OUT.FEST 2015
Barreiro
8-11 Out 2015
Dia Um Faz por esta altura quatro anos e uns dias que vi o Bill Orcutt acabar um concerto que provavelmente ainda ecoa nos corredores do Teatro Municipal do Barreiro. Circunspecto qb, levou o fôlego dos que atravessaram o rio para o ver vilipendiar uma guitarra que parecia carregar em si todo o peso do mundo. Quatro anos depois, a ida ocasional ao Barreiro transformou-se numa peregrinação anual mandatória.

Tal como a guitarra de Orcutt, também o Barreiro de edifícios pesados e gentileza abundante parece carregado de história. Afinal já por aqui passaram nomes como Daniel Lopatin, Dieter Moebius, AMM e tantos outros que se torna impossível numerá-los aqui. A própria cidade parece encontrar de ano para ano uma capacidade de se reinventar e muito disso se deve ao Out.Fest –um atestado de vitalidade à cidade e à música que por cá se faz.

Não mentimos quando falamos da capacidade de redescoberta do Barreiro. É obra que em quatro anos que aqui estivemos, o festival nos tenha dado a conhecer pelo menos tantos outros espaços diferentes. Este ano não fomos ao mítico pavilhão dos Ferroviários, mas deu para conhecer a ADAO, o Museu da Indústria da Baía do Tejo e regressar ao Be Jazz que tão bem nos tinha feito no passado.

Começámos precisamente por aí, num espaço decalcado a todos os bares de jazz alguma vez imaginados. Escuro e recatado, embebido em fumo e sons que, neste primeiro dia de festival, alternaram saudavelmente entre o melódico e o caótico com a actuação de Akiro Sakata (soprador de primeira apanha e fôlego inesgotável) e Giovani di Domenico (um parceiro natural para a simbiose registada em “Iruman”). Ainda que sem deslumbrar, o concerto do duo pautou-se pela entrega desmedida, numa improvisação aberta e assente num diálogo que evitou que as variadas mudanças de ritmo e intensidade atropelassem o som dos instrumentos (e aqui temos que dar a devida vénia a Domenico, pela criatividade e delicadeza com que explorou o seu piano).

No conforto do grande salão da Escola de Jazz do Barreiro, aguardava-se Matana Roberts com uma expectativa palpável e visível nos rostos de quem por ali esperava a saxofonista. Sozinha em palco, imersa em projecções e abstracções, Matana ia avisando: “This is an experiment. This is an improvisation. This is an experiment.”. As palavras saíam-lhe com a mesma naturalidade com que haveria de clamar “I was born” numa intensidade crescente e que alimentava uma parede de som formada por sons pré-gravados, com o saxofone a surgir a espaços e bem menos selvagem que nos primeiros volumes da série Coin Coin. A fórmula foi-se repetindo com este e outros versos – houve até direito a uma versão despida de “Amazing Grace” – e talvez tivesse sido vencedora, não fosse a longa duração do concerto e a falta de fluidez que aqui e ali se foi revelando.

Regressados da Escola de Jazz, tínhamos perante nós Afonso Simões/Pedro Sousa/Miguel Mira, que se apresentaram no Be Jazz Café em pico de forma. Numa espécie de transe induzido pelo palco, o trio irrompeu numa espécie de êxtase tribal – o ritmo de Mira e Simões foi o motor para o pulmão endiabrado de Sousa - em que o silêncio foi violentamente remetido para nota de rodapé. E apetecia mesmo fazer o mesmo às horas de regresso, mas era imperioso regressar e reencontrar o fôlego para a maratona que ainda aí vinha. António M. Silva
· 22 Out 2015 · 01:51 ·
António M. Silva e Paulo Cecílio

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