ENTREVISTAS
Eric Carbonara
Homem-guitarra
· 22 Mar 2011 · 00:34 ·
Eric Carbonara é ainda um guitarrista à procura de si mesmo. E isso torna-se muito evidente quando se entra em contacto com a sua obra. Nascido em terras norte-americanas, voltou-se para outras paragens com o intuito de colher inspiração profunda: virou-se para Espanha e para a guitarra flamenca, pôs olhos na África e nos seus inúmeros estilos e continua com o radar ligado e às procura de influências várias em várias parte do mundo. O seu trabalho, percebemos nesta entrevista, está intimamente ligado com a sua vida, com as suas relações, com as mudanças que o tempo e as circunstâncias lhe impuseram. Em Barcelona, Eric Carbonara falou-nos do seu amor pela Europa, da sua relação com a guitarra, de Jack Rose (com quem trabalhou na pérola Raag Manifestos), da sua colaboração com o multi-instrumentista Jesse Sparhawk, com quem actua no próximo dia 27 de Março, no Café au Lait (Porto), na terceira edição do BODYSPACE AU LAIT (a entrada é livre, já agora). E muito mais, a descobrir numa entrevista verdadeiramente suculenta.
O que é que te lembras dos dias em que tocavas com bandas como os Jason Likes Science, The Cameras e The Molecules? Como é que elas soavam?

Tinha quinze anos quando comecei a tocar em bandas como os Jason Likes Science, Cameras, e The Molecules. Foram tempos incríveis de evolução e exploração, não apenas em termos sonoros, mas também enquanto pessoa. Não havia o mínimo de pretensão ou cuidado acerca do estilo, talento ou habilidade musical nessas bandas, havia apenas a expressão crua da energia e a vontade de passar um bom bocado. Experimentar drogas tinha também muito a ver com isso naturalmente, mas eventualmente cresci para além disso e tornei-me mais focado em expressar sentimentos mais profundos e complexos através da música instrumental. Essas bandas foram uma parte fantástica da minha juventude, estar exposto a bandas como os Spacemen 3, Can, Kraftwerk, e os Pink Floyd dos inícios é muito importante para um músico, mas para mim, só podes fazer um tanto com explosões sónicas de guitarra com delay… Quando cresci como pessoa, comecei a focar a minha atenção mais directamente em como transmitir as subtilezas da vida, que é onde me encontro neste momento com a minha forma de tocar guitarra.

Como é que nasceu a tua paixão pela guitarra? Foi amor à primeira vista?

Como muitos no meu país e talvez em todo o mundo, tomei a guitarra como garantida durante uma grande parte da minha juventude. Tive a minha primeira guitarra quando tinha oito anos quando o meu vizinho decidiu dá-la a alguém. No entanto, fiquei rapidamente desencorajado porque os meus dedos eram muito pequenos e eu tinha dificuldade em chegar às notas e a conseguir fazer os acordes. Sou o primeiro músico de uma grande família. Por isso nunca tive ninguém à minha volta a encorajar-me para continuar. Só peguei na guitarra outra vez quando tinha quinze anos. Comecei a tocar guitarra de novo aos quinze anos porque isso era o que todos os meus amigos estavam a fazer. Mesmo assim, não tinha um professor na altura e os meus pais chegaram mesmo a sugerir que deixasse de tocar guitarra porque perdi interesse no desporto naquela altura. Eu venho de uma família da classe trabalhadora e ninguém na minha casa percebeu a importância de eu ter música na minha vida. Por isso ensinei-me a mim mesmo copiando amigos e fazendo exercícios simples como olhar para o céu e para as nuvens e tentar interpretar a forma como as nuvens soavam… Quando as nuvens se moviam com o vento, eu mudava as notas do acorde. Na altura não sabia o que estava a fazer mas quando olho para trás percebo que estava basicamente a ensinar a mim mesmo inversões de acordes utilizando uma forma elementar de sinestesia. Ainda sou uma pessoa muito visual e muitas vezes penso na música de uma forma visual primeiro e só depois a transformo em som.

Só comecei a levar a guitarra a sério a partir de 2002. Em 2001 estudei sitar no Ali Akbar College of Music na Califórnia. Os meus estudos lá tiveram um impacto tremendo na minha percepção da música e naquilo que significa ser um músico. Quando regressei à costa leste tornei-me muito mais devote da música e da guitarra especificamente. Em 2004 comecei mesmo a dar concertos de guitarra solo. No entanto, foi só quando conheci o meu professor, Debashish Bhattacharya, em 2008 que declarei uma devoção eterna à guitarra. O Debashish mudou a minha percepção acerca daquilo que uma guitarra e um guitarrista podem fazer. Agora, depois de quatro anos a estudar com ele, sinto que comecei um novo caminho que será percorrido durante o resto da minha vida.

Tu geres um estúdio, o Nada Sound Studio. Como é trabalhar todos os dias num estúdio. É uma experiência recompensadora?

Eu giro o Nada Sound Studio como um negócio freelance mas nunca o fiz diariamente. Eventualmente, tornou-se difícil viver às custas disso porque a tecnologia digital permitiu a qualquer músico gravar-se a si mesmo. A melhor parte de ser um engenheiro de gravação é que podes ajudar os teus amigos a ultrapassarem certos obstáculos tecnológicos e fazer belas gravações que merecem ser ouvidas.


O teu trabalho enquanto produtor levou-te a trabalhar por exemplo com o Jack Rose. Como é que foi abrir as cortinas e começar a fazer a tua própria música? E, mais importante, mostrá-la?

Não me vejo a mim mesmo como um produtor. Sempre pensei em mim como um “expeditor” - alguém que ajuda uma pessoa a chegar do ponto A ao ponto B. Eu gravei o Jack Rose mas não produzi certamente nada para ele. Limitei-me a carregar no botão “gravar” e misturar o disco dele, Raag Manifestos. Foi um trabalho muito simples porque tudo o que tive de fazer na verdade foi colocar um microfone com óptimo som e deixá-lo fazer a cena dele. Acho que a sessão durou umas duas horas e depois fomos para um bar beber umas cervejas e falar sobre música country. Sempre me considerei um músico primeiro e um engenheiro de som depois. Por isso a minha devoção é sempre conseguir o melhor tom de guitarra para gravar… E no que a este capitulo diz respeito, acho que ainda tenho muito para fazer.

Como é que o flamenco e os estilos africanos influenciaram o teu trabalho de guitarra? Foi algo orgânico ou foi algo que estudaste e investigaste?

Ainda não estudei música flamenca ou estilos africanos de uma maneira formal. Eu apenas mimetizo e abastardo o que ouço nos discos. Gostava de encontrar um professor de guitarra flamenca mas não tenho pressa de o fazer. Tem de ser uma coisa natural porque eu estou mais interessado em desenvolver uma relação com um mestre que possa ter durante toda a minha vida… E isso exige tempo. O meu único professor formal é o Debashish Bhattacharya, mas estou neste momento em Espanha e estou a praticar o meu espanhol e a falar com as pessoas acerca da logística necessária para me mudar para cá temporariamente para estudar.

Alguma vez sentiste a vontade de te aproximar do estilo de guitarristas como o John Fahey, e toda a tradição da Takoma?

Para falar a verdade, eu nunca ouvi muito o Fahey ou as coisas da Takoma. Não é que não goste, quando eu ouço penso “oh, isto soa fantástico”, mas nunca fui totalmente agarrado emocionalmente por isso até àquele ponto de me sentir completamente capturado. No entanto, há muita coisa que ainda não ouvi. A primeira vez que ouvi o Glenn Jones fiquei de boca aberta. Por isso sei que há muitas coisas fantásticas por aí nessa tradição, simplesmente não é para esse lado que o meu coração bate.

Estás neste momento em Espanha e sei que queres aprender um pouco mais sobre a guitarra espanhola. Como é que isso está a correr?

É engraçado, falo tanto sobre a minha devoção pela guitarra mas é apenas uma fracção dos meus interesses na vida. Boa comida, boa música, bom amor, é tudo o que me interessa. Simplesmente quero uma vida cheia de coisas simples que tenham muita qualidade. É óbvio que podes ter isto nos Estados Unidos mas tens de procurar um pouco mais no que toca à comida e à música. Sinto-me tão inspirado quando ando em digressão pela Europa pelo simples facto que as culturas aqui parecem valorizar as mesmas coisas que eu valorizo. Por isso sinto-me mais em casa aqui do que em Filadélfia. Tem sido difícil arranjar algumas coisas na minha vida pessoal de forma a que possa vir para cá quando me apetecer… Mas irá acontecer. Não estou ainda certo de qual o sítio na Espanha onde irei viver mas sei que irei passar algum tempo na Andaluzia para estudar.

O que é que me podes contar acerca deste novo disco, The Paradise Abyss?

The Paradise Abyss é o meu novo álbum. É feito de sete composições, todas elas narrativas instrumentais autobiográficas tocadas na guitarra flamenca a solo. Estou muito orgulhoso deste disco. Demorei dois anos a terminá-lo porque as canções não podiam ser acabadas sem fechar alguns capítulos da minha vida. Em Outubro de 2009 fui atropelado por um condutor bêbedo e parti vários ossos. Felizmente, fiquei várias semanas apenas sentado e a tocar guitarra. Ao mesmo tempo, estava a ganhar muita perspectiva acerca de muitas das relações na minha vida para além da forma como me sentia comigo mesmo. Por isso em Dezembro de 2010 senti-me preparado para gravar um álbum. Por isso pedi a um engenheiro de som amigo meu que me gravasse e em menos de duas horas tinha acabado o The Paradise Abyss. Acredito firmemente que as minhas composições precisam do tempo que precisam de forma a que possam desenvolver-se e escreverem-se a si mesmas. Não tenho pressas.

Mudando de assunto, como é que se sentes a viver “nas ruas de Filadélfia”?

Filadélfia tem uma óptima cena musical e é um sítio bastante barato para viver para os músicos. Não sou maluco pela cidade porque é de certa forma feia quando comparado a sítio como Barcelona, onde estou agora. No entanto, há muitas pessoas fantásticas lá que têm tido uma influência enorme em mim. Terei sempre um espaço no meu coração para Filadélfia, mas recentemente tenho sentido vontade de sair de lá!


Sentes-te parte de alguma realidade musical dos Estados Unidos, de alguma forma? Pareces ter uma afinidade musical forte com um grupo de músicos como o Jesse Sparhawk, os Arborea, Fern Knight…

Sim! Agora, pela primeira vez na minha vida, começo finalmente a sentir-me parte de uma comunidade musical. Sempre me senti um excêntrico em Filadélfia porque eu nunca quis saber muito de americana ou música folk britânica quando toda a gente está louca com esse tipo de coisas. No entanto, ao longo dos anos, tenho vindo a fazer alguns óptimos amigos entre outros guitarristas solo. Por isso sinto que faço parte de uma rede forte de músicos amigos como o Mike Tamburo, Nick Schillace, Jesse Sparhawk, William Tyler, Keenan Lawler, Paul Metzger, e a malta de Pairdown… Assim como bandas como os Fern Knight e os Arborea.

Trabalhaste com o Jack Rose durante algum tempo. Como foi?

Era muito fácil trabalhar com o Jack. Ficava sempre muito impressionado com a exactidão dele enquanto tocava. Ele nunca falhava uma nota ou uma batida. Por isso tive a sorte de testemunhar o fruto do seu trabalho, ver o quando ele tocava e o resultado que ele alcançou. Foi uma inspiração.

O que é que nos podes contar acerca da tua relação musical com o Jesse Sparhawk? Como é que tudo aconteceu e como é que trabalham em conjunto?

Conheci o Jesse no casamento do Greg Weeks, dos Espers. Foi-me apresentado como sendo um grande guitarrista e começamos a falar. Mandei-o em direcção à Tompkins Square Records com quem andava a falar na altura. O Jesse acabou por editar uma composição na compilação Imaginational Anthem Vol. II. Ao longo dos anos íamos aos concertos um do outro e apoiávamo-nos um ao outro enquanto artistas individuais. Eventualmente, falei com ele acerca da gravação de um disco de harpa solo, que é algo que gostava muito ainda de fazer com ele. Consegui misturar um disco de guitarra solo dele. O Jesse acabou de gravar um disco, Or Kestrel, que é o disco de estreia dele de guitarra solo, que ele anda a mostrar às editoras neste momento. Um engenheiro de som amigo sugeriu que ele e u devíamos fazer um do, tentamos e percebemos que os nossos instrumentos, o estilo de tocar, e as nossas atitudes em relação à improvisação funcionavam mesmo bem juntos.

A forma como tipicamente trabalhamos é cada um de nós trazer um sistema de escalas ou um padrão para cima da mesa e o outro experimenta com isso e adapta se for necessário. E depois improvisamos com isso durante horas e durante várias semanas. A certa altura, começamos a chegar a motivos melódicos e padrões rítmicos similares, e depois isso forma a estrutura solta das composições. Nos concertos, no entanto, é 90% de improvisação.

Há um novo disco vosso pronto a sair. O que é que nos podes contar acerca desse disco?

O nome do disco, Sixty Strings, refere-se ao número de cordas partilhadas entre a "Lever Harp” dele e a minha “Upright Chaturangui”. Musicalmente, o álbum vai buscar muita inspiração a Alice Coltrane e Ali Farka Toure e Toumani Diabeté. Nós queríamos simplesmente fazer um disco que soasse como se dois músicos entrassem numa sala, apertassem as mãos, e tivessem uma conversa com significado. Nesse sentido, acho que fizemos um óptimo trabalho. Esta digressão, em que estamos juntos, está a dar-nos muitas oportunidades de tocar mais frequentemente e de nos tornarmos muito melhor na improvisação conjunta. Já temos muito material novo para um novo disco e mal podemos esperar para continuar a tocar e gravar de novo para podermos voltar à Europa e tocar mais ao vivo.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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