bodyspace.net


Taylor Deupree
Brooklyn Zoom


O percurso de Taylor Deupree faz dele um cidadão do mundo e, ao mesmo tempo, um outsider na sonoridade que cultiva a partir da base 12k, label dedicada às variantes mais minimalistas da electrónica que durante anos a fio operou a partir de Brooklyn. São vários os factores a contribuir para o cosmopolitanismo que logicamente lhe é associado. Seja a gestão da Happy, dedicada apenas a lançamentos de pop abstracta japonesa. A prática de um minimalismo que deverá mais às raízes germânicas que a qualquer ramificação verificada para lá do Atlântico. Um magnífico e encantador tratado chamado Every Still Day, feito com base em material gravado pelos japoneses Eisi e que nos leva a questionar se não pode residir numa existência electronicamente híbrida a continuidade para a glória etérea que fez da 4AD lenda. A isso, acrescente-se a reinterpretação de uma peça do suíço Ralph Steinbrüchel, num disco partilhado com músicos de outras tantas nacionalidades. Com tudo isto, acentua-se a noção de que, para Deupree e parceiros, os projectos que lhes merecem o empenho não conhecem entraves impostos por fronteiras. A entrevista que, à partida seria apenas um breve anexo para um par de resenhas alinhadas, ganhou uma dimensão própria e bem mais extensa do que a planeada. Um pouco como o minimalismo tacteante de Deupree que, por adesão aos espaços, ganha uma dimensão que vai além do que se escuta a discos como January ou Stil.. Para ele, o envolvente minimalismo da quietude representará o melhor utensílio para arquitectar uma vida feliz. Ausculte-se o discurso directo ao senhor.

Mais informações: http://www.12k.com

Em que projectos te tens empenhado ultimamente?

Muitos, como habitual. Acabei de trabalhar no meu novo disco a solo para a 12k, Northern. Ocupei-me de compô-lo durante o Inverno e será lançado em Abril. Também acabei a minha remistura de um tema de Ryuichi Sakamoto, que irá ser incluída no seu disco de remisturas Bricolage. Será lançado na sua label KAB durante esta Primavera. Há alguns meses a nossa casa (sua e da família) foi danificada por uma inundação, o que provocou danos graves no meu estúdio. Neste momento, a construção começou a restaurá-lo. Temos novas paredes e um novo soalho será colocado na próxima semana. Daqui a duas semanas estará terminado... Este imprevisto exigiu muito tempo de mim e prejudicou grande parte da minha energia criativa. Assim que estiver pronto e funcional, começarei a trabalhar numa colaboração com o meu bom amigo Tetsuro Yasunaga, dos Minamo (que recentemente gravaram o aclamado Shining para a 12 k). Irei actuar com Richard Chartier no Hirshhorn Museum, em Washington, daqui a duas semanas, numa performance inserida na retrospectiva dedica a Hiroshi Sugimoto - um fotografo japonês de grande importância e que muito tem influenciado o meu trabalho. O Richard e eu fomos encarregados de conceber uma performance enquadrada a um espaço específico. Também será gravado e misturado em estúdio, e lançado por volta de Junho na L-ne (label orientada por Deupree e cujo catálogo incide sobre o seu gosto por fotografia e arquitectura).

Ao manipulares o material que eventualmente resultou em Every Still Day, sentiste-te de alguma forma próximo da noção que as pessoas têm de unessetialism (corrente da electrónica que torna central na composição o que devia ser tomado como excesso e que conta com um excelente ensaio em http://www.12k.com/theblowup.html)

Não creio ter-me sentido próximo de nada além dos meus desejos e sensibilidade face aos Eisi enquanto artistas, aquando da feitura desse projecto. Every Still Day foi realmente um projecto artístico de contornos ideais: escutei o disco original, achei que podia ser fabuloso reconstruí-lo a partir de uma outra perspectiva, pedi permissão à label, fui aceite e recebi um tremendo apoio da banda para levar isso a cabo. Não exagero quando me refiro a circunstâncias ideias que não conheceram praticamente interferências.

“Forest / Opaque†parece-me bastante referencial em termos de textura, nem que seja obviamente em relação à peça de Steinbrüchel. Aponta ou flui a partir de algum material prévio ou deve ser considerada isoladamente?

Não foi criada em referência a qualquer outro trabalho meu em particular. Abordei-a como uma peça única, principalmente por não se tratar de um trabalho totalmente original. Contudo, tudo o que faço entrelaça-se de alguma forma. Daí que, a nível de subconsciente, não posso evitar que seja internamente referencial.

Ao receberes as três peças de “Opaqueâ€, o facto das leituras virem a ser lançadas pela Room 40 influenciou-te de algum modo?


Não. Nessa altura, não mantinha grande familiaridade com o material da label. Daí que tenha sido importante para mim criar algo que me satisfizesse e que pudesse vir a agradar a Ralph e fizesse um uso interessante do seu material.

O método que conduziu Every Still Day e as leituras que constituiem Opaque (+re) quase parecem alternativas criativas ao conceito habitual de remistura. Achaste a sua execução mais desafiante que a de um mero remix?

Sem dúvida. Nunca consideraria ambos um trabalho de remistura. Categorizei Every Still Day como uma reinterpretação e pode ser considerado como uma recreação muito mais do que uma remistura. Foi-me atribuído imenso material original e tentei realmente reconstruir cada música a partir da sua base. E sim, acabou por ser o mais desafiante da minha carreira, devido a um número de razões. No fundo, recebi total liberdade e confiança por parte de uma banda que nem sabia quem eu era. Acho isso altamente nobre, por eu próprio, enquanto artista, saber como é difícil abrir mão do meu próprio trabalho e deixar que alguém o manipule. Desde início que tentei respeitar ao máximo o trabalho deles e não criar algo que estivesse à distância de dois mundos. Fiquei feliz por saber que os Eisi tinham apreciado o meu trabalho e que isso os teria motivado a reagruparem-se (quando iniciei o projecto foi triste saber que os membros da banda estavam separados). Outra razão que terá contribuído para o desafio prendia-se ao facto de ser aquele material bem mais pop do que qualquer coisa em que me tivesse empenhado durante os últimos anos. Vocalizações, guitarras, etc. – tudo formatado a um veículo pop. O processo tornou-se muito técnico e eu andei a pesquisar muito sobre técnicos de gravação e mistura. Por exemplo, tornou-se muito importante definir que tipo de equalizador iria usar em casa instrumento. Não havia apenas um tipo de equalizador que se enquadrasses optimamente a todos. A mistura foi muito extensa e detalhada. No fim, não só estava satisfeito como tinha aprendido muito.

“Opaque†partiu de uma variante peculiar do conceito de “remisturaâ€. E, uma vez mais, não lhe chamaria remisturas porque... Bem... Porque não o são. Não estamos a remisturar nada. Estamos apenas a criar novas faixas a partir de sons a que desconhecemos a fonte original. Apeladaria o projecto de uma colaboração entre Steinbrüchel e os restantes artistas.

Há alguma hipótese de January vir a ser sucedido por February? Sentes que pode comportar pistas soltas que podem merecer continuação?


Não creio que venha a haver um February... Mas, ainda assim, nunca digo “nunca†e, por agora, seria demasiado óbvio assumir essa rota. January diz respeito a um momento muito específico da minha vida – aquele que me encontrou em digressão pelo Japão e o nascimento do meu filho. Por sua vez, Stil. foi mais baseado num conceito, que se tornou muito importante até porque acabou por exercer influência sobre tudo o que faço. O meu próximo disco, Northern, será uma combinação entre January e Stil.. A ligação a January reside no facto de também este ser inspirado por uma fase específica da minha vida - a mudança da cidade para o campo. Acredito que grande parte do meu trabalho será sempre baseado nos meus conceitos de “quietude†e também na inspiração que retiro de momentos na minha vida. As pistas que conduzem aos discos estão em permanente formação. Quer venha ou não a haver um February. Talvez dependa do facto de algo me vir a acontecer durante o mês de Fevereiro.

Como lidas com a cena de Brooklyn que parece estar sempre em permanente evolução?

Para ser honesto, nunca desenvolvi laços com a cena de Brooklyn. Nova Iorque mantém uma cena musical muito estranha, na medida em que é muito dividida. Existem imensos colectivos e artistas e nem por isso existirá muita colaboração ou entreajuda que os una. Costumo andar demasiado ocupado para me envolver com a cena local e concentro-me apenas em edificar a 12k. É curioso pensar que, durante os 10 anos de estadia da 12k em Brooklyn, nunca chegou a ser considerada na cidade como algo de relevante.

Atendendo ao lema da Noble, “música adequada à rotinaâ€, que disco recomendarias nesses termos?

Teria mesmo de escolher o Awaawa dos Eisi. Um dos motivos que me levou a fazer Every Still Day estava relacionado com a esperança de que as pessoas pudessem vir a procurar o disco original. Já disse que não creio que o meu trabalho possa estar sequer perto da beleza do original. É tão puro e simples que devia representar um guia para a própria forma de viver a vida. Talvez não seja “adequado à rotinaâ€, mas devia ser assim a vida de cada dia. Além desse, talvez Day Off de Cinq (o projecto de Masaaki Takemura que não descura colaboração externas). Contém apelo pop, é cativante, um pouco caótico, divertido, etc.. Comporta uma simpática mistura de estilos tão colorida quanto um dia da vida na cidade.

Qual terá sido a última escuta realmente desafiante para ti?

Nem sempre procuro esse tipo de música... Quero música capaz de absorver, que crie um novo espaço e te transporte para algum lugar. Para mim, “desafiante†implica “difícil de escutarâ€. Contudo, descobri uma escuta bem cativante, e essa será Iron & Wine. Muito bonito e simples, melancólico. Apenas guitarra e voz. Faz com que realmente aprecies o songwriting e a noção de que não é necessária a uma boa canção quaisquer retoques ou truques. E também esse é um grande exemplo de minimalismo. Muito puro.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
26/03/2006