The Intelligence Ă© um nome enganador para a tentativa - que Lars Finberg encabeça - de provar que o rock inconformado, como um puto que foge de casa, sĂł o pode ser se for minimamente estĂşpido e falĂvel. Enganador, porque as mĂşsicas de Intelligence sĂŁo reconhecĂveis precisamente pela quantidade de inteligĂŞncia e virtuosismo que deixam de fora: esquivam-se a introduções e conclusões balofas, cultivam a cegueira sempre que nĂŁo se percebe onde acabam os versos e começa o refrĂŁo (com duas frases apenas, “Dating Cops” progride como um nĂ©on). E tudo isto funciona como uma bomba com pavio curto, ou nĂŁo fosse Lars Finberg um exĂ©rcito de ruĂdo concentrado num sĂł corpo calejado pelos anos aos serviço dos A Frames e The Dipers (agitadores de Seattle na dolorosa ressaca do bicho grunge). A sorte do estrangulamento radical a que Lars sujeita o rock Ă© tambĂ©m da casa In The Red, ultimamente muito badalada pela má fama das Vivian Girls e de King Khan. Foi pela In The Red que passou
Deuteronomy , impressionante sabotagem de treze soluções inteligentes e grande colecção de riffs afiados de 2007, e que agora passa
Fake Surfers , álbum extremado, que coloca a
surf music em situações comprometedoras. Com
Fake Surfers , ficamos também a saber que poderá existir um (pseudo-)feudo que opõe os Intelligence aos congéneres Eat Skull - isto se aceitarmos “Fuck Eat Skull” como resposta a “No Intelligence” da banda de
Sick to Death . Lars Finberg, o multi-instrumentista que mais ordena e estrilha nos Intelligence, não confirmou essa hipótese, mas foi extensivamente elucidativo em relação a tudo o resto.
Sei que estás a preparar um novo álbum. Como tem evoluĂdo? Eras capaz de me actualizar?
Sim, terminámos agora mesmo a gravação do quinto álbum. O nome é
Fake Surfers , uma homenagem aos grandes e aos malditos da CalifĂłrnia. Acho eu. O Oeste Ă© o melhor e o melhor Ă© o pior. Gravámos o disco no mesmo sĂtio que o anterior: um estĂşdio chamado Distillery em Costa Mesa, na CalifĂłrnia. Eu sabia que seria uma semana Ă base de tacos de peixe e Steinlager. Uma semana a ver o engenheiro de som a comer como um puto de 12 anos, que ficou em casa do seu pai divorciado durante o fim-de-semana. Acabou de ser masterizado pelo John Gold, um tipo fantástico, e será lançado em Abril.
Disseste que o Fake Surfers era o quinto disco. Admito que só conheço quatro, a contar com este. Esclarece-me em relação a isso.
Bem… Por ordem, tens o
Boredom and Terror , o
Let’s Toil , que era o disco bónus da versão vinil do
Boredom and Terror . Foi depois lançado pela Pollymagoo, em França. Era suposto ter sido um disco duplo, mas acabámos por excluir essa hipótese. O disco será reeditado em formato duplo pela In the Red neste ou no próximo ano. Depois o terceiro
Icky Baby , o quarto
Deuteronomy e agora o quinto,
Fake Surfers . A maioria das pessoas não entende as circunstâncias estranhas em torno do
Let’s Toil , até porque saiu apenas na Europa, daà que possamos até dizer que este é o nosso quarto álbum…
Apreciavas particularmente algum dos trabalhos do Mike McHugh, como engenheiro de som, quando pensaste nele para ajudar na gravação do Deuteronomy ? Parecia-te o homem certo para tornar possĂvel tudo o que nĂŁo estava ao teu alcance atĂ© aĂ?
Conheço-o principalmente dos discos que gravou para a In The Red. Adoro as cenas que fez com os Hunches, Black Lips e os Lamps. Foi-me recomendado pelo prĂłprio Larry Hardy (patrĂŁo da In The Red) e pelos Lamps. Estava na altura de fazer qualquer coisa diferente. Eu adoro gravar em casa, mas podia fazer isso quando quisesse. Sentia-me tambĂ©m limitado aos sons que alcanço e queria saber como seria ter outros ouvidos envolvidos no processo. Tentei saber se serĂamos capazes de um bom disco, que podia ser escutado com as persianas fechadas. É engraçado pensar que sĂł depois de gravarmos Ă© que soube que muitos dos discos que adoro foram tambĂ©m gravados naquele lugar: caso do
Bitterness, Spite, Scorn and Rage , de Dan Melchior, e do
Trouble at the V dos Distraction. O Mike acabou por ser um auxiliar de sonho - demo-nos tão bem que a experiência não poderia ter sido melhor. Ele envolveu-se incondicionalmente no disco, como se fosse outro membro da banda. Ele tem um excelente par de ouvidos e um gosto tremendo, o equipamento que apronta é perfeito: velhos microfones numa grande sala, filtrando o som através de material
vintage e gravando também em fita. Tudo soava em grande, sem parecer luxuoso ou falsamente hi-fi, sem um aspecto muito Pro-Tools.
Quais são as vantagens de tocar todos os instrumentos no Deuteronomy ? Sentiste uma “pica” imparável ao gravar ou acabou por ser cansativo?
Foi do caralho. De certa forma, nĂŁo foi muito difĂcil porque estou habituado a isso em casa. Eu tinha ensaiado, mas estava um pouco nervoso em relação a estar num ambiente tĂŁo diferente daquele que encontro em casa, onde, quando as coisas nĂŁo resultam, posso sempre pensar:
As cassetes custam apenas 99 cĂŞntimos… Que se lixe! Vou mas Ă© jogar tĂ©nis. Estava nervoso perante os prazos e a obrigação de fazer com que tudo resultasse, daĂ que tivesse ensaiado algumas das canções em casa, nem que fosse para me certificar de que nĂŁo perderia o resto dos dias a gravar as pistas de bateria atĂ© que o cabelo me caĂsse. A principal vantagem de ser sĂł eu a tocar todos os instrumentos explica-se facilmente: gosto de como soa quando meto a mĂŁo em tudo. É divertido ocupar-me de tudo. As restantes vantagens resultam da ausĂŞncia de egos: em vez de teres quatro egos ao barulho, e um baterista que quer bater nos cĂmbalos chineses na “ponte”, sĂł porque está farto de tocar o ritmo da “My Sharona” em trĂŞs mĂşsicas, e um baixista, que quer mais presença num refrĂŁo, tens apenas um ego gigantesco que rege tudo. Isso ajuda a criar espaço e simplicidade, e o enfoque pode atĂ© incidir na canção e nĂŁo nos gajos que a tocam. Devo dizer que tem classe entrar num aviĂŁo sem instrumentos para ir atĂ© Ă CalifĂłrnia gravar um disco.
Recordas-te de como a “Tubes” ganhou forma? Essa música é especialmente intrigante.
Essa tua apreciação lembra-me que o Scott Soriano, da S-S Records, reprovou a “Tubes”, alegando que era uma canção reggae. Essa música surgiu quando me fartei de todos os sons de ritmos dos meus teclados e decidi pedir um emprestado aos Factums. Durante um par de dias, gravei um monte de cenas nesse teclado. A batida é criada ao activares os sons de bateria no teclado: uma tecla é o bombo, a outra é o “bater de palmas” em conjunto com a caixa, etc.. Lembro-me de colocar o teclado do avesso para que pudesse tocar a tempo no botão do “prato de choques”. Pareceu-me quase uma batida de Justin Timberlake. Para avacalhar, afinei a corda Mi até que parecesse uma corda Lá. Tudo ficou mais solto. Estava a tentar um riff à Lake of Dracula. Mas fica descansado, porque não dá vontade de te matares, porque tem um baixo animadinho e saltitão, ao estilo da “The Man Who Sold the World”. A gravação final tem quatro guitarras num espaço de eco com fita suja à mistura. Foi assim que cheguei ao
loop , que vai desaparecendo no fim da mĂşsica.
É pá! Desculpa. Comecei a falar da “The Recepcionist” a meio da descrição. Trabalhei em ambas simultaneamente. No fundo, a “Tubes” partiu da batida de caixa de ritmos acompanhada por uns teclados foleiros. Agradava-me o facto de nunca termos tentado nada tão alegre e agitado. No estúdio, só me apetecia sobrecarregar essa base com todo o tipo de coisas. Encontrava-se por lá um pequeno piano de brincar, que usei para reproduzir a parte principal de teclado. És capaz de escutar também um Glockenspiel lá pelo meio. Fomos obrigados a gravá-lo numa série de tentativas, porque eu era um desastre a tocá-lo. Aquele
Fuck! odioso, que se escuta, sucedeu-se porque, na tentativa de captarmos o Glockspiel, aumentámos o volume do microfone até um ponto absurdamente alto. Sempre que falhava, e falhei muitas vezes, dizia
fuck daquela maneira odiável e fazia rir todos os presentes naquele estĂşdio delirante. Era suposto ter sido apagado e ainda me arrepia ter de escutá-lo, mas o Mike convenceu-me a incluĂ-lo. Acreditámos que era tĂŁo estĂşpido que acabava por ser fixe. Faz sentido no caso dessa canção. A letra Ă© sobre um bronco que perde os fins-de-semana a encher a cabeça de merda em discotecas, repetindo os mesmos ciclos de altos e baixos, atĂ© ao dia em que dá por si a viver nos esgotos com uma beldade vinda dos cĂ©us que nĂŁo tem interesse em viver assim. Eu gostava de referir que a letra nĂŁo Ă© largamente autobiográfica. Procurei tambĂ©m cantar de um modo muito “inglĂŞs e entediado”, como se pronunciasse a arrogância de quem já ultrapassou determinada coisa. Eu insistia com a Susanna para que tornasse a sua voz “mais entediada”. Acabou a cantar entre dentes e por debaixo de uma gola alta preta.
Gosto de como disses fuck na “Tubes”. Dá uma ideia de como era o ambiente no estĂşdio. Digo-o de uma forma parecida e em portuguĂŞs, ao jogar Arkanoid , quando perco numa altura em que faltam poucos tijolos para passar de nĂvel. Recordas-te de outros excertos acidentais que tivessem surgido da frustração e terminassem numa mĂşsica de Intelligence?
Não me recordo de outros excertos gerados pela frustração, mas gosto de como a “Faint Joy”, a primeira canção do
Let’s Toil , termina: com a voz do meu filho a dizer
Gostava de saber como funciona. , depois de pegar no microfone da bateria. Nessa altura tinha 3 ou 4 anos, e era habitual vir mexer no equipamento, enquanto eu tentava afastá-lo e tocar bateria ao mesmo tempo. Na Ăşltima canção Ă© possĂvel escutá-lo a dizer:
Acho que preciso de uma boa soneca. - logo depois de ter saĂdo do seu quarto.
No que respeita Ă variedade de instrumentos usados no Deuteronomy , calculo que alguns ficassem afastados do formato ao vivo. Como adaptaste o Deuteronomy aos concertos?
Acho que tocámos quase tudo desse disco. Algumas canções sĂŁo fáceis: tocamos frequentemente a “Dating Cops” e a “Moon Beeps”, a “Secret Signals” tambĂ©m. Tentámos, durante algum tempo, a “Deuteronomy”, mas a dinâmica dessa funciona melhor em disco. Fomos incapazes de atingir o ponto desejado. Nessa altura ainda nĂŁo tocava teclado regularmente, e isso pode tambĂ©m ter ajudado a piorá-la. A “Rooms and Bangs” tambĂ©m ficou aquĂ©m do desejado. É engraçado pensar que, atĂ© certo ponto, tens razĂŁo, porque algumas coisas nĂŁo funcionam realmente. Isso acontece com um tema como a “Rooms and Bags”, em que Ă© impossĂvel colocar a bateria acima de tudo e manter a canção com aquela batida completamente simples. A linha de baixo tambĂ©m Ă© um pesadelo. Agora montei um teclado ao meu lado, enquanto toco guitarra, e isso facilitou-me a vida num monte de mĂşsicas, atĂ© porque existe muito mais teclado no novo disco.
Confesso que nĂŁo percebi quase nada do que li na biografia e entrevistas do Monty Buckles. O gajo parece ser um grande personagem… VocĂŞs cresceram realmente juntos? AtĂ© que ponto interferiste nos vĂdeos que ele gravou para os A Frames e The Intelligence?
Isso Ă© engraçado. NĂŁo tive nada a ver com a entrevista ou com os vĂdeos. A entrevista Ă© falsa e foi hilariante lĂŞ-la. Adoro-o, tal como adoro os seus vĂdeos. Suspeito que o seu apartamento cheirasse a vomitado depois de ter filmado aqueles caranguejos gigantes debaixo de luz quente durante um dia inteiro. Gostava de poder revelar a quem pertencem aqueles lábios. É um cantor famoso. Eu adoro o Monty. Ele toca guitarra e sintetizador e canta no nosso novo disco.
O video da “Dating Cops” chegou a ser emitido por algum canal? Suponho que fosse engraçado ver dois caranguejos num ecrã de televisão e imaginar as diferentes reacções.
Nunca o vi na televisĂŁo ou cena assim.
Além do Monty, contas com outros convidados especiais neste novo álbum?
Foi divertido, porque, alĂ©m do Monty, dois dos meus vocalistas favoritos entram no disco: o Brad dos Wounded Lion, de Los Angeles, canta em algumas canções. O gajo Ă© um excelente pintor e um tipo impecável. E o Brian, dos Christmas Islands de San Diego, uma das nossas bandas favoritas, cantou num par de temas tambĂ©m. O Erin dos Spits era suposto cantar numa tambĂ©m: uma canção intitulada “Chauto Bandit”, que escrevi na tentativa de imitar os Spits. Mas nĂŁo foi possĂvel, pelo que terá de ficar para o prĂłximo disco, possivelmente. E a Susanna canta neste disco tambĂ©m, mas nĂŁo Ă© um convidado porque faz parte da banda.
Quando escutei a “Block of Ice” no disco de Thee Oh Sees, pensei que fosse uma versĂŁo da mĂşsica incluĂda no Deutoronomy . SĂł mais tarde me apercebi que os papĂ©is estavam invertidos. Parece-me uma golpada do caralho gravar a versĂŁo de uma mĂşsica, antes de ser lançada oficialmente pela prĂłpria banda. O John Dwyer concordou com isso de imediato?
É engraçado pensar que recebi uma primeira mistura de um disco de Oh Sees que começava com a “Block of Ice”. Passei a adorar a música nesse preciso instante. Era, ainda assim, uma versão muito diferente da que surgiu no
The Master’s Bedroom is Worth Spending a Night In - muito descarnada, sem cĂmbalos nem nada. É possĂvel encontrar uma versĂŁo semelhante a essa no
Hounds of Foggy Notion dos Oh Sees. Eles são fantásticos e toda a gente os adora agora, como deve acontecer, mas acho que não merecem crédito suficiente pelo que faziam durante as primeiras formações da banda, quando eram apenas um mini-kit de bateria. Eu estava rendido a esse formato nada rock e também assombroso. Bem… Ouvimos a “Block of Ice” vezes sem conta e decidimos fazer uma
cover . Atendendo a que gravei todos os instrumentos, gravámos aquela batida sem mais nada a acompanhar. O McHugh ficou a olhar para mim, a partir da mesa de mistura, e a achar que eu estava a dar em maluco ao repetir aquele
boom bap boom boom bap sem mais nada. Não sabia se eu estava na brincadeira. Já que o tinha sujeito a tal massacre, pensei:
OK. Estou a tocar esta batida há mais de 15 minutos e isso Ă© mais que suficiente para tentar trabalhar na canção. . Voltámos depois a essa gravação, porque nĂŁo havia tempo para gravar mais, e tĂnhamos apenas um minuto e meio de bateria. Isso obrigou-me a cortar um pouco do original para encaixá-lo naquele curto espaço de tempo. Senti-me estranho com isso e fui obrigado a dizer ao John:
Pá! Não senti necessidade de editar a tua música indulgente de dois minutos e meio. Sou apenas um atrasado mental. Depois, entreguei o nosso disco e fiquei a saber que eles tinham abandonado aquela versão, porque ambicionavam regravar a música para inclusão num próximo disco. Ou seja, a nossa versão sairia antes da deles, mas eles concordaram que assim fosse. Eu cheguei a pensar que a nossa versão não fazia justiça ao original por ser muito “rock”. No final, a “Block of Ice” dos Oh Sees acabou por ser muito mais punk e isso só tornou mais estranha a nossa versão.
Acreditas que as mĂşsicas incluĂdas no split com Thee Oh Sees antecipam de alguma forma o novo disco? Parecem mais cruas…
Depois de terminar o
Deuteronomy , só me apetecia partir a loiça e gravar cenas fodidas. É óbvio que também adoro as coisas do John e isso tornou-me competitivo ao ponto de querer esmagá-los com crueldade e “chumbo grosso”. Existem canções desse estilo no novo disco. Procurei avançar em ambas as direcções: queria músicas mais punk e outras mais bonitas. Acredito que este é, ao mesmo tempo, o mais severo e o mais mariquinhas dos nossos discos.
Guardas na memĂłria algum malabarismo do John Dwyer que te tenha impressionado particularmente?
Viste-o a esmagar a guitarra na cabeça daquele gajo quando tocava nos Hospitals?
Sim, claro. Volto a esse video todos os meses.
Pois, foi uma cena de loucos. Mas o meu favorito terá sido na primeira vez em que o vi a tocar com Ziegenbock Kopf, quando escalou descalço uma parede apoiando os pés nas dobradiças de uma porta até chegar a um contraplacado contra o qual esfregou os tomates.
Que novidades podemos esperar da zine Terminal Boredom ?
Algumas coisas porreiras para breve.
Agora que o teu puto está mais crescido, tens reparado se começou a curtir mais The Intelligence? Já se aventurou nos seus próprios sete polegadas?
Acho que ele se está a borrifar para a minha mĂşsica. NĂŁo escutamos The Intelligence juntos. Ele gosta de saber quando vamos tocar a um sĂtio porreiro. Ele tem um iPod e estava a enchĂŞ-lo com algumas coisas. Gosta da “We’re Gonna Be Friends” de White Stripes e de ouvir Bob Marley quando vai para a cama. Achei isso fixe. Ocasionalmente, gosta de fazer umas batalhas de DJ, em que tocamos mĂşsica alternadamente. Gosta da “Fortunate Son” de Creedence Clearwater Revival e da “Single Ladies (Put a Ring on it)” da BeyoncĂ©, o que Ă© basicamente igual a The Intelligence… TambĂ©m meteu o filme
Bruce Almighty no iPod. Os putos de hoje…