DISCOS
Beck
Mutations
· 06 Out 2002 · 08:00 ·
Beck
Mutations
1998
Geffen Records


Sítios oficiais:
- Beck
- Geffen Records
Beck
Mutations
1998
Geffen Records


Sítios oficiais:
- Beck
- Geffen Records
Este é o álbum que escutei muitas horas em quartos cheios de fumo e copos meio vazios, em noites de conversas e jogos de cartas. É o álbum que se escuta com os amigos enquanto as palavras passam. E é, surpreendentemente, um álbum de Beck Hansen. No entanto, “Mutations” é a excepção na discografia do genial compositor americano. Filho de pais hippies e com ligações à Factory de Andy Warhol, Beck cedo chega às playlists americanas com “Loser”, em 1994. Depois de dois álbuns “oficiais” (“Mellow Gold” e “Odelay”) e alguns álbuns em editoras independentes(como o é “Mutations”), chegam uma dúzia de músicas feitas durante e pouco depois da tour de Odelay, através da editora Geffen, sendo assim um “intervalo” na sua relação com a DCG. Segundo alguns, produzido como um álbum dedicado à namorada, que não se identificaria com o pós-modernismo arty dos álbuns anteriores, “Mutations” surgiria assim como um álbum menor, um “desvio” de Beck. Deixemo-nos porém de maledicências (o Big Brother Famosos existe para quê? ), para constatar o óbvio: “Mutations” é uma obra-prima. Consegue trazer precisamente o que faltaria ao som pastiche e frívolo de “Mellow Gold” : uma melancolia construída ou em lamentos amorosos (parecem tão sarcásticos em Beck) em “Nobody’s Fault But My Own” ou em roucos ambientes fim-de-festa, como em “Dead Melodies” ou “Static”.

Não deixam de existir, no entanto, os pormenores de barroco non-sense que personifica Beck, começando no artwork, percorrendo as letras e acabando em alguns arranjos imprevisíveis e geniais. Como em “Tropicalia”. Ficamos a saber que existe pelo menos um americano que não olha exclusivamente para o umbigo, e consegue até antecipar a moda do revivalismo da Bossa-Nova e da Tropicália, que se iria extender a muitos domínios do rock mais arty ou da electrónica.

Nota-se também um crescendo da agressividade ao longo do álbum, com as guitarras eléctricas (!), subtis no início, em todo o seu esplendor em “Diamond Bullocks”, em momentos de explosão psicadélica.

“Mutations”, sem ser o ícone da “junk culture” que Beck personifica, faz parte da sua discografia como um momento quase introspectivo, relaxado, recorrendo ao seu enorme leque de recursos sonoros com muito mais sentido do que em qualquer outro álbum. Ou seja, evita o psicadelismo por si só, dá-lhe forma e, por incrível que pareça, profundidade.

Psicadelismo esse que se iria extender a “Midnite Vultures”, um álbum de néons verdes e magentas, de uma overdose de cinismo fin-de-siècle. “Sea Change” viria em 2002.
Nuno Cruz
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