DISCOS
Aberfeldy
Young Forever
· 17 Abr 2005 · 08:00 ·
Aberfeldy
Young Forever
2004
Rough Trade


Sítios oficiais:
- Aberfeldy
- Rough Trade
Aberfeldy
Young Forever
2004
Rough Trade


Sítios oficiais:
- Aberfeldy
- Rough Trade
Algo de extraordinariamente terno como um casal em harmonia vegetariana envolve-me calorosamente. Nada me insufla tanto o optimismo como assistir a duas pessoas na partilha de brócolos salteados, arroz integral e chamuças de soja. Momentos como esses deixam-me com vontade de plantar uma árvore e abraçar os vizinhos de que menos gosto. Partilhar de uma resolução minoritária é em si romântico, e os Aberfeldy têm perfeita noção disso, pois fazem música para aquela grande minoria de pessoas que, ao serem atingidas na carola por um disco de Frisbee, passam a ver tudo a cor-de-rosa. Tivesse eu escutado este diamante num dia sombrio e o mais provável seria a sua desintegração contra um poster do Kevin Costner a que costumo fazer pontaria com iogurte. Não foi isso que aconteceu, já que cedi prontamente à insustentável leveza pop de Young Foverer e a minha vida melhorou desde aí.

Além do mais, não conheço forma de virar as costas a um disco cujas primeiras palavras sejam:”I love everyone / everybody underneath the sun.. Torna-se espontânea a redenção perante tal slogan “hippie”. Os escoceses Aberfeldy (nome de um popular destino de férias) são desavergonhadamente solarengos , convertem todos os dias em memoráveis domingos com aquela despreocupação insular de quem é imune à sobranceira inveja dos “caretas”. Mantendo a devida distância do ponto de saturação, cometem a proeza de produzir música sedutora sem deixarem cair o véu virginal. Os pontos em comum com os compatriotas Belle & Sebastian (o termo de comparação primário) ficam-se pela vertente falsamente ingénua que associa ambos os colectivos. Tematicamente, Young Forever encontra-se muito mais próximo dos Blur de The Great Escape ou do primeiro disco dos Rentals. Na sobra de etiquetas como “chamber pop” ou “twee”, eis novas soluções criativas para categorizar a música dos quinteto de Edimburgo: rock vegetariano, pop ajardinada, folk pós-laboral e tudo o que sol bem entender e permitir.

Aquele que é um dos mais auspiciosos primeiros discos de um passado britânico recente, ostenta, a média profundidade, um tipo de encanto que pode apenas resultar da conjugação ideal entre tratamento cuidado, pozinhos de maravilha e condimento caseiro. Para este último elemento muito contribui a produção de Jim Sheridan, que optou por captar tudo usando apenas um microfone, de maneira a sorver a intimidade e fugacidade do momento que deixa de o ser assim que alguém pressiona a tecla “stop”. Sheridan é o lepidopterologista de melodia, o microfone isolado é o seu camaroeiro e Young Forever vistosa peça de colecção a colocar na parte mais visível da prateleira. Borboletas como “Friend like you” (o “flirt” conduzido por órgão repescado de lixeira e xilofone-laçarote) e o single “Love is an Arrow” são de uma raridade pouco usual e merecem ser expostas a um público vasto. Já “Summer’s gone” é, sem rodeios ou reticências, uma das mais majestosas mesclas pop a surgir em cena ultimamente – bossa-nova matinal, reggae de armário, Badalamenti perdido entre os girassóis. Tudo isto em 3 minutos e meio orquestrados por um ritmo “bem gostoso” (como alguém lhe chamava há alguns dias).

Aos inquisidores que acharam descabida a ilustração presente na capa (um par de criaturas leoninas em pleno acto sexual), deixo apenas um conselho: prestem maior atenção à afrodisíaca lírica de Riley Briggs. Não é por acaso que o disco merece honras de selo “Parental Advisory”. Limita-se o principal compositor a editar em montagem o conteúdo explícito até ao ponto de ter em mãos um filme “softcore”. Young Forever é isso mesmo: uma comédia juvenil onde o sexo surge sempre subentendido.

Homem abatido. A casualidade é escriba rendido. O único defeito de Young Forever acaba por ser resultado de uma infeliz coincidência: o seu título é demasiado semelhante ao de um insuportável filme em que Mel Gibson é congelado para despertar décadas depois. Imagine o que seria das gerações futuras à mercê de mais épicos de fé como aquele em que está a pensar. O melhor mesmo é pensar na possibilidade de Young Forever chegar às mãos da juventude que ainda há duas linhas estava condenada. Ficariam assim a conhecer o melhor disco pop de 2004.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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