ENTREVISTAS
Josephine Foster
A natureza (d)e Josephine
· 18 Abr 2006 · 08:00 ·
Das duas mãos cheias de artistas que Devendra Banhart reuniu para a compilação Golden Apples of the Sun, Josephine Foster é de certeza uma daquelas que mais prioridade dá à tradição e a tudo aquilo que de melhor provém dela. É assumidamente recuperadora de sons do passado e no seu novo disco, intitulado A Wolf in Sheep's Clothing(Locust), Josephine Foster recupera as suas art songs alemãs favoritas do século XIX. Depois da experiência com os Supposed em All the Leaves Are Gone e da aventura acusticamente solitária de Hazel Eyes, I Will Lead You, Josephine Foster troca de novo as voltas para apresentar um ‘projecto’, apesar de tudo, inesperado, talvez fruto da sua paixão assumida pela Europa. E foi com toda a disponibilidade do mundo que Josephine Foster, que já visitou o nosso país em duas ocasiões, aceitou tocar ao de leve a maior parte dos grande tópicos que fazem a sua carreira musical desde o início até aos dias de hoje. E com a promessa e desejo de voltar a Portugal talvez ainda este ano.

Quando é que começou a cantar ou a fazer música? O que é que a fez escolher a música em primeiro lugar?

Para mim, cantar a ouvir rádio é fazer música. Isso leva directamente àquilo que estava à mão, ao xilofone, e a cantar na escola. É difícil marcar uma transição. Escolhi a música mas também escolhi desenhar, e fazer peças e escrever poemas e histórias. Por isso, gosto de fazer, todas estas coisas e ainda faço.

Canta muito acerca de árvores, e folhas e o Outono. Presumo que ache esses dias mais inspiradores que outros. A sua escrita depende disso, da natureza e das suas variações?

Fui recentemente mordida por uma aranha venenosa, e o veneno inchou-me as costas. Por isso é isso, estou cheia de veneno de aranha. O que poderia ser melhor que sentir uma onda de vida e medo da morte? As ideias batem na porta, é tão fácil como abrir os olhos.

Desistiu de estudar ópera há algum tempo atrás mas podemos ainda sentir um pouco dela nas suas canções. Qual é a sua relação com a ópera hoje em dia?

Sinto um amor/ódio pela ópera como é normal. Estava a cantar uma miscelânea de árias de ópera e canções hoje. Mas a minha voz de ópera é cada vez mais fraca, por causa de usar microfones. A música está ainda de certa forma entranhada em mim, e eu estou feliz por isso.

Procura novos instrumentos para tocar nos seus discos? Como é que o faz?

Bem, fiz em Hazel Eyes. Isso foi tipo o estilo de produção Carl Orff. Montes de instrumentos folk e adicionar camadas e adicionar camadas. O método prático de fazer as coisas é: utilizar aquilo que te é dado e aquilo que te cai no colo. Por isso, o meu grande amigo ofereceu uma sitar. Mas estava partida e os trastes mal se seguravam no sítio. Eu nunca tinha tocado uma sitar por isso tive de criar uma técnica para igualar a sitar partida. Agora sou uma virtuosa das sitars partidas.

Na primeira vez que veio a Portugal (na Páscoa), disse no concerto do Porto que tinha ficado espantada com a cidade. O que a fez gostar tanto de Portugal?

Em Lisboa e no Porto, fiquei realmente espantada com a paisagem arquitectural. Os americanos são inexplicavelmente fascinados pelos locais mais velhos, somos uma cultura tão nova. Mas mais do que simples ‘velhice’ é uma certa particularidade que eu não consigo sequer descrever que eu senti nas ruas e nos edifícios, o sentimento evocado era tão rico e inquietante. Por um lado, fiquei hipnotizada pelos passeios e pelas colinas, e acabei por me perder naquilo que acabei por descobrir tarde demais como sendo o bairro mais perigoso de Lisboa quando o sol se estava a por. A mim as ruas conduziam-me sem fim, sentia-me como se pudesse simplesmente rastejar nesta infinidade. Imagino que ouçam as pessoas descreverem isto acerca de Marrocos. Para mim, estas cidades grandes e antigas em Portugal foram mesmo como um sonho de experiência.

O James Blackshaw contou-me uma história engraçada sobre as ruas do Porto e uma coisa que comprou na cidade. Pode confirmar-nos isso?


Lembro-me que comprei uma peça verde de roupa comida pelas traças com uma lira bordada. Faz-me lembrar aquele café engraçado perto do coliseu com as paredes supernaturalmente verdes. Escrevi uma canção acerca desse dia… e eu chamo ‘Bashito’ ao James… porque a música dele é tão pura e adorável como os poemas do Basho ou a música do Robbie Basho.

Como é que foi ver uma das suas canções ser incluída em Golden Apples of the Sun? Sentiu-se de certa forma ligada aos outros artistas de alguma forma?


Senti uma curiosidade, “quem são estas pessoas”? Apreciei tanta da música. Lentamente, tive a sorte de conhecer e ouvir muitos destes músicos nestes últimos dois anos.

Qual é a sua visão do suposto boom de folk que aconteceu em 2004?

Bem, não tenho consciência que tenha havido um boom de folk particular a um ano. Acho que musica criativa e a arte vai sendo feita a todo o tempo, e é bom celebra-la.

As pessoas vêem-na muitas vezes como uma espécie de Devendra Banhart no feminino. Isso incomoda-a?

Não acho que isso seja verdade. Ele é na sua essência inimitável, e talvez na minha própria forma, eu também. Acho que um ou dois críticos podem ter dito isso, e torna-se um chavão.

É assumidamente uma singer-songwriter que privilegia a tradição. Buffy Saint Marie e Vashti Bunyan são grandes influências para si?

Não, mas admiro-as muito a ambas.

A inspiração do P.G. Six’s na música folk balança entre as músicas tradicionais europeias e americanas. E no seu caso?

Eu retiro influencia da maior parte das eras da musica popular, todas as eras da folk, todas as eras da musica clássica. Sou influenciada por quase tudo e tudo na verdade, e música de muitas culturas e nações.

No seu último disco, Vashti Bunyan adiciona um toque moderno à sua folk com sabor a anos 60 – não sei se já teve a oportunidade de o ouvir. Vê-se a fazer isso, adicionar electrónica minimal e esse tipo de coisas às suas composições?

Não tanto. Adoro a guitarra eléctrica, no entanto.

O que é que anda a ouvir nestes dias?


Blondie, Ed Askew, Popul Vuh.

Em que ponto está o seu trabalho como o duo Born Heller? Tem intenções de o continuar?


Acabamos de ter uma belíssima digressão pela costa oeste… Born Heller irá crescer e diminuir a seu próprio acordo.

All the leaves are gone foi gravado com uma banda e depois Hazel Eyes abandonou os elementos psicadélicos e dedicou-se à quietude e aos elementos acústicos. Como é que reagiu a essa mudança súbita?


Como é que eu reagi? Não acho que tenha sido uma mudança súbita. Todos os dias eu tenho momentos calmos e ruidosos. É a minha experiência de dia-a-dia mudar de estado de espírito e pontos de convergência.

Ouvi dizer que tem um novo disco a sair em breve. O que é que nos pode contar sobre ele? Toca sozinha ou com uma banda?

Eu toco guitarra e o meu amigo Brian Goodman está no álbum e toca guitarra. Mas… a forma como tocamos é a distância entre a terra e a lua. O álbum é sete das minhas art songs alemãs favoritas do século XIX.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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