DISCOS
V/A
Ayobaness! The Sound Of South African House
· 17 Nov 2010 · 11:58 ·
V/A
Ayobaness! The Sound Of South African House
2010
Out there
Sítios oficiais:
- Out there
Ayobaness! The Sound Of South African House
2010
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Ayobaness! The Sound Of South African House
2010
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Ayobaness! The Sound Of South African House
2010
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Para esquecer de vez o inferno das vuvuzelas, aqui está o som que verdadeiramente interessa.
Para aculturação brute force de falso apelo comunal, “Waka Waka” foi, afinal, um embuste que se limitou a reciclar uma “Zangalewa” que era oriunda dos Camarões. Com “Township Funk” a assumir-se (ainda, passados mais de dois anos) como a única exportação mediática do Soweto, conclui-se que a descoberta das mais excitantes músicas vindas das urbes sul-africanas morreu na praia. A relativa exposição circa campeonato de Mundo de futebol ainda poderia servir de alavanca para uma infusão guerrilheira em algumas pistas de dança, mas para a perenidade ficou uma etiqueta difusa como o Global Bass, a tentar tapar o sol com a peneira.
Emergindo das fundações do Kwaito, género genuinamente sul-africano onde a House abranda o ritmo para se abraçar ao rap sem desvirtuar as raízes, a música de dança vinda da África do Sul é hoje um viveiro fértil onde convivem sem grandes pruridos estéticos as mais diversas linguagens de dança, num som característico que amiúde encontra um espaço natural para a coabitação entre outras formas urbanas como o Dubstep ou a emergente UK Funky. Apesar do peso de “Township Funk” enquanto porta-estandarte das premissas da House sul-africana, esta não se esgota nas síncopes minimalistas e ameaçadoras, apresentando uma louvável flexibilidade enquanto mantém uma identidade vincada.
Com uma afinidade para com a House mais primordial, a congénere sul-africana recolhe todo o lado celebratório desta, para a desvirtuar da sua maior plasticidade hedonista, numa procura pela dança enquanto libertação comunal, em convivência tensa com (e como oposição a) uma violência demasiado presente para ser ignorada. É música nascida desse miasma, transversal entre os ghettos e os lofts de classe média, profundamente urbana e capaz de abraçar as mais diversas vivências sem entrar num discurso abertamente politizado. Se, como demonstrado na recente compilação da Honest Jon´s, a música Shangaan electrónica evocava ritmos ancestrais num contexto citadino, glorificando a tradição de uma cultura delimitada, a música em Ayobaness! The Sound of South African House é feita do confronto/coabitação cultural. Em ambos, a dança como um fim em si mesmo.
A música que dá nome à compilação, pelo carismático Pastor Mbhobho, é sintomática de tudo isto. Os sintetizadores muito anos 80 revestem-se de uma capa agreste comandando a tarola em falso 4/4 para um encaixe vocal de chamada e resposta entre o Pastor e uma grupo efusivo de crianças. Imperando nomes desconhecidos, seria inevitável a presença do DJ Mujava com “Mugwanti Sgwejegweje” (anteriormente conhecida como “Please Mugwanti”) enquanto nome charneira, numa fanfarra carnavalesco de polirritmia que não necessita de qualquer apetrecho melódico supérfluo para que as vozes se façam sentir com todo o assomo de um slogan kudurista.
Ainda no terreno da favela em festa, “Resista” de L´Vovo Derrango tem todas as qualidades de um hino de Verão sem acessos nostálgicos, mas com toda aquela vibração quase palpável da melhor música de dança. Escorre para a melodia infecciosa de “Nisho Njalo” por Dj Cleo com a participação de Bleksem, demonstrando uma coerência interna que em momento algum resvala para a complacência, numa demonstração de elasticidade criativa perante uma matriz sonora relativamente barata em recursos, mas minuciosa na organização destes mesmos. “Yes” de Mgo, parte de propósitos similares mas dota-os de uma dimensão mais etérea, onde um template misterioso de sintetizador serve de base para a chegada de uma linha melódica tão intrigante e memorável quanto “Township Funk” em confronto benigno com baixos ásperos e vozes rasantes vindas de todo o lado.
Este lado mais misterioso, de tonalidades mais nocturnas, tem em “Mexican Girl” de Aero Manyelo e “Wena” de DJ Sumthyn Black aproximações livres a formas de House mais habituais, epitomizando a noção de diversidade dentro da coerência. O primeiro transmuta a deep-house com recurso a uma linha de baixo descendente característica do kwaito e apontamentos percutivos em contratempo, para se afirmar como o momento mais elegante e hipnótico da compilação. O segundo, torna os ensinamentos acabrunhados do electro em algo entusiasmante, com o spoken word da Ntsiki Mazwai (dirigido a um homem que a traiu) a azedar algo já de si próprio prenhe numa tensão latente.
Género já firmemente enraizado na vida sul-africana por via de manobras de promoção e distribuição localmente eficazes, é ainda aquele quindim exótico que apenas muito sorrateiramente faz movimentar essas ancas de leggings que povoam as pistas de gosto refinado/hipster (a escolha cabe ao leitor) fora do epicentro. Atentando no facto de não existir um único momento dispensável nesta louvável investida da alemã Out There Records, existe um nicho maravilhoso cujos ecos deveriam perpetuar no cérebro com toda a estridência do supracitado instrumento de tortura local. A verdade é que já ninguém se lembra do Mundial, mas numa altura em que a campanha sofrível de Carlos Queiróz já não acende focos de mediatismo provinciano, é o momento ideal para regressar à África do Sul sem acessos patrióticos. A vitória já está garantida em Ayobaness!. É festejar.
Bruno SilvaEmergindo das fundações do Kwaito, género genuinamente sul-africano onde a House abranda o ritmo para se abraçar ao rap sem desvirtuar as raízes, a música de dança vinda da África do Sul é hoje um viveiro fértil onde convivem sem grandes pruridos estéticos as mais diversas linguagens de dança, num som característico que amiúde encontra um espaço natural para a coabitação entre outras formas urbanas como o Dubstep ou a emergente UK Funky. Apesar do peso de “Township Funk” enquanto porta-estandarte das premissas da House sul-africana, esta não se esgota nas síncopes minimalistas e ameaçadoras, apresentando uma louvável flexibilidade enquanto mantém uma identidade vincada.
Com uma afinidade para com a House mais primordial, a congénere sul-africana recolhe todo o lado celebratório desta, para a desvirtuar da sua maior plasticidade hedonista, numa procura pela dança enquanto libertação comunal, em convivência tensa com (e como oposição a) uma violência demasiado presente para ser ignorada. É música nascida desse miasma, transversal entre os ghettos e os lofts de classe média, profundamente urbana e capaz de abraçar as mais diversas vivências sem entrar num discurso abertamente politizado. Se, como demonstrado na recente compilação da Honest Jon´s, a música Shangaan electrónica evocava ritmos ancestrais num contexto citadino, glorificando a tradição de uma cultura delimitada, a música em Ayobaness! The Sound of South African House é feita do confronto/coabitação cultural. Em ambos, a dança como um fim em si mesmo.
A música que dá nome à compilação, pelo carismático Pastor Mbhobho, é sintomática de tudo isto. Os sintetizadores muito anos 80 revestem-se de uma capa agreste comandando a tarola em falso 4/4 para um encaixe vocal de chamada e resposta entre o Pastor e uma grupo efusivo de crianças. Imperando nomes desconhecidos, seria inevitável a presença do DJ Mujava com “Mugwanti Sgwejegweje” (anteriormente conhecida como “Please Mugwanti”) enquanto nome charneira, numa fanfarra carnavalesco de polirritmia que não necessita de qualquer apetrecho melódico supérfluo para que as vozes se façam sentir com todo o assomo de um slogan kudurista.
Ainda no terreno da favela em festa, “Resista” de L´Vovo Derrango tem todas as qualidades de um hino de Verão sem acessos nostálgicos, mas com toda aquela vibração quase palpável da melhor música de dança. Escorre para a melodia infecciosa de “Nisho Njalo” por Dj Cleo com a participação de Bleksem, demonstrando uma coerência interna que em momento algum resvala para a complacência, numa demonstração de elasticidade criativa perante uma matriz sonora relativamente barata em recursos, mas minuciosa na organização destes mesmos. “Yes” de Mgo, parte de propósitos similares mas dota-os de uma dimensão mais etérea, onde um template misterioso de sintetizador serve de base para a chegada de uma linha melódica tão intrigante e memorável quanto “Township Funk” em confronto benigno com baixos ásperos e vozes rasantes vindas de todo o lado.
Este lado mais misterioso, de tonalidades mais nocturnas, tem em “Mexican Girl” de Aero Manyelo e “Wena” de DJ Sumthyn Black aproximações livres a formas de House mais habituais, epitomizando a noção de diversidade dentro da coerência. O primeiro transmuta a deep-house com recurso a uma linha de baixo descendente característica do kwaito e apontamentos percutivos em contratempo, para se afirmar como o momento mais elegante e hipnótico da compilação. O segundo, torna os ensinamentos acabrunhados do electro em algo entusiasmante, com o spoken word da Ntsiki Mazwai (dirigido a um homem que a traiu) a azedar algo já de si próprio prenhe numa tensão latente.
Género já firmemente enraizado na vida sul-africana por via de manobras de promoção e distribuição localmente eficazes, é ainda aquele quindim exótico que apenas muito sorrateiramente faz movimentar essas ancas de leggings que povoam as pistas de gosto refinado/hipster (a escolha cabe ao leitor) fora do epicentro. Atentando no facto de não existir um único momento dispensável nesta louvável investida da alemã Out There Records, existe um nicho maravilhoso cujos ecos deveriam perpetuar no cérebro com toda a estridência do supracitado instrumento de tortura local. A verdade é que já ninguém se lembra do Mundial, mas numa altura em que a campanha sofrível de Carlos Queiróz já não acende focos de mediatismo provinciano, é o momento ideal para regressar à África do Sul sem acessos patrióticos. A vitória já está garantida em Ayobaness!. É festejar.
celasdeathsquad@gmail.com
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