DISCOS
Kandi
Kandi Koated
· 02 Fev 2011 · 19:45 ·
Kandi
Kandi Koated
2010
Kandi Koated Entertainment / Asylum


Sítios oficiais:
- Kandi
- Asylum
Kandi
Kandi Koated
2010
Kandi Koated Entertainment / Asylum


Sítios oficiais:
- Kandi
- Asylum
Dez anos depois, um segundo álbum de alguém sem necessidade de provar o quer que seja, mas com muito para dizer.
Num meio tão dado à documentação em tempo real do crescimento e/ou desvio artístico das suas personagens principais como o R'n'B, um silêncio discográfico de uma década é um capricho de “estrela”. Ou de alguém que não tem pressa ou necessidade em provar o que quer que seja ao Mundo. Kandi Buruss é uma estrela na televisão, graças à sua participação no reality show The Real Housewives of Atlanta. Não tem, também, que provar que nada a ninguém no campo musical, depois de ter feito parte das Xscape e, acto contínuo, como escritora canções tão importantes como “No Scrubs” das TLC ou “Bills Bills Bills” das Destiny's Child. Simplesmente, estas duas facetas nunca se encontraram ao longo de todo este tempo, para a construção da carreira musical consistente que se previa na viragem do Século.

Quando tudo parecia apontar para esse estrelato, a estreia com Hey Kandi... em 2000 foi, basicamente, ignorada por toda a gente. Com o fracasso comercial a levar ao seu despedimento da Sony. Seguiu-se um longo silêncio, brevemente interrompido em 2006, com a falsa partida que foi “I Need” a ditar nova paragem indefinida. Sem grandes alaridos, e com a invisibilidade do ep Fly Above a servir de teaser simbólico pelo meio, Kandi Koated viu a sua difícil edição nos últimos dias do ano transacto. O síndrome do “difícil segundo disco” tem aqui uma réplica inusitada, quando já seria tão pouco expectável que viesse mesmo a acontecer. Felizmente, Kandi Koated é revelador dessa mesma parcimónia, funcionando como continuação lógica de Hey Kandi... com toda a maturidade que estes dez anos acarretam.

Ou seja, Kandi Koated é um disco tendencialmente clássico no seu aprumo formal, sem espaço para aproximações ao crossover entre a Eurodance e o R'n'B perpetuadas pelo David Guetta nem para batidas tribais de alguém como o Danja. Privilegia a escrita de canções em detrimento dos truques de produção, e com isso consegue uma contenção formal sem soar revisionista. Para isso, muito contribui o cuidado prestado de raiz à composição da Kandi (que assina em nome próprio ou em regime de colaboração a escrita de todas as canções), optando por uma faceta eminentemente pessoal sustentada numa arquitectura sónica sólida, e nunca impositiva.

Tendo em conta o teor revelador das letras, trata-se da escolha mais natural para Kandi atingir o patamar de transparência que se propõe. Vicissitudes de alguém que se viu como "personagem" num reality show e encontra agora eco para uma igual exposição, de modo mais profundo e gratificante. Nada poderia ser mais explícito do que a tocante “Leroy Jones”, onde Kandi presta homenagem ao padrasto, ”He was a role model / He was there for me” para confessar que ”That's the type of man me and my daughter need”. Mesmo antes, “Riley's Interlude” dá espaço à voz da filha para se cantar “We're a team / Forever you and me”. Vulnerável, e simultaneamente um pouco idiota, como o amor que ao longo do álbum vai sendo disposto (enquanto força-motriz) nas suas mais diversas repercussões. A dor, a esperança, o desejo e toda a esperança que isso acarreta.

Maioritariamente mid-tempo, sem forçar choques estilísticos, Kandi Koated discorre ao longo de 55 minutos, sem grandes quebras (e com interlúdios que não estorvam), numa consistência que, sem surpreender, nunca resvala para o entorpecimento. Ne-Yo vem trazer o necessário contraponto masculino na beleza soporífera de “Me and U”, constituindo um dos momentos mais memoráveis de um disco sem momentos verdadeiramente dispensáveis. Destacando outras canções, “Lucky” é uma balada vaporosa de celebração que recorre à repetição da última síbala de cada palavra no refrão para um efeito tão habitual quanto eficaz, enquanto “How Could You...Feel My Pain” convoca uma faceta mais dorida com dentes cerrados. No final, recupera-se “Fly Above”, para a afirmação de identidade. O piano subliminar é quase trágico, mas persiste um sintetizador borbulhante que no refrão se eleva em consonância com ”I fly above all the drama / I fly above all the haters”.

Numa obra que se pretende tão enraizada em vivências pessoais, existe um risco eminente de cair na auto-comiseração ou num voyeurismo inusitado, mas Kandi Koated surge com uma personalidade marcada de modo tão indelével que se ignoram algumas fragilidades líricas e exuberâncias vocais sem quaisquer problema ou embaraço. Quem teve dez anos para isto está, certamente, de consciência tranquila.
Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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