ENTREVISTAS
Taylor Deupree
Brooklyn Zoom
· 26 Mar 2006 · 10:00 ·
O percurso de Taylor Deupree faz dele um cidadão do mundo e, ao mesmo tempo, um outsider na sonoridade que cultiva a partir da base 12k, label dedicada às variantes mais minimalistas da electrónica que durante anos a fio operou a partir de Brooklyn. São vários os factores a contribuir para o cosmopolitanismo que logicamente lhe é associado. Seja a gestão da Happy, dedicada apenas a lançamentos de pop abstracta japonesa. A prática de um minimalismo que deverá mais às raízes germânicas que a qualquer ramificação verificada para lá do Atlântico. Um magnífico e encantador tratado chamado Every Still Day, feito com base em material gravado pelos japoneses Eisi e que nos leva a questionar se não pode residir numa existência electronicamente híbrida a continuidade para a glória etérea que fez da 4AD lenda. A isso, acrescente-se a reinterpretação de uma peça do suíço Ralph Steinbrüchel, num disco partilhado com músicos de outras tantas nacionalidades. Com tudo isto, acentua-se a noção de que, para Deupree e parceiros, os projectos que lhes merecem o empenho não conhecem entraves impostos por fronteiras. A entrevista que, à partida seria apenas um breve anexo para um par de resenhas alinhadas, ganhou uma dimensão própria e bem mais extensa do que a planeada. Um pouco como o minimalismo tacteante de Deupree que, por adesão aos espaços, ganha uma dimensão que vai além do que se escuta a discos como January ou Stil.. Para ele, o envolvente minimalismo da quietude representará o melhor utensílio para arquitectar uma vida feliz. Ausculte-se o discurso directo ao senhor.

Mais informações: http://www.12k.com

Em que projectos te tens empenhado ultimamente?

Muitos, como habitual. Acabei de trabalhar no meu novo disco a solo para a 12k, Northern. Ocupei-me de compô-lo durante o Inverno e será lançado em Abril. Também acabei a minha remistura de um tema de Ryuichi Sakamoto, que irá ser incluída no seu disco de remisturas Bricolage. Será lançado na sua label KAB durante esta Primavera. Há alguns meses a nossa casa (sua e da família) foi danificada por uma inundação, o que provocou danos graves no meu estúdio. Neste momento, a construção começou a restaurá-lo. Temos novas paredes e um novo soalho será colocado na próxima semana. Daqui a duas semanas estará terminado... Este imprevisto exigiu muito tempo de mim e prejudicou grande parte da minha energia criativa. Assim que estiver pronto e funcional, começarei a trabalhar numa colaboração com o meu bom amigo Tetsuro Yasunaga, dos Minamo (que recentemente gravaram o aclamado Shining para a 12 k). Irei actuar com Richard Chartier no Hirshhorn Museum, em Washington, daqui a duas semanas, numa performance inserida na retrospectiva dedica a Hiroshi Sugimoto - um fotografo japonês de grande importância e que muito tem influenciado o meu trabalho. O Richard e eu fomos encarregados de conceber uma performance enquadrada a um espaço específico. Também será gravado e misturado em estúdio, e lançado por volta de Junho na L-ne (label orientada por Deupree e cujo catálogo incide sobre o seu gosto por fotografia e arquitectura).

Ao manipulares o material que eventualmente resultou em Every Still Day, sentiste-te de alguma forma próximo da noção que as pessoas têm de unessetialism (corrente da electrónica que torna central na composição o que devia ser tomado como excesso e que conta com um excelente ensaio em http://www.12k.com/theblowup.html)

Não creio ter-me sentido próximo de nada além dos meus desejos e sensibilidade face aos Eisi enquanto artistas, aquando da feitura desse projecto. Every Still Day foi realmente um projecto artístico de contornos ideais: escutei o disco original, achei que podia ser fabuloso reconstruí-lo a partir de uma outra perspectiva, pedi permissão à label, fui aceite e recebi um tremendo apoio da banda para levar isso a cabo. Não exagero quando me refiro a circunstâncias ideias que não conheceram praticamente interferências.

“Forest / Opaque” parece-me bastante referencial em termos de textura, nem que seja obviamente em relação à peça de Steinbrüchel. Aponta ou flui a partir de algum material prévio ou deve ser considerada isoladamente?

Não foi criada em referência a qualquer outro trabalho meu em particular. Abordei-a como uma peça única, principalmente por não se tratar de um trabalho totalmente original. Contudo, tudo o que faço entrelaça-se de alguma forma. Daí que, a nível de subconsciente, não posso evitar que seja internamente referencial.

Ao receberes as três peças de “Opaque”, o facto das leituras virem a ser lançadas pela Room 40 influenciou-te de algum modo?


Não. Nessa altura, não mantinha grande familiaridade com o material da label. Daí que tenha sido importante para mim criar algo que me satisfizesse e que pudesse vir a agradar a Ralph e fizesse um uso interessante do seu material.

O método que conduziu Every Still Day e as leituras que constituiem Opaque (+re) quase parecem alternativas criativas ao conceito habitual de remistura. Achaste a sua execução mais desafiante que a de um mero remix?

Sem dúvida. Nunca consideraria ambos um trabalho de remistura. Categorizei Every Still Day como uma reinterpretação e pode ser considerado como uma recreação muito mais do que uma remistura. Foi-me atribuído imenso material original e tentei realmente reconstruir cada música a partir da sua base. E sim, acabou por ser o mais desafiante da minha carreira, devido a um número de razões. No fundo, recebi total liberdade e confiança por parte de uma banda que nem sabia quem eu era. Acho isso altamente nobre, por eu próprio, enquanto artista, saber como é difícil abrir mão do meu próprio trabalho e deixar que alguém o manipule. Desde início que tentei respeitar ao máximo o trabalho deles e não criar algo que estivesse à distância de dois mundos. Fiquei feliz por saber que os Eisi tinham apreciado o meu trabalho e que isso os teria motivado a reagruparem-se (quando iniciei o projecto foi triste saber que os membros da banda estavam separados). Outra razão que terá contribuído para o desafio prendia-se ao facto de ser aquele material bem mais pop do que qualquer coisa em que me tivesse empenhado durante os últimos anos. Vocalizações, guitarras, etc. – tudo formatado a um veículo pop. O processo tornou-se muito técnico e eu andei a pesquisar muito sobre técnicos de gravação e mistura. Por exemplo, tornou-se muito importante definir que tipo de equalizador iria usar em casa instrumento. Não havia apenas um tipo de equalizador que se enquadrasses optimamente a todos. A mistura foi muito extensa e detalhada. No fim, não só estava satisfeito como tinha aprendido muito.

“Opaque” partiu de uma variante peculiar do conceito de “remistura”. E, uma vez mais, não lhe chamaria remisturas porque... Bem... Porque não o são. Não estamos a remisturar nada. Estamos apenas a criar novas faixas a partir de sons a que desconhecemos a fonte original. Apeladaria o projecto de uma colaboração entre Steinbrüchel e os restantes artistas.

Há alguma hipótese de January vir a ser sucedido por February? Sentes que pode comportar pistas soltas que podem merecer continuação?


Não creio que venha a haver um February... Mas, ainda assim, nunca digo “nunca” e, por agora, seria demasiado óbvio assumir essa rota. January diz respeito a um momento muito específico da minha vida – aquele que me encontrou em digressão pelo Japão e o nascimento do meu filho. Por sua vez, Stil. foi mais baseado num conceito, que se tornou muito importante até porque acabou por exercer influência sobre tudo o que faço. O meu próximo disco, Northern, será uma combinação entre January e Stil.. A ligação a January reside no facto de também este ser inspirado por uma fase específica da minha vida - a mudança da cidade para o campo. Acredito que grande parte do meu trabalho será sempre baseado nos meus conceitos de “quietude” e também na inspiração que retiro de momentos na minha vida. As pistas que conduzem aos discos estão em permanente formação. Quer venha ou não a haver um February. Talvez dependa do facto de algo me vir a acontecer durante o mês de Fevereiro.

Como lidas com a cena de Brooklyn que parece estar sempre em permanente evolução?

Para ser honesto, nunca desenvolvi laços com a cena de Brooklyn. Nova Iorque mantém uma cena musical muito estranha, na medida em que é muito dividida. Existem imensos colectivos e artistas e nem por isso existirá muita colaboração ou entreajuda que os una. Costumo andar demasiado ocupado para me envolver com a cena local e concentro-me apenas em edificar a 12k. É curioso pensar que, durante os 10 anos de estadia da 12k em Brooklyn, nunca chegou a ser considerada na cidade como algo de relevante.

Atendendo ao lema da Noble, “música adequada à rotina”, que disco recomendarias nesses termos?

Teria mesmo de escolher o Awaawa dos Eisi. Um dos motivos que me levou a fazer Every Still Day estava relacionado com a esperança de que as pessoas pudessem vir a procurar o disco original. Já disse que não creio que o meu trabalho possa estar sequer perto da beleza do original. É tão puro e simples que devia representar um guia para a própria forma de viver a vida. Talvez não seja “adequado à rotina”, mas devia ser assim a vida de cada dia. Além desse, talvez Day Off de Cinq (o projecto de Masaaki Takemura que não descura colaboração externas). Contém apelo pop, é cativante, um pouco caótico, divertido, etc.. Comporta uma simpática mistura de estilos tão colorida quanto um dia da vida na cidade.

Qual terá sido a última escuta realmente desafiante para ti?

Nem sempre procuro esse tipo de música... Quero música capaz de absorver, que crie um novo espaço e te transporte para algum lugar. Para mim, “desafiante” implica “difícil de escutar”. Contudo, descobri uma escuta bem cativante, e essa será Iron & Wine. Muito bonito e simples, melancólico. Apenas guitarra e voz. Faz com que realmente aprecies o songwriting e a noção de que não é necessária a uma boa canção quaisquer retoques ou truques. E também esse é um grande exemplo de minimalismo. Muito puro.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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