ENTREVISTAS
The Weatherman
Já era tempo de The Weatherman
· 27 Abr 2009 · 23:30 ·
The Weatherman deve estar nas nuvens. Conseguiu fazer um disco que é como nevar em Portugal inteiro. Raro, raro. Uma beleza inesperada, que não surge todos os dias, aliás não está prevista. A música portuguesa não prevê com frequência discos assim. Mas aconteceu. O seu primeiro Cruisin' Alaska já prometia muito, os indícios estavam ali para qualquer M.S.I. (Music Scene Investigator) investigar. Contudo deu-se tempo ao tempo. De 2006 para cá, houve trabalho e muita inspiração certamente. Houve um reinventar da sua condição de cantautor faz-tudo fechado no estúdio para um cantautor livre de amarras e líder de músicos experientes, co-pilotos acertados para viagens maiores. E que viagens. É caso para dizer que Weatherman poderia ser Timemachineman. Logo nos primeiros segundos de audição, somos transportados automaticamente para os anos sessenta-setenta da pop psicadélica cantada em inglês, a “swinging London” e a “trippy San Francisco” na sua versão à moda do Porto, à nossa moda, nossa. Ao invés do Portugal dos três F’s, Fado, Futebol e Fátima, eis final e tardiamente (mas mais vale tarde do que nunca) os três P’s merecidos – Portugal Pop Psicadélico. Porque se reza a história de Brian Wilson, Ray Davies, Syd Barrett, John Lennon, agora também há Alexandre Monteiro.
Jamboree Park at the Milky Way podia perfeitamente ser o nome de um disco dos anos 60, algures entre São Francisco e a “swinging London”. Gostavas de ter vivido nos “sixties”?

Gostava de ter vivido algumas coisas e visitado alguns lugares nessa altura, mas provavelmente é a distância física e temporal de tudo isso que torna tudo tão apetecível. Ou seja, é um pau de dois bicos.

A tua bio no myspace refere o facto que começaste a tocar guitarra aos 14 porque estavas aborrecido. E que te aborreceste várias vezes na vida, evoluindo sempre a partir daí. Este Jamboree (…) surge por que te aborreceste de gravar em estúdio. Dado que só tinhas gravado um álbum, pergunto-te se te aborreces assim tanto com as coisas? Já estás aborrecido com este disco?

Ahah! Não, o caso não é tão grave! Mas é um facto que o aborrecimento acabou por me conduzir para chegar a bons portos. Eu comecei a compôr porque me aborreci de tocar as músicas dos outros. Dava demasiado trabalho e não me satisfazia o ego tanto como eu desejaria. Desta vez, provavelmente aborreceu-me a ideia de voltar a gravar um disco da mesma forma que gravei o anterior. Isto apesar de gostar muito dele.

Para ti quais as diferenças essenciais entre este disco e o teu primeiro Cruisin' Alaska? Sobretudo ao nível das ideias, ambições e aspirações que te iam na cabeça na altura do primeiro e agora. Por exemplo, em graus de satisfação (de 0 a 10) o que darias a cada disco?

No primeiro disco, lembro-me de no fim ter ficado surpreendido comigo mesmo por ter conseguido sozinho fazer aquilo tudo. Por exemplo, quase nunca tinha pegado num baixo e depois dava comigo a constatar que tinha feito umas linhas bem fixes. A minha maior ambição era essa, a de chegar ao fim e ficar surpreendido comigo mesmo, orgulhoso do resultado final, e sentir as reacções de pessoas que gostaram muito do disco. Daria 9/10 ao primeiro e 10/10 a este. Só por causa do raio da última música do Cruisin' Alaska, aquela em que aparece um tipo a falar em espanhol e a tocar tambor. Ainda hoje não sei o que me terá passado pela cabeça... Sempre que ouço isso rio-me à gargalhada e faço stop.


A inspiração do Weatherman surge a qualquer altura, faça chuva ou faça sol? Como és a compôr, a tocar um novo disco? Obsessivo, workahólico, ou pelo contrário, tranquilo ou até preguiçoso?

Tenho fases... acho que passo por esses estados todos. Obsessivo e workahólico porque quando sinto que estou a caminho de fazer uma música boa, fico excitado e persigo aquilo até ao fim, insisto, insisto, tento coisas diferentes e não descanso enquanto não ficar no ponto. Faço rabiscos, experimento letras, risco tudo, desfolho um dicionário caso seja preciso, e repito tudo muitas, muitas vezes. Nunca me aconteceu no dia a seguir esquecer-me de alguma parte de uma música que estivesse a fazer no dia anterior, e raramente gravo seja o que fôr nessa fase. Tranquilo e preguiçoso: Também há dias em que fico doente só de pensar em fazer seja o que fôr. E passo algum tempo sem pensar sequer em música.


Conta-nos mais coisas sobre a tua relação com a Academia de Música de Espinho. Como nasceu, como correu a parceria (ao ouvir o disco parece que correu muito bem), as grandes diferenças e ideias comuns, os altos e baixos dessa relação.

Eu senti desde o primeiro momento que estas canções precisariam de ar, de espaço, de vida, não de clausura. A minha primeira ideia, se bem me lembro, até foi gravar ao ar livre. Mas em conversa com algumas pessoas lá alguém acabou por sugerir este auditório, e pareceu-me perfeito, não só pelo espaço em si, mas também pelo facto de no mesmo edifício funcionar uma escola de música, e podia usar os músicos que estivessem à mão. A maior parte dos arranjos estavam feitos, claro que no processo foi preciso fazer algumas adaptações. O único ponto baixo talvez tenha sido o stress e o acumular de cansaço, aliás existem fotografias que comprovam que ao quarto dia eu e o engenheiro de som, o Nuno Gelpi, parecíamos uns zombies, meio vivos meio mortos. De resto, foram tudo pontos altos. Especiais foram também as participações que à partida não estavam programadas, como o coro infantil em “Candy Clem”.

Chloe é dos nomes de mulher mais bonitos que existem. Soa bem a ler e a dizer. A razão do tema surge porque tens, como eu, uma simples fixação sonora no nome Chloe? Poderia ser Rita’s Hair? Ou no fundo és fã da actriz Chloe Sevigny? Ou mais sério, há ou houve mesmo uma Chloe que te marcou na vida?


Escolhi o nome porque só podia ser um nome de uma mulher bonita e frágil. A música fala de alguém que vive presa na sua própria beleza. É uma sátira à vaidade extrema, ao excesso de futilidade.

O nome Weatherman tem alguma coisa a ver com um obscuro filme de Nicholas Cage? Ou tem a ver com os ainda mais obscuros Weathermen, do “Weather Underground”, movimento ultra-radical dos “sixties” americanos? Como surgiu o nome do teu projecto?

Sim, eu estava a ler sobre esse movimento. Achei imensa piada por eles terem feito coisas como ameaçar que contaminariam os rios de S. Francisco com LSD... achei essa ideia tão absurda quanto interessante, no sentido de despertar a imaginação.

Com que idade é que começaste mesmo a ouvir Beatles e Beach Boys?

Comecei muito cedo, lembro-me de ser muito pequeno (4 ou 5 anos, talvez) e meter os “phones” na cabeça e escolher sempre aquelas bobines, ou cassettes, que me davam um imenso prazer ouvir. E assim ficava durante horas a fio. O meu pai diz que eu impressionava na minha tamanha agilidade em manusear a aparelhagem. Mal sabia caminhar sequer....

Nos dias de hoje o que é que o Weatherman gosta de ouvir quando está sol? E quando está chuva? Cinco discos ou mais para ouvir em qualquer tempo?

Quando está sol.... bem, lembro-me sempre da “Here Comes The Sun”, do Abbey Road, e de um disco meio esquecido dos Beach Boys, o SunFlower. Recentemente tenho ouvido muito um disco de Crosby, Stills, Nash and Young, e tenho andado a descobrir aos poucos a carreira deste último. Também sigo mais ou menos atento os discos novos do Beck, Animal Collective, Elvis Costello, Last Shadow Puppets, Oasis, Vetiver... por aí.


Voltando às músicas do teu disco, e para quem não entende muito de francês, qual o significado da letra de “La Fontaine”? É mesmo uma “ready-made song”?

Eu gosto de pensar que sim... que é uma ready-made song. Essa música é sobre a controversa obra do Marcel Duchamp, o “La Fontaine”, que foi partido a martelo por alguém, lá no museu onde estava exposto. Aquilo fez-me pensar muito, e cheguei à conclusão que de uma certa forma (indirecta claro!) fui eu que a parti. Matar ou destruir uma obra de arte sem razão nenhuma, só porque sim, fez-me pensar no assassinato do Lennon. No fundo é a mesma coisa. E se não existisse gente demasiado obcecada com determinadas coisas, tais actos não aconteceriam... Não é que eu fosse propriamente obcecado com o mijadouro do Duchamp, mas isso fez-me pensar... e se eu admito que fui eu que parti o “La Fontaine” e que fui uma puta por o ter feito, nada melhor do que acabar a música a repetir que ela própria é um “ready-made”.

Há alguma música tua por qual tenhas um carinho especial em relação às outras? Incluindo as do primeiro álbum.

Nop.

O teu disco é tão bom que será um pecado o mundo inteiro não o ouvir. Como está a correr a sua internacionalização? E já agora, concertos lá fora, alguns já previstos?

Ainda não. Para já estou concentrado em promover o disco por cá até à exaustão, porque acho que ele merece. Quero tocar ao vivo regularmente. Depois, logo se verá.

O vídeo de “Chloe's Hair” realizado por André Tentúgal, que aliás participa activamente no disco, está fantástico. O André tem realizado todos os teus vídeos. O que te pergunto é se as ideias são dos dois ou nestas situações o André toma conta integralmente do projecto? E por falar nisso, já tens em mente um segundo single e videoclip? Podemos saber qual música?

Acabei de ter uma ideia para o novo vídeo e enviei-lhe um email para ele me dizer o que acha. Provavelmente vai achar ridícula...vamos aguardar. No vídeo da “Chloe's Hair”, a maior parte das ideias partiu dele, especialmente a nível visual. A ideia de misturar o mundo do Weatherman com a personagem Chloe, se não estou em erro, partiu de mim... Tudo indica que o segundo single será “Follow You Everywhere”...

Recordo a intro no vídeo de ”If You Only Have One Wish” do teu 1º álbum, em que recordam o guru do LSD Timothy Leary. Há sem dúvida muito psicadelismo na tua música. Se não quiseres contar não contes, mas qual foi a tua experiência mais psicadélica até hoje?

Hmm... nunca me droguei a sério, mas uma vez vi uma multidão de pinguins a assistir a um concerto rock, depois de ter bebido uma garrafa de batido de côco.

Imagina Ray Davies, Brian Wilson, Paul McCartney, Roger Daltrey, Bob Dylan e Alex Chilton cá na terra. Depois Syd Barrett e Elliott Smith lá no céu/inferno. Todos tinham tinham ouvido Jamboree (...) e gostado muito. Com quem te sentirias mais lisonjeado, se é que te sentirias?

Bem, elogios venham de quem vier, são sempre bem recebidos. Tirando o Bob Dylan e o Alex Chilton, que não conheço, se qualquer um dos outros dissesse bem do meu disco, talvez eu ficasse em estado de choque, mas acabaria por aceitar naturalmente... sei que o disco é comparável a pelo menos algumas coisas que essa gente toda fez em algum momento das suas carreiras.

Para concluir, como Weatherman, como prevês o tempo na música portuguesa? Um tempo de sol, ou pelo contrário, nublado, chuvoso? Há alguns projectos portugueses tão luminosos como o teu, com os quais te identifiques?

Não arrisco palpites... mas que há por aí muita música boa, isso há.
Nuno Leal
nunleal@gmail.com
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