que no disco de Bowline se fita e ameaça, sem nunca chegar a consumar um confronto. Em magnifica rota horizontal, Bownline efectua o registo dos despojos sobrantes de uma batalha cordialmente prometida, mas nunca cumprida, entre dois pĂłlos – o violoncelista italiano Francesco Dillon e David Maranha – que, logicamente, libertam as suas prĂłprias ressonâncias, tantas vezes circunspectas a um minimalismo crescente, e considerações referentes Ă ocasiĂŁo sob a forma de discursos contĂnuos - drones - repletos de drama (sendo que a curta duração somada Ă s quatro faixas veda o caminho Ă pretensĂŁo).
A dinâmica bipolar revela-se tambĂ©m no disco de colaboração com Z’ev que, mesmo assim, acumula qualidades e manobras interiores que o tornam completamente diferente do trabalho atribuĂdo aos Bowline, sobretudo porque o primeiro se trata de um colossal tomo muito mais sujeito a desenvolver ciclos especĂficos que o aproximam talvez do que poderia ser o levantamento sonoro de Pompeia “antes”, “durante” e “depois” de estar coberta de cinzas (fases nĂŁo necessariamente sucedidas pela mesma ordem no lançamento da Crouton). Enigmáticos sĂŁo os passos tomados, nesse sentido, pelo ĂłrgĂŁo Hammond de David Maranha, que se supera a si mesmo nas proporções diabĂłlicas que assume, Harmonium de PatrĂcia Machás e outros instrumentos de AndrĂ© Maranha, do lado dos Osso ExĂłtico, e pela percussĂŁo assanhada Ă flor da pele escamada de Z’Ev, Ă medida que ambos avançam em toada de exorcismo mĂştuo que domina os primeiros quinze minutos da sua duração. Ultrapassada a precoce apoteose, Osso ExĂłtico + Z’ev abre espaço para a reverberação prĂłpria da implosĂŁo (recolho zen?) a que Ă© remetido o seu primeiro surto de febre primordial e cacofĂłnica – que, atĂ© certo ponto, constitui tambĂ©m negação – algo pĂ©rfida, diga-se – do dilĂşvio de ruĂdo que o disco antecipava inicialmente.
Miguel ArsĂ©nioA partir daqui, os significados que oferecem os dicionários para a palavra que serve de apelido a David (e ao irmĂŁo AndrĂ©) variam um pouco, sem nunca se afastarem por completo de possĂveis definições para o som que o prĂłprio arranca ao Hammond e a outros instrumentos: maranha s.f. 1. fios enredados, assunto intricado; 2. mistura, confusĂŁo, intriga, pacto; 3. enredo. Se nĂŁo confundirmos “mistura” com “salganhada” ou “confusĂŁo” com “descuido”, servirĂŁo os significados alinhados como termos que reflectem parte considerável do espectro sonoro pertencente a alguĂ©m que, por imposição do nome de baptismo, parece ainda mais predestinado Ă vocação que o levou a manter – com notĂłria visĂŁo e perseverança - os Osso ExĂłtico, colectivo formalmente flexĂvel mas de cerne imperturbável, desde 1989 atĂ© aos dias de hoje.
A conspiração nĂŁo se fica por aĂ - estende-se tambĂ©m Ă morada lisboeta que consta de vários dos Ăşltimos discos que conheceram a mĂŁo de David Maranha: (Rua) Violante do CĂ©u (onde a estreia de Bowline foi gravada e produzida em 2006), perpendicular discreta da Avenida de Roma. Quando se recebe nas mĂŁos um envelope remetido de Violante do CĂ©u, há nisso algum daquele misticismo que provavelmente se abateu sobre quem, em determinada altura, recebeu discos do obscuro Jandek enviados a partir de Corwood. Violante do CĂ©u Ă©, de resto, o nome de uma poetisa portuguesa muito aclamada no sĂ©culo XVIII. Acerca da mesma, atrevo-me a parafrasear: Ao gosto do seu tempo, preferiu temas como o amor, o temor de Deus e da eternidade, e o sentimento da vaidade das coisas humanas. Cultivou uma poesia que foi considerada sábia, intelectualizante e rica de hábeis jogos. A Ăşltima dessas suas caracterĂsticas, assim como a contemplação dedicada a elementos imensuráveis como Deus e a eternidade, sĂŁo alĂneas (ou pistas) que se encaixam tambĂ©m facilmente no cânone Maranha, principalmente no álbum partilhado com o venerável percussionista Z’ev (Stefan Weisser), em que David Ă© obrigado a agigantar o seu ĂłrgĂŁo Hammond ao ponto de este nĂŁo ser eclipsado pela mais disseminada e calejada autoridade de um instrumentista que praticamente nasceu com uma bateria nas mĂŁos (sendo tambĂ©m ele um predestinado).
Sobre os dilemas do amor e a tirania de Cupido, Violante do CĂ©u escreveu um soneto que tem o seguinte como primeiro verso: Que suspensĂŁo, que enleio, que cuidado. Estava provavelmente escrito que variantes da mesma “suspensĂŁo” e “enleio” servissem como impedimentos – quase magnĂ©ticos - para tudo aquilo que no disco de Bowline se fita e ameaça, sem nunca chegar a consumar um confronto. Em magnifica rota horizontal, Bownline efectua o registo dos despojos sobrantes de uma batalha cordialmente prometida, mas nunca cumprida, entre dois pĂłlos – o violoncelista italiano Francesco Dillon e David Maranha – que, logicamente, libertam as suas prĂłprias ressonâncias, tantas vezes circunspectas a um minimalismo crescente, e considerações referentes Ă ocasiĂŁo sob a forma de discursos contĂnuos - drones - repletos de drama (sendo que a curta duração somada Ă s quatro faixas veda o caminho Ă pretensĂŁo).
A dinâmica bipolar revela-se tambĂ©m no disco de colaboração com Z’ev que, mesmo assim, acumula qualidades e manobras interiores que o tornam completamente diferente do trabalho atribuĂdo aos Bowline, sobretudo porque o primeiro se trata de um colossal tomo muito mais sujeito a desenvolver ciclos especĂficos que o aproximam talvez do que poderia ser o levantamento sonoro de Pompeia “antes”, “durante” e “depois” de estar coberta de cinzas (fases nĂŁo necessariamente sucedidas pela mesma ordem no lançamento da Crouton). Enigmáticos sĂŁo os passos tomados, nesse sentido, pelo ĂłrgĂŁo Hammond de David Maranha, que se supera a si mesmo nas proporções diabĂłlicas que assume, Harmonium de PatrĂcia Machás e outros instrumentos de AndrĂ© Maranha, do lado dos Osso ExĂłtico, e pela percussĂŁo assanhada Ă flor da pele escamada de Z’Ev, Ă medida que ambos avançam em toada de exorcismo mĂştuo que domina os primeiros quinze minutos da sua duração. Ultrapassada a precoce apoteose, Osso ExĂłtico + Z’ev abre espaço para a reverberação prĂłpria da implosĂŁo (recolho zen?) a que Ă© remetido o seu primeiro surto de febre primordial e cacofĂłnica – que, atĂ© certo ponto, constitui tambĂ©m negação – algo pĂ©rfida, diga-se – do dilĂşvio de ruĂdo que o disco antecipava inicialmente.
migarsenio@yahoo.com
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