ENTREVISTAS
The Intelligence
Escrever torto por linhas direitas
· 20 Abr 2009 · 17:43 ·

Sei que estás a preparar um novo álbum. Como tem evoluído? Eras capaz de me actualizar?
Sim, terminámos agora mesmo a gravação do quinto álbum. O nome é Fake Surfers, uma homenagem aos grandes e aos malditos da Califórnia. Acho eu. O Oeste é o melhor e o melhor é o pior. Gravámos o disco no mesmo sítio que o anterior: um estúdio chamado Distillery em Costa Mesa, na Califórnia. Eu sabia que seria uma semana à base de tacos de peixe e Steinlager. Uma semana a ver o engenheiro de som a comer como um puto de 12 anos, que ficou em casa do seu pai divorciado durante o fim-de-semana. Acabou de ser masterizado pelo John Gold, um tipo fantástico, e será lançado em Abril.
Disseste que o Fake Surfers era o quinto disco. Admito que só conheço quatro, a contar com este. Esclarece-me em relação a isso.
Bem… Por ordem, tens o Boredom and Terror, o Let’s Toil, que era o disco bónus da versão vinil do Boredom and Terror. Foi depois lançado pela Pollymagoo, em França. Era suposto ter sido um disco duplo, mas acabámos por excluir essa hipótese. O disco será reeditado em formato duplo pela In the Red neste ou no próximo ano. Depois o terceiro Icky Baby, o quarto Deuteronomy e agora o quinto, Fake Surfers. A maioria das pessoas não entende as circunstâncias estranhas em torno do Let’s Toil, até porque saiu apenas na Europa, daí que possamos até dizer que este é o nosso quarto álbum…
Apreciavas particularmente algum dos trabalhos do Mike McHugh, como engenheiro de som, quando pensaste nele para ajudar na gravação do Deuteronomy? Parecia-te o homem certo para tornar possível tudo o que não estava ao teu alcance até aí?
Conheço-o principalmente dos discos que gravou para a In The Red. Adoro as cenas que fez com os Hunches, Black Lips e os Lamps. Foi-me recomendado pelo próprio Larry Hardy (patrão da In The Red) e pelos Lamps. Estava na altura de fazer qualquer coisa diferente. Eu adoro gravar em casa, mas podia fazer isso quando quisesse. Sentia-me também limitado aos sons que alcanço e queria saber como seria ter outros ouvidos envolvidos no processo. Tentei saber se seríamos capazes de um bom disco, que podia ser escutado com as persianas fechadas. É engraçado pensar que só depois de gravarmos é que soube que muitos dos discos que adoro foram também gravados naquele lugar: caso do Bitterness, Spite, Scorn and Rage, de Dan Melchior, e do Trouble at the V dos Distraction. O Mike acabou por ser um auxiliar de sonho - demo-nos tão bem que a experiência não poderia ter sido melhor. Ele envolveu-se incondicionalmente no disco, como se fosse outro membro da banda. Ele tem um excelente par de ouvidos e um gosto tremendo, o equipamento que apronta é perfeito: velhos microfones numa grande sala, filtrando o som através de material vintage e gravando também em fita. Tudo soava em grande, sem parecer luxuoso ou falsamente hi-fi, sem um aspecto muito Pro-Tools.
Quais são as vantagens de tocar todos os instrumentos no Deuteronomy? Sentiste uma “pica” imparável ao gravar ou acabou por ser cansativo?
Foi do caralho. De certa forma, não foi muito difícil porque estou habituado a isso em casa. Eu tinha ensaiado, mas estava um pouco nervoso em relação a estar num ambiente tão diferente daquele que encontro em casa, onde, quando as coisas não resultam, posso sempre pensar:As cassetes custam apenas 99 cêntimos… Que se lixe! Vou mas é jogar ténis. Estava nervoso perante os prazos e a obrigação de fazer com que tudo resultasse, daí que tivesse ensaiado algumas das canções em casa, nem que fosse para me certificar de que não perderia o resto dos dias a gravar as pistas de bateria até que o cabelo me caísse. A principal vantagem de ser só eu a tocar todos os instrumentos explica-se facilmente: gosto de como soa quando meto a mão em tudo. É divertido ocupar-me de tudo. As restantes vantagens resultam da ausência de egos: em vez de teres quatro egos ao barulho, e um baterista que quer bater nos címbalos chineses na “ponte”, só porque está farto de tocar o ritmo da “My Sharona” em três músicas, e um baixista, que quer mais presença num refrão, tens apenas um ego gigantesco que rege tudo. Isso ajuda a criar espaço e simplicidade, e o enfoque pode até incidir na canção e não nos gajos que a tocam. Devo dizer que tem classe entrar num avião sem instrumentos para ir até à Califórnia gravar um disco.
Recordas-te de como a “Tubes” ganhou forma? Essa música é especialmente intrigante.
Essa tua apreciação lembra-me que o Scott Soriano, da S-S Records, reprovou a “Tubes”, alegando que era uma canção reggae. Essa música surgiu quando me fartei de todos os sons de ritmos dos meus teclados e decidi pedir um emprestado aos Factums. Durante um par de dias, gravei um monte de cenas nesse teclado. A batida é criada ao activares os sons de bateria no teclado: uma tecla é o bombo, a outra é o “bater de palmas” em conjunto com a caixa, etc.. Lembro-me de colocar o teclado do avesso para que pudesse tocar a tempo no botão do “prato de choques”. Pareceu-me quase uma batida de Justin Timberlake. Para avacalhar, afinei a corda Mi até que parecesse uma corda Lá. Tudo ficou mais solto. Estava a tentar um riff à Lake of Dracula. Mas fica descansado, porque não dá vontade de te matares, porque tem um baixo animadinho e saltitão, ao estilo da “The Man Who Sold the World”. A gravação final tem quatro guitarras num espaço de eco com fita suja à mistura. Foi assim que cheguei ao loop, que vai desaparecendo no fim da música.
É pá! Desculpa. Comecei a falar da “The Recepcionist” a meio da descrição. Trabalhei em ambas simultaneamente. No fundo, a “Tubes” partiu da batida de caixa de ritmos acompanhada por uns teclados foleiros. Agradava-me o facto de nunca termos tentado nada tão alegre e agitado. No estúdio, só me apetecia sobrecarregar essa base com todo o tipo de coisas. Encontrava-se por lá um pequeno piano de brincar, que usei para reproduzir a parte principal de teclado. És capaz de escutar também um Glockenspiel lá pelo meio. Fomos obrigados a gravá-lo numa série de tentativas, porque eu era um desastre a tocá-lo. Aquele Fuck! odioso, que se escuta, sucedeu-se porque, na tentativa de captarmos o Glockspiel, aumentámos o volume do microfone até um ponto absurdamente alto. Sempre que falhava, e falhei muitas vezes, dizia fuck daquela maneira odiável e fazia rir todos os presentes naquele estúdio delirante. Era suposto ter sido apagado e ainda me arrepia ter de escutá-lo, mas o Mike convenceu-me a incluí-lo. Acreditámos que era tão estúpido que acabava por ser fixe. Faz sentido no caso dessa canção. A letra é sobre um bronco que perde os fins-de-semana a encher a cabeça de merda em discotecas, repetindo os mesmos ciclos de altos e baixos, até ao dia em que dá por si a viver nos esgotos com uma beldade vinda dos céus que não tem interesse em viver assim. Eu gostava de referir que a letra não é largamente autobiográfica. Procurei também cantar de um modo muito “inglês e entediado”, como se pronunciasse a arrogância de quem já ultrapassou determinada coisa. Eu insistia com a Susanna para que tornasse a sua voz “mais entediada”. Acabou a cantar entre dentes e por debaixo de uma gola alta preta.
Gosto de como disses fuck na “Tubes”. Dá uma ideia de como era o ambiente no estúdio. Digo-o de uma forma parecida e em português, ao jogar Arkanoid, quando perco numa altura em que faltam poucos tijolos para passar de nível. Recordas-te de outros excertos acidentais que tivessem surgido da frustração e terminassem numa música de Intelligence?
Não me recordo de outros excertos gerados pela frustração, mas gosto de como a “Faint Joy”, a primeira canção do Let’s Toil, termina: com a voz do meu filho a dizer Gostava de saber como funciona., depois de pegar no microfone da bateria. Nessa altura tinha 3 ou 4 anos, e era habitual vir mexer no equipamento, enquanto eu tentava afastá-lo e tocar bateria ao mesmo tempo. Na última canção é possível escutá-lo a dizer: Acho que preciso de uma boa soneca. - logo depois de ter saído do seu quarto.
No que respeita à variedade de instrumentos usados no Deuteronomy, calculo que alguns ficassem afastados do formato ao vivo. Como adaptaste o Deuteronomy aos concertos?
Acho que tocámos quase tudo desse disco. Algumas canções são fáceis: tocamos frequentemente a “Dating Cops” e a “Moon Beeps”, a “Secret Signals” também. Tentámos, durante algum tempo, a “Deuteronomy”, mas a dinâmica dessa funciona melhor em disco. Fomos incapazes de atingir o ponto desejado. Nessa altura ainda não tocava teclado regularmente, e isso pode também ter ajudado a piorá-la. A “Rooms and Bangs” também ficou aquém do desejado. É engraçado pensar que, até certo ponto, tens razão, porque algumas coisas não funcionam realmente. Isso acontece com um tema como a “Rooms and Bags”, em que é impossível colocar a bateria acima de tudo e manter a canção com aquela batida completamente simples. A linha de baixo também é um pesadelo. Agora montei um teclado ao meu lado, enquanto toco guitarra, e isso facilitou-me a vida num monte de músicas, até porque existe muito mais teclado no novo disco.
Confesso que não percebi quase nada do que li na biografia e entrevistas do Monty Buckles. O gajo parece ser um grande personagem… Vocês cresceram realmente juntos? Até que ponto interferiste nos vídeos que ele gravou para os A Frames e The Intelligence?
Isso é engraçado. Não tive nada a ver com a entrevista ou com os vídeos. A entrevista é falsa e foi hilariante lê-la. Adoro-o, tal como adoro os seus vídeos. Suspeito que o seu apartamento cheirasse a vomitado depois de ter filmado aqueles caranguejos gigantes debaixo de luz quente durante um dia inteiro. Gostava de poder revelar a quem pertencem aqueles lábios. É um cantor famoso. Eu adoro o Monty. Ele toca guitarra e sintetizador e canta no nosso novo disco.
O video da “Dating Cops” chegou a ser emitido por algum canal? Suponho que fosse engraçado ver dois caranguejos num ecrã de televisão e imaginar as diferentes reacções.
Nunca o vi na televisão ou cena assim.
Além do Monty, contas com outros convidados especiais neste novo álbum?
Foi divertido, porque, além do Monty, dois dos meus vocalistas favoritos entram no disco: o Brad dos Wounded Lion, de Los Angeles, canta em algumas canções. O gajo é um excelente pintor e um tipo impecável. E o Brian, dos Christmas Islands de San Diego, uma das nossas bandas favoritas, cantou num par de temas também. O Erin dos Spits era suposto cantar numa também: uma canção intitulada “Chauto Bandit”, que escrevi na tentativa de imitar os Spits. Mas não foi possível, pelo que terá de ficar para o próximo disco, possivelmente. E a Susanna canta neste disco também, mas não é um convidado porque faz parte da banda.
Quando escutei a “Block of Ice” no disco de Thee Oh Sees, pensei que fosse uma versão da música incluída no Deutoronomy. Só mais tarde me apercebi que os papéis estavam invertidos. Parece-me uma golpada do caralho gravar a versão de uma música, antes de ser lançada oficialmente pela própria banda. O John Dwyer concordou com isso de imediato?
É engraçado pensar que recebi uma primeira mistura de um disco de Oh Sees que começava com a “Block of Ice”. Passei a adorar a música nesse preciso instante. Era, ainda assim, uma versão muito diferente da que surgiu no The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In - muito descarnada, sem címbalos nem nada. É possível encontrar uma versão semelhante a essa no Hounds of Foggy Notion dos Oh Sees. Eles são fantásticos e toda a gente os adora agora, como deve acontecer, mas acho que não merecem crédito suficiente pelo que faziam durante as primeiras formações da banda, quando eram apenas um mini-kit de bateria. Eu estava rendido a esse formato nada rock e também assombroso. Bem… Ouvimos a “Block of Ice” vezes sem conta e decidimos fazer uma cover. Atendendo a que gravei todos os instrumentos, gravámos aquela batida sem mais nada a acompanhar. O McHugh ficou a olhar para mim, a partir da mesa de mistura, e a achar que eu estava a dar em maluco ao repetir aquele boom bap boom boom bap sem mais nada. Não sabia se eu estava na brincadeira. Já que o tinha sujeito a tal massacre, pensei:OK. Estou a tocar esta batida há mais de 15 minutos e isso é mais que suficiente para tentar trabalhar na canção.. Voltámos depois a essa gravação, porque não havia tempo para gravar mais, e tínhamos apenas um minuto e meio de bateria. Isso obrigou-me a cortar um pouco do original para encaixá-lo naquele curto espaço de tempo. Senti-me estranho com isso e fui obrigado a dizer ao John:Pá! Não senti necessidade de editar a tua música indulgente de dois minutos e meio. Sou apenas um atrasado mental. Depois, entreguei o nosso disco e fiquei a saber que eles tinham abandonado aquela versão, porque ambicionavam regravar a música para inclusão num próximo disco. Ou seja, a nossa versão sairia antes da deles, mas eles concordaram que assim fosse. Eu cheguei a pensar que a nossa versão não fazia justiça ao original por ser muito “rock”. No final, a “Block of Ice” dos Oh Sees acabou por ser muito mais punk e isso só tornou mais estranha a nossa versão.
Acreditas que as músicas incluídas no split com Thee Oh Sees antecipam de alguma forma o novo disco? Parecem mais cruas…
Depois de terminar o Deuteronomy, só me apetecia partir a loiça e gravar cenas fodidas. É óbvio que também adoro as coisas do John e isso tornou-me competitivo ao ponto de querer esmagá-los com crueldade e “chumbo grosso”. Existem canções desse estilo no novo disco. Procurei avançar em ambas as direcções: queria músicas mais punk e outras mais bonitas. Acredito que este é, ao mesmo tempo, o mais severo e o mais mariquinhas dos nossos discos.
Guardas na memória algum malabarismo do John Dwyer que te tenha impressionado particularmente?
Viste-o a esmagar a guitarra na cabeça daquele gajo quando tocava nos Hospitals?
Sim, claro. Volto a esse video todos os meses.
Pois, foi uma cena de loucos. Mas o meu favorito terá sido na primeira vez em que o vi a tocar com Ziegenbock Kopf, quando escalou descalço uma parede apoiando os pés nas dobradiças de uma porta até chegar a um contraplacado contra o qual esfregou os tomates.
Que novidades podemos esperar da zine Terminal Boredom?
Algumas coisas porreiras para breve.
Agora que o teu puto está mais crescido, tens reparado se começou a curtir mais The Intelligence? Já se aventurou nos seus próprios sete polegadas?
Acho que ele se está a borrifar para a minha música. Não escutamos The Intelligence juntos. Ele gosta de saber quando vamos tocar a um sítio porreiro. Ele tem um iPod e estava a enchê-lo com algumas coisas. Gosta da “We’re Gonna Be Friends” de White Stripes e de ouvir Bob Marley quando vai para a cama. Achei isso fixe. Ocasionalmente, gosta de fazer umas batalhas de DJ, em que tocamos música alternadamente. Gosta da “Fortunate Son” de Creedence Clearwater Revival e da “Single Ladies (Put a Ring on it)” da Beyoncé, o que é basicamente igual a The Intelligence… Também meteu o filme Bruce Almighty no iPod. Os putos de hoje…
Miguel ArsénioSim, terminámos agora mesmo a gravação do quinto álbum. O nome é Fake Surfers, uma homenagem aos grandes e aos malditos da Califórnia. Acho eu. O Oeste é o melhor e o melhor é o pior. Gravámos o disco no mesmo sítio que o anterior: um estúdio chamado Distillery em Costa Mesa, na Califórnia. Eu sabia que seria uma semana à base de tacos de peixe e Steinlager. Uma semana a ver o engenheiro de som a comer como um puto de 12 anos, que ficou em casa do seu pai divorciado durante o fim-de-semana. Acabou de ser masterizado pelo John Gold, um tipo fantástico, e será lançado em Abril.
Disseste que o Fake Surfers era o quinto disco. Admito que só conheço quatro, a contar com este. Esclarece-me em relação a isso.
Bem… Por ordem, tens o Boredom and Terror, o Let’s Toil, que era o disco bónus da versão vinil do Boredom and Terror. Foi depois lançado pela Pollymagoo, em França. Era suposto ter sido um disco duplo, mas acabámos por excluir essa hipótese. O disco será reeditado em formato duplo pela In the Red neste ou no próximo ano. Depois o terceiro Icky Baby, o quarto Deuteronomy e agora o quinto, Fake Surfers. A maioria das pessoas não entende as circunstâncias estranhas em torno do Let’s Toil, até porque saiu apenas na Europa, daí que possamos até dizer que este é o nosso quarto álbum…
Apreciavas particularmente algum dos trabalhos do Mike McHugh, como engenheiro de som, quando pensaste nele para ajudar na gravação do Deuteronomy? Parecia-te o homem certo para tornar possível tudo o que não estava ao teu alcance até aí?
Conheço-o principalmente dos discos que gravou para a In The Red. Adoro as cenas que fez com os Hunches, Black Lips e os Lamps. Foi-me recomendado pelo próprio Larry Hardy (patrão da In The Red) e pelos Lamps. Estava na altura de fazer qualquer coisa diferente. Eu adoro gravar em casa, mas podia fazer isso quando quisesse. Sentia-me também limitado aos sons que alcanço e queria saber como seria ter outros ouvidos envolvidos no processo. Tentei saber se seríamos capazes de um bom disco, que podia ser escutado com as persianas fechadas. É engraçado pensar que só depois de gravarmos é que soube que muitos dos discos que adoro foram também gravados naquele lugar: caso do Bitterness, Spite, Scorn and Rage, de Dan Melchior, e do Trouble at the V dos Distraction. O Mike acabou por ser um auxiliar de sonho - demo-nos tão bem que a experiência não poderia ter sido melhor. Ele envolveu-se incondicionalmente no disco, como se fosse outro membro da banda. Ele tem um excelente par de ouvidos e um gosto tremendo, o equipamento que apronta é perfeito: velhos microfones numa grande sala, filtrando o som através de material vintage e gravando também em fita. Tudo soava em grande, sem parecer luxuoso ou falsamente hi-fi, sem um aspecto muito Pro-Tools.
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Quais são as vantagens de tocar todos os instrumentos no Deuteronomy? Sentiste uma “pica” imparável ao gravar ou acabou por ser cansativo?
Foi do caralho. De certa forma, não foi muito difícil porque estou habituado a isso em casa. Eu tinha ensaiado, mas estava um pouco nervoso em relação a estar num ambiente tão diferente daquele que encontro em casa, onde, quando as coisas não resultam, posso sempre pensar:As cassetes custam apenas 99 cêntimos… Que se lixe! Vou mas é jogar ténis. Estava nervoso perante os prazos e a obrigação de fazer com que tudo resultasse, daí que tivesse ensaiado algumas das canções em casa, nem que fosse para me certificar de que não perderia o resto dos dias a gravar as pistas de bateria até que o cabelo me caísse. A principal vantagem de ser só eu a tocar todos os instrumentos explica-se facilmente: gosto de como soa quando meto a mão em tudo. É divertido ocupar-me de tudo. As restantes vantagens resultam da ausência de egos: em vez de teres quatro egos ao barulho, e um baterista que quer bater nos címbalos chineses na “ponte”, só porque está farto de tocar o ritmo da “My Sharona” em três músicas, e um baixista, que quer mais presença num refrão, tens apenas um ego gigantesco que rege tudo. Isso ajuda a criar espaço e simplicidade, e o enfoque pode até incidir na canção e não nos gajos que a tocam. Devo dizer que tem classe entrar num avião sem instrumentos para ir até à Califórnia gravar um disco.
Recordas-te de como a “Tubes” ganhou forma? Essa música é especialmente intrigante.
Essa tua apreciação lembra-me que o Scott Soriano, da S-S Records, reprovou a “Tubes”, alegando que era uma canção reggae. Essa música surgiu quando me fartei de todos os sons de ritmos dos meus teclados e decidi pedir um emprestado aos Factums. Durante um par de dias, gravei um monte de cenas nesse teclado. A batida é criada ao activares os sons de bateria no teclado: uma tecla é o bombo, a outra é o “bater de palmas” em conjunto com a caixa, etc.. Lembro-me de colocar o teclado do avesso para que pudesse tocar a tempo no botão do “prato de choques”. Pareceu-me quase uma batida de Justin Timberlake. Para avacalhar, afinei a corda Mi até que parecesse uma corda Lá. Tudo ficou mais solto. Estava a tentar um riff à Lake of Dracula. Mas fica descansado, porque não dá vontade de te matares, porque tem um baixo animadinho e saltitão, ao estilo da “The Man Who Sold the World”. A gravação final tem quatro guitarras num espaço de eco com fita suja à mistura. Foi assim que cheguei ao loop, que vai desaparecendo no fim da música.
É pá! Desculpa. Comecei a falar da “The Recepcionist” a meio da descrição. Trabalhei em ambas simultaneamente. No fundo, a “Tubes” partiu da batida de caixa de ritmos acompanhada por uns teclados foleiros. Agradava-me o facto de nunca termos tentado nada tão alegre e agitado. No estúdio, só me apetecia sobrecarregar essa base com todo o tipo de coisas. Encontrava-se por lá um pequeno piano de brincar, que usei para reproduzir a parte principal de teclado. És capaz de escutar também um Glockenspiel lá pelo meio. Fomos obrigados a gravá-lo numa série de tentativas, porque eu era um desastre a tocá-lo. Aquele Fuck! odioso, que se escuta, sucedeu-se porque, na tentativa de captarmos o Glockspiel, aumentámos o volume do microfone até um ponto absurdamente alto. Sempre que falhava, e falhei muitas vezes, dizia fuck daquela maneira odiável e fazia rir todos os presentes naquele estúdio delirante. Era suposto ter sido apagado e ainda me arrepia ter de escutá-lo, mas o Mike convenceu-me a incluí-lo. Acreditámos que era tão estúpido que acabava por ser fixe. Faz sentido no caso dessa canção. A letra é sobre um bronco que perde os fins-de-semana a encher a cabeça de merda em discotecas, repetindo os mesmos ciclos de altos e baixos, até ao dia em que dá por si a viver nos esgotos com uma beldade vinda dos céus que não tem interesse em viver assim. Eu gostava de referir que a letra não é largamente autobiográfica. Procurei também cantar de um modo muito “inglês e entediado”, como se pronunciasse a arrogância de quem já ultrapassou determinada coisa. Eu insistia com a Susanna para que tornasse a sua voz “mais entediada”. Acabou a cantar entre dentes e por debaixo de uma gola alta preta.
Gosto de como disses fuck na “Tubes”. Dá uma ideia de como era o ambiente no estúdio. Digo-o de uma forma parecida e em português, ao jogar Arkanoid, quando perco numa altura em que faltam poucos tijolos para passar de nível. Recordas-te de outros excertos acidentais que tivessem surgido da frustração e terminassem numa música de Intelligence?
Não me recordo de outros excertos gerados pela frustração, mas gosto de como a “Faint Joy”, a primeira canção do Let’s Toil, termina: com a voz do meu filho a dizer Gostava de saber como funciona., depois de pegar no microfone da bateria. Nessa altura tinha 3 ou 4 anos, e era habitual vir mexer no equipamento, enquanto eu tentava afastá-lo e tocar bateria ao mesmo tempo. Na última canção é possível escutá-lo a dizer: Acho que preciso de uma boa soneca. - logo depois de ter saído do seu quarto.
No que respeita à variedade de instrumentos usados no Deuteronomy, calculo que alguns ficassem afastados do formato ao vivo. Como adaptaste o Deuteronomy aos concertos?
Acho que tocámos quase tudo desse disco. Algumas canções são fáceis: tocamos frequentemente a “Dating Cops” e a “Moon Beeps”, a “Secret Signals” também. Tentámos, durante algum tempo, a “Deuteronomy”, mas a dinâmica dessa funciona melhor em disco. Fomos incapazes de atingir o ponto desejado. Nessa altura ainda não tocava teclado regularmente, e isso pode também ter ajudado a piorá-la. A “Rooms and Bangs” também ficou aquém do desejado. É engraçado pensar que, até certo ponto, tens razão, porque algumas coisas não funcionam realmente. Isso acontece com um tema como a “Rooms and Bags”, em que é impossível colocar a bateria acima de tudo e manter a canção com aquela batida completamente simples. A linha de baixo também é um pesadelo. Agora montei um teclado ao meu lado, enquanto toco guitarra, e isso facilitou-me a vida num monte de músicas, até porque existe muito mais teclado no novo disco.
Confesso que não percebi quase nada do que li na biografia e entrevistas do Monty Buckles. O gajo parece ser um grande personagem… Vocês cresceram realmente juntos? Até que ponto interferiste nos vídeos que ele gravou para os A Frames e The Intelligence?
Isso é engraçado. Não tive nada a ver com a entrevista ou com os vídeos. A entrevista é falsa e foi hilariante lê-la. Adoro-o, tal como adoro os seus vídeos. Suspeito que o seu apartamento cheirasse a vomitado depois de ter filmado aqueles caranguejos gigantes debaixo de luz quente durante um dia inteiro. Gostava de poder revelar a quem pertencem aqueles lábios. É um cantor famoso. Eu adoro o Monty. Ele toca guitarra e sintetizador e canta no nosso novo disco.
O video da “Dating Cops” chegou a ser emitido por algum canal? Suponho que fosse engraçado ver dois caranguejos num ecrã de televisão e imaginar as diferentes reacções.
Nunca o vi na televisão ou cena assim.
Além do Monty, contas com outros convidados especiais neste novo álbum?
Foi divertido, porque, além do Monty, dois dos meus vocalistas favoritos entram no disco: o Brad dos Wounded Lion, de Los Angeles, canta em algumas canções. O gajo é um excelente pintor e um tipo impecável. E o Brian, dos Christmas Islands de San Diego, uma das nossas bandas favoritas, cantou num par de temas também. O Erin dos Spits era suposto cantar numa também: uma canção intitulada “Chauto Bandit”, que escrevi na tentativa de imitar os Spits. Mas não foi possível, pelo que terá de ficar para o próximo disco, possivelmente. E a Susanna canta neste disco também, mas não é um convidado porque faz parte da banda.
Quando escutei a “Block of Ice” no disco de Thee Oh Sees, pensei que fosse uma versão da música incluída no Deutoronomy. Só mais tarde me apercebi que os papéis estavam invertidos. Parece-me uma golpada do caralho gravar a versão de uma música, antes de ser lançada oficialmente pela própria banda. O John Dwyer concordou com isso de imediato?
É engraçado pensar que recebi uma primeira mistura de um disco de Oh Sees que começava com a “Block of Ice”. Passei a adorar a música nesse preciso instante. Era, ainda assim, uma versão muito diferente da que surgiu no The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In - muito descarnada, sem címbalos nem nada. É possível encontrar uma versão semelhante a essa no Hounds of Foggy Notion dos Oh Sees. Eles são fantásticos e toda a gente os adora agora, como deve acontecer, mas acho que não merecem crédito suficiente pelo que faziam durante as primeiras formações da banda, quando eram apenas um mini-kit de bateria. Eu estava rendido a esse formato nada rock e também assombroso. Bem… Ouvimos a “Block of Ice” vezes sem conta e decidimos fazer uma cover. Atendendo a que gravei todos os instrumentos, gravámos aquela batida sem mais nada a acompanhar. O McHugh ficou a olhar para mim, a partir da mesa de mistura, e a achar que eu estava a dar em maluco ao repetir aquele boom bap boom boom bap sem mais nada. Não sabia se eu estava na brincadeira. Já que o tinha sujeito a tal massacre, pensei:OK. Estou a tocar esta batida há mais de 15 minutos e isso é mais que suficiente para tentar trabalhar na canção.. Voltámos depois a essa gravação, porque não havia tempo para gravar mais, e tínhamos apenas um minuto e meio de bateria. Isso obrigou-me a cortar um pouco do original para encaixá-lo naquele curto espaço de tempo. Senti-me estranho com isso e fui obrigado a dizer ao John:Pá! Não senti necessidade de editar a tua música indulgente de dois minutos e meio. Sou apenas um atrasado mental. Depois, entreguei o nosso disco e fiquei a saber que eles tinham abandonado aquela versão, porque ambicionavam regravar a música para inclusão num próximo disco. Ou seja, a nossa versão sairia antes da deles, mas eles concordaram que assim fosse. Eu cheguei a pensar que a nossa versão não fazia justiça ao original por ser muito “rock”. No final, a “Block of Ice” dos Oh Sees acabou por ser muito mais punk e isso só tornou mais estranha a nossa versão.
Acreditas que as músicas incluídas no split com Thee Oh Sees antecipam de alguma forma o novo disco? Parecem mais cruas…
Depois de terminar o Deuteronomy, só me apetecia partir a loiça e gravar cenas fodidas. É óbvio que também adoro as coisas do John e isso tornou-me competitivo ao ponto de querer esmagá-los com crueldade e “chumbo grosso”. Existem canções desse estilo no novo disco. Procurei avançar em ambas as direcções: queria músicas mais punk e outras mais bonitas. Acredito que este é, ao mesmo tempo, o mais severo e o mais mariquinhas dos nossos discos.
Guardas na memória algum malabarismo do John Dwyer que te tenha impressionado particularmente?
Viste-o a esmagar a guitarra na cabeça daquele gajo quando tocava nos Hospitals?
Sim, claro. Volto a esse video todos os meses.
Pois, foi uma cena de loucos. Mas o meu favorito terá sido na primeira vez em que o vi a tocar com Ziegenbock Kopf, quando escalou descalço uma parede apoiando os pés nas dobradiças de uma porta até chegar a um contraplacado contra o qual esfregou os tomates.
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Que novidades podemos esperar da zine Terminal Boredom?
Algumas coisas porreiras para breve.
Agora que o teu puto está mais crescido, tens reparado se começou a curtir mais The Intelligence? Já se aventurou nos seus próprios sete polegadas?
Acho que ele se está a borrifar para a minha música. Não escutamos The Intelligence juntos. Ele gosta de saber quando vamos tocar a um sítio porreiro. Ele tem um iPod e estava a enchê-lo com algumas coisas. Gosta da “We’re Gonna Be Friends” de White Stripes e de ouvir Bob Marley quando vai para a cama. Achei isso fixe. Ocasionalmente, gosta de fazer umas batalhas de DJ, em que tocamos música alternadamente. Gosta da “Fortunate Son” de Creedence Clearwater Revival e da “Single Ladies (Put a Ring on it)” da Beyoncé, o que é basicamente igual a The Intelligence… Também meteu o filme Bruce Almighty no iPod. Os putos de hoje…
migarsenio@yahoo.com
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