DISCOS
Twism
Banda Sonora
· 30 Jan 2007 · 08:00 ·
Twism
Banda Sonora
2006
Chocolate Bars


Sítios oficiais:
- Chocolate Bars
Twism
Banda Sonora
2006
Chocolate Bars


Sítios oficiais:
- Chocolate Bars
O hip-hop português começa agora a impor-se com personalidade e maneirismos próprios. Sinais de maturidade.
Todos que estejam relativamente atentos à nova música urbana portuguesa sabem que não é propriamente um foco que chame muito a atenção, não porque no underground nacional não haja movimentação suficiente ou que as experiências tenham dificuldade de chegar à superfície, mas sim porque a qualidade nem sempre estimula o melómano que procura a última novidade. Sabemos perfeitamente que o mercado no caso do hip-hip vive atulhado com produções anglo-saxónicas que em grande parte dos momentos vive um passo à frente de alguma mediania estética que surge um pouco pelo mundo. Com a personalidade vincada do hip-hop underground norte-americano ou britânico, os outros mercados procuram caracterizar-se com alguma cultura caseira capaz de criar vida com movimentos próprios. Com naturalidade a pop assimila tudo o que a rodeia. É tudo uma questão de tempo até o que parecia ser uma experiência pontual no espaço generalizar-se e expandir-se para além do previsível.

Entre nós o fenómeno hip-hop demorou a fazer-se sentir. No fim dos anos 80 e início de 90, Portugal era um país com dificuldade em aceitar novos géneros, tendências ou modas. Isolado e ofuscado com um cizentismo pop/rock, o hip-hop ou house eram tipologias desprezadas. A “inquisição” cultural queimava novos géneros no soar das novas batidas, relegando para planos inferiores músicas que muitos nem isso consideravam. A produção nacional teimava em não arrancar. Casos esporádicos em meados de 90 davam a entender que algo mexia no círculo de quarentena. No caso do hip-hop tuga apenas meia dúzia sentiram-se capazes de dar um passo decisivo e tentar impor o hip-hop como género capaz de movimentar massas. Mas a evidente falta de interesse das majors condenou um Rapública a um evento adolescente pontual e sem consequência. Mas como a persistência de poucos era enorme, o hip-hop começou a crescer nas franjas do mercado não só como música em si, mas como um movimento cultural. Com a chegada do novo milénio, e com uma evidente abertura de mentalidades, o género começava a mostrar uma militância geracional que teimava em mostrar a sua arte de sobrepor a poesia de rua com beats e samplers. Naturalmente que a tecnologia começava facilitar o processo.

Tudo demora o seu tempo. É certo. Por isso Portugal também tinha os seus talentos prontos a impor a suas ideias. Mas faltavam algumas oportunidades. O crescente interesse, não só de produtores e MC’s, mas também de um público curioso com um hip-hop falado em português, abria portas a uma lenta massificação. Os produtores uniam-se, colaboravam mutuamente, editoras eram criadas, sites específicos eram gerados e fóruns de discussão permitiam o diálogo. Nomes como Sam The Kid, Bullet, Chullage, Micro, Valete, Mars D ou editoras como a Loop Recordings surgiam cada vez mais como referências do nosso hip-hop. As edições começavam a ser frequentes.

O ano de 2006 talvez tenha sido um dos mais importantes e decisivos para o género. Depois de Rocky Marciano afirmar-se em 2005 (como Sam The Kid em 2001 com Beats Vol I: Amor) com uma linguagem essencialemnte instrumental, era obvio que o vocabulário teria de ser refinado de modo a dar espaço à verve melódica. Conscientes desse elemento de equilíbrio, Sir Scratch, Sam The Kid e Twism trabalharam metodicamente e elevaram a fasquia da produção.

No caso de Twism e a sua Banda Sonora editada em Abril de 2006, e agora reeditada, as semelhanças na distribuição da palavra pela música obriga-nos a encaixar o álbum de estreia do algarvio no mesmo pelotão que Scratch e Sam, não que haja semelhanças que force alguém a incluir tudo no mesmo saco, apenas pontos de contacto numa doutrina, elementos onde o equilíbrio entre a expressão verbal e musical não gera desiguldades, onde a linguagem flúi com naturalidade, sem atropelos. Nesse ponto também se deve reconhecer o mérito do ex-membro dos Mitos Urbanos. É revelador como uma determinada geração aprendeu com a idade a manobrar ou desafiar uma arte aprendida na rua, onde expor as suas ideias sobre o mundo que os rodeia é um imperativo imposto pela alma, onde a música construída essencialmente por fragmentos samplados é o correio distribuidor da locução.

Em Banda Sonora as palavras e os beats estão lá, como se espera, prontos a transportarem-se mutuamente, comungando a maturidade do seu autor, atingindo um fim. Fim esse que não se propõe a reinventar o género, concorrer com o eixo anglo-saxónico, nem ter o sucesso dos gurus. Mas só o facto da palavra portuguesa escorrer por frases espontaneamente lógicas e sons inteligentemente erguidos, já faz deste disco um marco para a própria música portuguesa e motivo de orgulho para a familia hip-hop tuga que um dia preocupar-se-á em conquistar o além. Para já, a maturidade foi um objectivo atingido. E para consumo interno está aprovado.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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