ENTREVISTAS
Blue Afternoon
Folkadélica
· 20 Abr 2008 · 08:00 ·
São Paulo é o local onde fazemos zoom, mais uma vez, por entre prédios altos e milhões de pessoas. Desta vez encontramos Guilherme Barrella, seguidor dos ensinamentos folk com profundo respeito por gente como Leonard Cohen e Tim Hardin ou os Tindersticks e Lambchop. Guilherme Barrella, que responde pelo epíteto Blue Afternoon (que é igualmente título de um dos discos de Tim Buckley), tem vindo a assinar discos com canções tendencialmente sombrias; foi assim que o brasileiro quis aproximar-se da música. Em entrevista, Guilherme Barrella coloca em cima da mesa tudo o que há para saber acerca do projecto Blue Afternoon.
Li algures que este projecto nasceu da tua vontade em "escrever canções tristes" influenciadas por gente como "Tim Hardin, Leonard Cohen, Lambchop e Tindersticks", mas que levaste "algum tempo até encontrar os parceiros ideais para levar o projecto adiante". Como é que solidificou este projecto?

No começo foi muito difícil. eu tinha as canções, mas apenas na minha cabeça. precisava de alguém que entendesse e traduzisse o meu pensamento para notas e acordes. Mas foi apenas a questão de conhecer as pessoas certas. O primeiro parceiro foi Eduardo Ramos (hoje empresário dos Cansei de ser Sexy), com quem gravei Folxploitation. A partir daí tudo foi ficando um pouco mais fácil e encontrei diversos grandes parceiros. Aliás, Blue Afternoon é isso. Eu e quem estiver me acompanhando naquele momento.

O nome Blue Afternoon está de alguma forma relacionada com o disco do Tim Buckley?

Não, isso foi uma coincidência. só fui conhecer Tim Buckley mais tarde. Hoje em dia sou um grande fã dele, mas acho que minha música também segue por outros caminhos.

Achei bastante curioso o título do teu disco de 2003, Folxploitation. É apenas um jogo de palavras ou tem algum significado especial?

É um jogo de palavras com um significado especial. Foi meu primeiro disco, mas ainda assim não é uma colectânea das minhas primeiras canções. Folxploitation é a minha visão do folk, a minha primeira tentativa de me enquadrar no género. Talvez um pouco rude, ainda um tanto desajeitado, mas com muita vontade e ideias maiores do que a execução.

O que é que nos podes dizer acerca de Countrypolitan? Mais um título curioso...

Vai ser um disco completamente diferente de Folxploitation, para começar. Acho que no futuro, olhando para trás, poderá ser considerado como o meu disco de rock. Vou gravar com um combinado de músicos curitibanos de duas excelentes bandas, Bad Folks e Wandula. Eu tenho tudo muito planeado na minha cabeça, o que quero dizer e onde quero chegar. Countrypolitan vai ser mais um passo em direcção a isso.


Pelo que li o teu processo de escrita de canções é algo curioso. Privilegias o facto de seres autodidacta, atribuis especial importância à escrita mental de canções, digamos assim. Como é o processo?

Eu não sei tocar nenhum instrumento, apenas ouço as canções na minha cabeça. Tenho um gravador de bolso e costumo registar as melodias e letras que vão surgindo. muitas vezes sigo cantarolando algo, enquanto caminho, e quando chego em casa já tenho uma canção pronta, letra e música. sou um tanto metódico, não faço canções à toa. Sei exactamente onde elas se enquadram e quando vão sair ao mundo. Já tenho todo um projecto imaginado para o Blue Afternoon. O meu terceiro disco fecha uma trilogia, abrindo caminho para um álbum final. Depois disso, creio que o Blue Afternoon terá cumprido o seu papel.

Li algures um crítico brasileiro dizer que a tua música era "completamente peculiar na cena independente brasileira: voz, violão e minimalismo". Sentes-te de alguma forma sozinho musicalmente falando?

Talvez sim, mas na verdade nunca parei para pensar nisso. Continuo a fazer a minha música como quero, com as pessoas que quero. Como disse, em Countrypolitan vou colaborar com músicas do Wandula e Bad Folks. São dois grupos que me agradam muito e certamente identifico-me com o trabalho deles, e principalmente, identifico a música do Blue Afternoon com a deles. São apenas dois exemplos, mas existem muitos outros artistas com quem me identifico e que inclusive pretendo trabalhar, num futuro próximo. As ideias não param.

Para além dos discos que já falamos, lançaste ainda Radio Sessions, um registo com um conceito curioso…

Radio Sessions, como você bem colocou, é apenas um registo. após o lançamento de Folxploitation, montei uma banda e marcamos alguns shows para divulgar o disco. Tocar ao vivo para mim é uma experiência um tanto quanto confusa. A princípio não me agrada, mas sempre me divirto. entre esses shows, fizemos duas sessões para rádios de São Paulo. Uma acústica, no UOL, e outra eléctrica, na Brasil 2000. Resolvi juntá-las num disco para marcar esse momento. Esse disco é um capítulo à parte na minha discografia.

Para além da critica musical brasileira, que parece ser favorável, qual é a reacção geral dos brasileiros à tua música?

Blue Afternoon não é muito conhecido, mas a crítica do público geralmente é bastante positiva. Tenho poucos, mas fiéis fãs. Claro que gostaria que minha música atingisse mais pessoas, mas o tipo de som e as letras em inglês não são exactamente grandes atractivos por aqui. Retomando a outra pergunta, no caso do público, sinto-me um pouco isolado.

Que retracto fazes de São Paulo enquanto cidade?

É a cidade em que nasci, cresci e vivo até hoje. muito de São Paulo está reflectido na minha música, mesmo que de forma velada ou até mesmo inconsciente. Todo morador de São Paulo vive uma relação de amor e ódio com a cidade, mas acho que isso é natural de qualquer grande metrópole. Sou bastante activo na cena daqui. Além do Blue Afternoon, tenho uma loja de discos, a Peligro, e uma editora, a Open Field. Além disso, preparo uma revista online chamada Brasa, especializada em música brasileira. Semanalmente, produzo duas festas, sempre com bandas tocando ao vivo, uma dedicada à Peligro e outra à Brasa. Dificilmente faria tudo isso sem estar em São Paulo. Só não sei se isso é bom ou mau.

Tanto quanto sei és fascinado pela cultura da Europa oriental, especialmente pela literatura. O que é que nos podes contar acerca disso?

Nada além de um preferência particular. Claro que também é uma influência para a minha música, mas apenas como uma parte da minha personalidade, como tantas outras. Mas entendo que o que para mim podem ser coisas diferentes, num âmbito maior pode ser uma coisa só. Digo, tudo pode parecer interligado e se pararmos para pensar, realmente é.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

Parceiros