DISCOS
Bright Eyes
Noise Floor (Rarities 1998-2005)
· 12 Dez 2006 · 08:00 ·
Bright Eyes
Noise Floor (Rarities 1998-2005)
2006
Saddle Creek / Popstock Portugal
Sítios oficiais:
- Bright Eyes
- Saddle Creek
- Popstock Portugal
Noise Floor (Rarities 1998-2005)
2006
Saddle Creek / Popstock Portugal
Sítios oficiais:
- Bright Eyes
- Saddle Creek
- Popstock Portugal
Bright Eyes
Noise Floor (Rarities 1998-2005)
2006
Saddle Creek / Popstock Portugal
Sítios oficiais:
- Bright Eyes
- Saddle Creek
- Popstock Portugal
Noise Floor (Rarities 1998-2005)
2006
Saddle Creek / Popstock Portugal
Sítios oficiais:
- Bright Eyes
- Saddle Creek
- Popstock Portugal
Retrospectiva das raridades acumuladas pelo prodigioso songwriter exige sintonia afectiva para surtir plenamente o seu efeito.
Cada vez são menos as dúvidas acerca da ideia de que Conor Oberst alimenta um qualquer tipo de complexo de sobrevivente e que parte das suas decisões errantes se devem a isso. O precoce amadurecimento artístico da figura principal dos Bright Eyes acusou – mesmo que de modo mais superficial – os problemas e impasses típicos da ascensão súbita de um miúdo maravilha como Macaulay Culkin ou o muito mais vertiginoso Corey Feldman: perante a pressão de ser tomado por muitos como o mais jovem e quase divino candidato a Bob Dylan da sua geração indie, quando contava apenas com 18 anos, Conor Oberst procurou desenvencilhar-se desse peso com opções de auto-destruição. Sem deixar de ser um apreciável disco de EMO classicamente juvenil (quase At the Drive-in no jardim-escola), Read Music / Speak English, único álbum do colectivo Desaparecidos gravado despreocupadamente entre amigos, soa também a penitência a pagar pelo facto de ser tão rico e completo enquanto cancioneiro um Lifted or the Story is in the Soil, Keep Your Ear to the Ground, que, tal como o primeiro, fora lançado no ano de 2002. Ano em que explodiu a popularidade de Conor Oberst até ao ponto de celebridade.
É sabido, porém, que em terras de ditadura Republicana o circuito de vedetismo atrai as suas celebridades até a um centro centrifugador que as transforma em caricaturas, assim que o calendário implica a aparição pontual em talk-shows de horário nobre e a presença assídua em festivais de cariz político (o itinerário Vote For Change unia Oberst a Springsteen e aos R.E.M., entre outros, na campanha de oposição ao segundo mandato Bush). Felizmente, a inspiração demonstrada por Conor Oberst para a escrita de canções em muito contribuiu para que o desígnio Bright Eyes tenha sobrevivido praticamente ileso à armadilha caricatural que parecia na eminência de o reter. Em último caso, os factores decisivos à auto-sabotagem terão sido o terreno ganho sobre os seus congéneres na Saddle Creek e na muito próxima Jade Tree, e o desaparecimento de cena por parte das igualmente grandiosas Azure Ray. Conor Oberst parecia algo desconfortável com o seu posicionamento isolado. Até porque faltam argumentos que justifiquem o suicídio comercial assumido aquando do lançamento de Digital Ash in a Digital Urn (tematicamente electrónico) e I’m Wide Awake, It’s Morning (mais regularmente folk e acústico) num mesmo dia de um mês tão condenado ao esquecimento como é Janeiro (neste caso, do ano passado). Ainda que sejam recentes, a indiferença resultante da colisão entre ambos os discos torna-os psicologicamente distantes do que se espera de Bright Eyes em 2007 (um EP e um novo álbum de originais já na Primavera). É, por isso, perfeitamente lógico e legitimo que, na antecipação desse regresso, surja um disco que abre mão das raridades e pontas soltas acumuladas nos oito anos anteriores ao presente. Limpam-se os cantos à casa.
Noise Floor não se limita, ainda assim, a aparar as lascas que sobraram aos discos completos durante o seu processo de alisamento. Descobre-se basta validade a uma série de complementos que, mesmo desamparados, muito revelam sobre o que de mais sólido mantém a identidade Bright Eyes: “The Vanishing Act” prova que a lo-fi pode ser sofisticada na exploração de um contido frenesim de guitarra, piano e ressonâncias, enquanto que o desencantado e existencialista carrossel que, impulsionado por electrónica multiforme, rodopia em “I Will be Grateful for this Day” sublinha Miga Mogis (que a co-escreveu) como o melhor aliado de Conor Oberst na gestão do veículo Bright Eyes. Meramente acessória e facilmente preterível é a presença de uma “Blue Angels Air Show” a denunciar má gestão de meios (cordas, feedback e voz confiante) e de uma insípida “Seashell Tale”, elaborada a meias com M. Ward para servir a um split que nunca chegou a conhecer existência factual. Ainda bem, acrescente-se, porque “Seashell Tale”, apesar de simpática e lúcida, fica-se pelo desportivismo que exercitaria Beck se empenhado em compor 10 músicas em 60 minutos.
O balanço tomado pelo aglomerado oscila muito mais sobre o pólo positivo à custa do dom apuradamente HBO (vide Os Sopranos e Sete Palmos de Terra) que abençoa Conor Oberst na projecção completamente verosímil de personagens moldadas a partir de dois minutos de música, mas que parecem ter existido uma vida inteira (e convivido com quem escuta durante esse tempo). A excelência dessa capacidade, que comprova Conor Oberst como convincente narrador (das suas, como das histórias dos outros), escuta-se à frontalidade e pujança do momento maior que resulta de “Spent on Rainy Days”, uma versão inspirada dos Spoon, e à cristalinamente carnal “Amy in the White Coat”, a que basta guitarra de embalar e discreta aliança de vozes (masculina e feminina) para, a partir da cinza de um momento apaixonado, formar um quadro de cores leves a que se distinguem dois corpos nus.
Em entrevista intimista, Conor Oberst confessava abertamente que precisava sempre de uma mão querida a que agarrar durante as viagens de avião. Noise Floor aparenta uma enorme serenidade – talvez demasiada – enquanto objecto musical, mas, a nível interno, progride ao longo de turbulento período tal como vivido pelo seu criador principal. Quer isso dizer que, à margem de rigorosos critérios de selecção, inclui bagos da melhor colheita e outros tantos mais medíocres e pouco sumarentos. Conor Oberst achou – com toda a pertinência – que haveria quem lhe estendesse a mão durante a revisão, por vezes dolorosa, do seu reportório secundário. Sendo que pactuar integralmente com essa medida significa depositar confiança definitiva no suposto génio que sobreviveu à desfiguração mediática e descarte votado à estética e vaga que liderava. Sobra a sensação de que, exceptuadas algumas condicionantes, o amor pode mesmo ser lindo.
Miguel ArsénioÉ sabido, porém, que em terras de ditadura Republicana o circuito de vedetismo atrai as suas celebridades até a um centro centrifugador que as transforma em caricaturas, assim que o calendário implica a aparição pontual em talk-shows de horário nobre e a presença assídua em festivais de cariz político (o itinerário Vote For Change unia Oberst a Springsteen e aos R.E.M., entre outros, na campanha de oposição ao segundo mandato Bush). Felizmente, a inspiração demonstrada por Conor Oberst para a escrita de canções em muito contribuiu para que o desígnio Bright Eyes tenha sobrevivido praticamente ileso à armadilha caricatural que parecia na eminência de o reter. Em último caso, os factores decisivos à auto-sabotagem terão sido o terreno ganho sobre os seus congéneres na Saddle Creek e na muito próxima Jade Tree, e o desaparecimento de cena por parte das igualmente grandiosas Azure Ray. Conor Oberst parecia algo desconfortável com o seu posicionamento isolado. Até porque faltam argumentos que justifiquem o suicídio comercial assumido aquando do lançamento de Digital Ash in a Digital Urn (tematicamente electrónico) e I’m Wide Awake, It’s Morning (mais regularmente folk e acústico) num mesmo dia de um mês tão condenado ao esquecimento como é Janeiro (neste caso, do ano passado). Ainda que sejam recentes, a indiferença resultante da colisão entre ambos os discos torna-os psicologicamente distantes do que se espera de Bright Eyes em 2007 (um EP e um novo álbum de originais já na Primavera). É, por isso, perfeitamente lógico e legitimo que, na antecipação desse regresso, surja um disco que abre mão das raridades e pontas soltas acumuladas nos oito anos anteriores ao presente. Limpam-se os cantos à casa.
Noise Floor não se limita, ainda assim, a aparar as lascas que sobraram aos discos completos durante o seu processo de alisamento. Descobre-se basta validade a uma série de complementos que, mesmo desamparados, muito revelam sobre o que de mais sólido mantém a identidade Bright Eyes: “The Vanishing Act” prova que a lo-fi pode ser sofisticada na exploração de um contido frenesim de guitarra, piano e ressonâncias, enquanto que o desencantado e existencialista carrossel que, impulsionado por electrónica multiforme, rodopia em “I Will be Grateful for this Day” sublinha Miga Mogis (que a co-escreveu) como o melhor aliado de Conor Oberst na gestão do veículo Bright Eyes. Meramente acessória e facilmente preterível é a presença de uma “Blue Angels Air Show” a denunciar má gestão de meios (cordas, feedback e voz confiante) e de uma insípida “Seashell Tale”, elaborada a meias com M. Ward para servir a um split que nunca chegou a conhecer existência factual. Ainda bem, acrescente-se, porque “Seashell Tale”, apesar de simpática e lúcida, fica-se pelo desportivismo que exercitaria Beck se empenhado em compor 10 músicas em 60 minutos.
O balanço tomado pelo aglomerado oscila muito mais sobre o pólo positivo à custa do dom apuradamente HBO (vide Os Sopranos e Sete Palmos de Terra) que abençoa Conor Oberst na projecção completamente verosímil de personagens moldadas a partir de dois minutos de música, mas que parecem ter existido uma vida inteira (e convivido com quem escuta durante esse tempo). A excelência dessa capacidade, que comprova Conor Oberst como convincente narrador (das suas, como das histórias dos outros), escuta-se à frontalidade e pujança do momento maior que resulta de “Spent on Rainy Days”, uma versão inspirada dos Spoon, e à cristalinamente carnal “Amy in the White Coat”, a que basta guitarra de embalar e discreta aliança de vozes (masculina e feminina) para, a partir da cinza de um momento apaixonado, formar um quadro de cores leves a que se distinguem dois corpos nus.
Em entrevista intimista, Conor Oberst confessava abertamente que precisava sempre de uma mão querida a que agarrar durante as viagens de avião. Noise Floor aparenta uma enorme serenidade – talvez demasiada – enquanto objecto musical, mas, a nível interno, progride ao longo de turbulento período tal como vivido pelo seu criador principal. Quer isso dizer que, à margem de rigorosos critérios de selecção, inclui bagos da melhor colheita e outros tantos mais medíocres e pouco sumarentos. Conor Oberst achou – com toda a pertinência – que haveria quem lhe estendesse a mão durante a revisão, por vezes dolorosa, do seu reportório secundário. Sendo que pactuar integralmente com essa medida significa depositar confiança definitiva no suposto génio que sobreviveu à desfiguração mediática e descarte votado à estética e vaga que liderava. Sobra a sensação de que, exceptuadas algumas condicionantes, o amor pode mesmo ser lindo.
migarsenio@yahoo.com
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