Existe muito além do que a vista alcança com a panorâmica do quarto imundo de Tommy, tal como o filma Danny Boyle na saga junkie Trainspotting. Ao prejuízo resultante da cedência à tentação da heroína, sobra um gato isolado, cujas fezes – segundo o rumor que corria no funeral - teriam provocado o tumor que ceifara a vida a Tommy. Contudo, antes de apontar a agulha a si, o personagem havia resistido com bravura ao transe – musicalmente estimulado pelos Velvet Underground e Lou Reed - que fazia as vidas dos seus compinchas gravitarem à volta da necessidade omnipresente de um próximo “chuto de cavalo”. O destino que traçou para si Sam “SJ Esau” Wisternoff é inverso ao que tomou Tommy: o primeiro encontra-se rodeado por dependentes (e representantes) de hip-hop vanguardista (arte maior da Californiana Anticon) e nem isso o inibe de - isoladamente - arriscar um disco onde a folk se encontra tão próxima da pompa explosiva como de um turvo estado de sonambulismo. O meio hostil que roubou a vida a um é a razão pela qual parte destacado o outro que da adversidade fez vantagem construtiva.

É claro que muito contribuem para a analogia duas pistas sugestivas: a capa do disco surgir com um gato e uma figura humana (estatelada sobre o chão, na que tenho comigo) e o seu título referir um colapso. Pistas a que se junta o facto de provir de Bristol, Inglaterra, o Sam que se decidiu pelo tal SJ Esau que tem em Wrong Faced Cat Feed Collapse o seu primeiro empreendimento de longa-duração. Alto aí: um britânico que pratica folk a partir de um background hip-hop? Largam faíscas os nomes de Everlast e House of Pain após aproximados, mas a subtileza e refinamento abundam por aqui em doses muito mais consideráveis do que as que bafejaram a música dos orgulhosos descendentes de irlandeses.

Se bem que isso nem impede SJ Esau de dedicar um hino ao seu gato castrado numa “Cat Track (he has no balls)” que faz estoirar um violino e precursão animalesca com a violência de uns Dropkick Murphys prontos a tomar Boston de assalto, partirem uns quantos dentes e desimpedirem a via a uns quantos hálitos que tresandem a cerveja Guiness. A catarse que se sente a esse momento avassalador vale por si só a escuta de um disco que revolve, a partir daí, à sua mais tranquila aura folk. Com esse movimento, desenrola-se um imenso tapete verde para o desfile de arranjos delico-doces, avidez lúdica perceptível a caprichos mais experimentais (os três interlúdios sem título), pós-rock trajado de pijama como se escutava a Come on, die young dos Mogwai, marchas confiantes como “Geography” ou “All Agog”, que permitem a que também os nerds se possam pavonear no dia de São Patrício.

Porém, ainda não será este o disco que irá redimir a Anticon do mau karma atraído com o lançamento de um fraquíssimo e redundante Brookland / Oaklyn, em que colaboravam a figura da casa Alias e a vocalista Tarsier. Não é, de perto ou de longe, tão desinteressante o debute aqui em causa, mas este podia perfeitamente pertencer ao catálogo da Fat Cat e dar-se bem com isso. Inserido na Anticon, ganha um adocicado gosto a agradável surpresa, mas proíbe quaisquer comparações ou contextuação familiar. Trata-se, afinal, de um disco de ambiciosa e rica folk elaborado com recursos cronologicamente opostos aos pertencentes à década de 60 romanticamente associada ao género. Ainda que (por enquanto?) situado à margem de outros colossos bem mais populares, Wrong Faced Cat Feed Collapse confirma a Inglaterra como o país actualmente mais predisposto a reclamar o futuro para a música que produz.