DISCOS
Terre Thaemlitz
Trans-Sister Radio
· 15 Dez 2006 · 08:00 ·

Terre Thaemlitz
Trans-Sister Radio
2005
Grain of Sound
Sítios oficiais:
- Terre Thaemlitz
- Grain of Sound
Trans-Sister Radio
2005
Grain of Sound
Sítios oficiais:
- Terre Thaemlitz
- Grain of Sound

Terre Thaemlitz
Trans-Sister Radio
2005
Grain of Sound
Sítios oficiais:
- Terre Thaemlitz
- Grain of Sound
Trans-Sister Radio
2005
Grain of Sound
Sítios oficiais:
- Terre Thaemlitz
- Grain of Sound
Charada electro-acústica troça a incompetência dos aeroportos perante passageiros transexuais, dando forma a incisiva sátira à paranóia pós-11 de Setembro.
O glitch encontra-se por toda a parte – ataca indiscriminadamente, manifesta-se sem aviso prévio e raramente obedece a um padrão. Enquanto objecto de estudo, não consta de manuais especializados porque a sua formação é caracteristicamente irrepetível – interrompa-se abruptamente um sinal televisivo digital e as linhas estáticas nunca assumem duas vezes a mesma disposição e tonalidades. Num plano social comum, a sua incomodativa omnipresença redobra a rigidez dos polícias do mundo e, com apenas um golpe letal, arruína a seriedade dos cenários urbanos mais estéreis e sisudos. O termo glitch habitualmente serve como designação técnica atribuída às lacunas expostas por um sistema, mas, num sentido mais prático e primário, age essencialmente como certificante de que o equilíbrio de qualquer estrutura computarizada permanece tão susceptível de desabar quanto o de um baralho de cartas. O glitch é o novo punk.
Do mesmo modo que a usufruição megalómana do mesmo será o novo hacking (egoisticamente caprichoso e não criminoso). O vilão, desta vez, responde por Terre Thaemlitz, patrão da especializada Comatonse, entusiasta de todo o tipo de questionação apontada às políticas de identidade e incansável figura multi-facetada dos meandros menos ortodoxos da electrónica. Terre optou, neste Trans-Sister Radio, por usufruir do glitch como pretexto impiedosamente subversivo – colocando em cheque toda a estrutura de transportes aéreos a partir da falta de resposta e medidas a tomar perante a realidade de uma minoria transexual vir a partilhar dos mesmos (e cada vez mais intensivos) rituais de embarque que a maioria heterosexual. Embora tão impensável quanto única, a ideia é gloriosamente executada.
A suposta ausência de informação laboral para lidar com a excepção, passa a ser terreno fértil para Terre Thaemlitz construir um disco excepcional, um drama de rádio sobre travestismo e migração - tal como o descreve a portuguesa Grain of Sound que o reedita numa muito convincente réplica do passaporte do próprio Terre (os mais pudicos devem evitar o interior, os debochados regozijar-se-ão infinitamente). Voluntariamente patético no crescendo dramático que descreve até largar a sua premissa bombástica – com passagem por efusivos momentos tipo Jerry Springer e refrões (cock rock?) que tresandam a anos oitenta -, Tran-Sister Radio atinge todos os nervos a que se compromete quando faz desfilar exaustivamente todo o tipo de testemunhos inconsequentes que oferecem os alfandegários japoneses quando questionados por um Terre Thaemlitz que se apresenta como estudioso da matéria. O propósito malvado do trabalho não o impede de ser verdadeiro. Tal como o carácter mais verbal da novela glitch não a impede de momentos musicais coincidentes à sua infiltração sabotadora - com a deturpação digital de alguns trechos de easy listening e a ligeirinha electro-acústica poluída pela repetição do slogan There was a girl / there was a boy manipulado das mais diversas formas.
Surgido numa era adaptada ao pós-11 de Setembro, Tran-Sister Radio não augura um muito eficaz futuro a um sistema global de segurança que, antes de perseguir os viajantes de aparência muçulmana, necessitará de desenvolver prontas respostas para a facção transexual que opte pelo avião como meio de transporte. Bastam as suas doses de veneno e provocação para colocar o nome de Terre Thaemlitz no mapa dos mais malditos exploradores das capacidades da electrónica como instrumento de contra-propaganda. Até certo ponto, a rábula radiofónica amplia o glitch até ao ponto deste ser mais pertinente e dramaticamente manipulador do que a sua aplicação enquanto código sonoro. Fiel a um longo histórico de investidas motivadas por militância queer, Terre Thaemlitz disseca as limitações de um âmbito específico, enquanto instiga ao direito da individualidade, independentemente da incapacidade de uma entidade maior em corresponder às exigências do que decidiu marginalizar. Trans-Sister Radio é um irregular vibrador activo que deve reter para inspecção qualquer curioso da ciência glitch ou adepto da provocação.
Miguel ArsénioDo mesmo modo que a usufruição megalómana do mesmo será o novo hacking (egoisticamente caprichoso e não criminoso). O vilão, desta vez, responde por Terre Thaemlitz, patrão da especializada Comatonse, entusiasta de todo o tipo de questionação apontada às políticas de identidade e incansável figura multi-facetada dos meandros menos ortodoxos da electrónica. Terre optou, neste Trans-Sister Radio, por usufruir do glitch como pretexto impiedosamente subversivo – colocando em cheque toda a estrutura de transportes aéreos a partir da falta de resposta e medidas a tomar perante a realidade de uma minoria transexual vir a partilhar dos mesmos (e cada vez mais intensivos) rituais de embarque que a maioria heterosexual. Embora tão impensável quanto única, a ideia é gloriosamente executada.
A suposta ausência de informação laboral para lidar com a excepção, passa a ser terreno fértil para Terre Thaemlitz construir um disco excepcional, um drama de rádio sobre travestismo e migração - tal como o descreve a portuguesa Grain of Sound que o reedita numa muito convincente réplica do passaporte do próprio Terre (os mais pudicos devem evitar o interior, os debochados regozijar-se-ão infinitamente). Voluntariamente patético no crescendo dramático que descreve até largar a sua premissa bombástica – com passagem por efusivos momentos tipo Jerry Springer e refrões (cock rock?) que tresandam a anos oitenta -, Tran-Sister Radio atinge todos os nervos a que se compromete quando faz desfilar exaustivamente todo o tipo de testemunhos inconsequentes que oferecem os alfandegários japoneses quando questionados por um Terre Thaemlitz que se apresenta como estudioso da matéria. O propósito malvado do trabalho não o impede de ser verdadeiro. Tal como o carácter mais verbal da novela glitch não a impede de momentos musicais coincidentes à sua infiltração sabotadora - com a deturpação digital de alguns trechos de easy listening e a ligeirinha electro-acústica poluída pela repetição do slogan There was a girl / there was a boy manipulado das mais diversas formas.
Surgido numa era adaptada ao pós-11 de Setembro, Tran-Sister Radio não augura um muito eficaz futuro a um sistema global de segurança que, antes de perseguir os viajantes de aparência muçulmana, necessitará de desenvolver prontas respostas para a facção transexual que opte pelo avião como meio de transporte. Bastam as suas doses de veneno e provocação para colocar o nome de Terre Thaemlitz no mapa dos mais malditos exploradores das capacidades da electrónica como instrumento de contra-propaganda. Até certo ponto, a rábula radiofónica amplia o glitch até ao ponto deste ser mais pertinente e dramaticamente manipulador do que a sua aplicação enquanto código sonoro. Fiel a um longo histórico de investidas motivadas por militância queer, Terre Thaemlitz disseca as limitações de um âmbito específico, enquanto instiga ao direito da individualidade, independentemente da incapacidade de uma entidade maior em corresponder às exigências do que decidiu marginalizar. Trans-Sister Radio é um irregular vibrador activo que deve reter para inspecção qualquer curioso da ciência glitch ou adepto da provocação.
migarsenio@yahoo.com
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